Isonomia ou desperdício de dinheiro público com a 5G pura? questionam teles e mercado

Diferentes interlocutores do mercado alegam que a Anatel, ao querer obrigar a adoção de um único padrão autônomo da 5G, como está na proposta do edital, fará com que o país pague mais caro por uma rede totalmente nova sem conseguir demonstrar os reais ganhos para a população.

Um dos debates no mercado que ainda vai perdurar até a aprovação definitiva das regras do leilão de frequência da Anatel refere-se à proposta apresentada e sua defesa apaixonada pelo conselheiro Carlos Baigorri da exigência de adoção do Release 16 da 3GPP, ou a 5G pura,  para a implantação da nova tecnologia móvel.

Essa determinação, que estava presente nos documentos lançados para a consulta pública, teve como justificativa de Baigorri por ser a única que irá levar o país para tudo de melhor  que a 5G poderá oferecer, ou seja, não apenas velocidades mais rápidas, mas também porque somente esse padrão é o único capaz de entregar duas outras promessas dessa tecnologia: a comunicação de baixa latência (para a telemedicina e carros conectados) e as comunicações massivas entre máquinas. E Baigorri foi enfático, na reunião de hoje da Anatel na defesa de sua posição: “Quando a União abre mão de recursos, não seria justo que não aproveitasse de uma plataforma habilitadora que fizesse uma revolução de fato”, afirmou.

Mas pelo menos duas operadoras  e diferentes consultores ouvidos pelo Tele.Síntese  afirmam que essa determinação é prejudicial para a própria população, que correrá o risco de ter uma 5G de baixa qualidade e mais cara, simplesmente porque esse novo padrão ainda não está integralmente desenvolvido e ele traria muitos problemas técnicos para a sua implementação.

” Com essa determinação, a Anatel está proibindo que usemos as redes existentes, o que significa que os investimentos já feitos para preparar as redes para a nova tecnologia, não vão servir de nada”, afirmou dirigente de uma dessas operadoras. ” O conselheiro falou que o Brasil quer uma Ferrari, nós também, mas aqui e em todos os países do mundo, ninguém entrou na Ferrari e saiu dirigindo de primeira, o sistema foi evoluindo”, afirmou outro interlocutor.  Para essas fontes esse ineditismo da Anatel acabará gerando muito mais problemas do que os benefícios que pretende.

Obrigação, não

Para esses interlocutores, não há qualquer problema em a agência apontar que o Brasil vá ter uma 5G efetiva, com esse padrão e as futuras versões, mas o que está errado, na visão deles,  é a Anatel obrigar que se comece o serviço já com esse padrão que, alegam, ainda não está totalmente desenvolvido.

“Se prevalecer essa posição, a 5G no Brasil poderá não apenas atrasar, mas ficar de pior qualidade, já que o que for instalado não terá como funcionar com as redes 4G e inferiores, o que vai dar muito problema”, afirmou a fonte. Diz  que com a 5G pura, ou stand alone, não é possível fazer o hand over com as redes atuais, o que significa que a ligação de voz não poderá ter mobilidade, caindo toda hora, por exemplo.

Fora do ar

Ainda, afirmam que o ecossistema desse novo padrão sequer está todo desenvolvido e, entre os serviços que não estão disponíveis estão o roaming internacional; a interceptação das chamadas determinada pela justiça; sistema de localização e mesmo serviços legados, como o SMS e Voz sobre LTE.

Isonomia

Um dos argumentos apresentados por Baigorri para defender esse padrão é de que seria uma decisão isonômica, que assegura a competição, porque “todos sairiam do mesmo ponto de partida”.

Argumento também contestado pelo mercado: “Nunca a Anatel fez qualquer leilão que impedisse o aproveitamento da infraestrutura já existente. Foi assim com a 2G, com a 3G e com a 4G, e não houve problema com competição”, observa o interlocutor. Para ele, não tem muita lógica o raciocínio de Baigorri, quando diz que a decisão é pró-competição porque impede as atuais operadoras de oferecer serviços com a rede existente.

“Ora, se estamos em um mercado competitivo, se entrar um concorrente com um serviço que teoricamente é melhor do que o nosso, ou ele ganha o  mercado ou nos obrigará a mudar a rede. Foi assim com as tecnologias móveis é assim com a rede fixa, quando todos estão colocando fibra óptica. Mas isso é uma decisão da empresa, e não uma determinação do órgão regulador”, assinala essa fonte.

Os interlocutores concordam com  Baigorri que o edital de frequência trata mesmo de recursos públicos e por isso perguntam se é sensato, para  um país com tantas necessidades como o nosso, ter ume edital no qual o governo estará considerando pagar  mais caro por um padrão, que na avaliação deles, ainda vai demorar para se consolidar. “O conselheiro mostrou em sua apresentação que já existem 6 redes no mundo com o padrão 5G stand alone, mas esqueceu-se de dizer que todas as essa redes começaram, primeiro, com o padrão não stand alone, o que estaria sendo proibido agora”, vaticinam.

Os interlocutores dessas operadoras assinalam ainda que se essa proposta sequer foi aventada na consulta pública, e por isso a Anatel deveria torná-la mais transparente, ampliando o debate, de maneira a explicitar, efetivamente, quais seriam os efetivos  ônus e bônus para essa preferência.

 

 

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Miriam Aquino

Jornalista há mais de 30 anos, é diretora da Momento Editorial e responsável pela sucursal de Brasília. Especializou-se nas áreas de telecomunicações e de Tecnologia da Informação, e tem ampla experiência no acompanhamento de políticas públicas e dos assuntos regulatórios.
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