Investimentos e aumento da demanda, mas com pressão nos custos
Por Vera Franco
[O Tele.Síntese vai publicar ao longo das próximas semanas as reportagens publicadas no Anuário Tele.Síntese de Inovação 2020, editado no final do ano passado e que pode ser baixado na íntegra e gratuitamente aqui]
A combinação de pandemia, pressão da demanda, no tráfego de dados, nos custos e a continuidade do processo de consolidação marcou o ano de 2020 para os provedores regionais. Mas não chegou a se tornar uma tempestade que afastasse investimentos, pelo contrário. A maior parte dos ISPs manteve recursos para a expansão da infraestrutura a fim de acomodar, até agosto, 2,4 milhões de novas adições, uma expansão de 25% sobre o mesmo período do ano anterior. Até esse mês, o total de assinantes somava 12 milhões e representava 35% do mercado nacional de banda larga fixa no país.
Na pandemia, com o maior número de pessoas em casa utilizando a internet para home office, ensino a distância, compras virtuais e entretenimento, o tráfego de dados dos ISPs cresceu 40%. “Esse volume, especialmente entre os assinantes residenciais, exigiu investimentos nas redes. Como utilizamos fibra óptica foi possível fazer um upgrade mais rápido, o que nos proporcionou aumento da base de clientes e do valor do ticket médio”, afirma Eduardo Neger, presidente da Abranet (Associação Brasileira de Internet).O segmento corporativo, no entanto, foi mais afetado nos negócios, com as restrições de mobilidade urbana como, por exemplo, o comércio consumidor de serviços Wi-Fi em shoppings e restaurantes.
Durante o ano, os ISPs enfrentaram dificuldades de importação de insumos – principalmente provenientes da China e países asiáticos –, o que afetou a produção e teve reflexo no aumento de 40% no dólar. As linhas de fabricação mais prejudicadas foram as de OLTs, terminais de linha óptica que concentram os fluxos de dados e serviços. Outra forte pressão nos custos veio da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), que elevou os preços do aluguel dos postes em quase 100%, passando de R$ 6,50 para R$ 12. “Se esse mercado não for regulamentado, a expansão da banda larga será afetada no país”, observa André Felipe Rodrigues, presidente do Conselho de Administração da Abrint (Associação Brasileira dos Provedores de Internet e Telecom).
Algumas ações regionais, em contraste, levaram bons ventos para o mercado. Em Minas Gerais foi criada uma rede de negócios que foi providencial para aliviar o estresse dos provedores do estado durante a crise do coronavírus. Entre vários benefícios negociados, foi obtido dos fornecedores um parcelamento em até 12 vezes das compras acima de R$ 200 mil/mês.
Além disso, a parceria fechada com o Sicoob, maior sistema financeiro cooperativo do país, tornou factível a proposta de desenvolvimento de um banco digital dos provedores. “A ideia foi trabalhar investimentos e cerca de 70 dos ISPs mineiros conseguiram linhas de crédito”, garante Robson Lima da Silva, presidente da Abramulti (Associação Brasileira dos Operadores de Telecom e Provedores de Internet).
A APIMS (Associação dos Provedores de Internet de Mato Grosso do Sul), em parceria com a prefeitura de Campo Grande e com o NIC.br, teve sucesso em levar o PTT ( Ponto de Troca de Tráfego) para a cidade, a exemplo do que já ocorria em outras capitais. Para Dário Burda Jr, presidente da entidade, ao facilitar o tráfego de informações levando-o para mais perto do consumidor, o PTT permite aos provedores da região agilidade na entrega da internet e redução do consumo do link da operadora. “Consequentemente, temos menor custo e mais qualidade de serviço para o usuário final”, comemora.
Expansão no cenário
Enquanto a maior parte dos provedores de internet investiu em infraestrutura para atender a alta demanda de banda larga, a Brisanet estava pronta para entregar o dobro do tráfego. Com crescimento orgânico de aproximadamente 28 mil clientes/mês, a maior operadora regional de acesso à internet do país estima crescer 84% em 2020, chegando a mais de 400 mil assinantes em sua base, sem perder o DNA de atender o cliente pequeno.
O projeto da infraestrutura e construção da Brisanet é 100% desenvolvido dentro de casa. “Conseguimos criar e implementar um modelo de operação e atendimento em escala, sem aquisições e terceirizações, que nos permite o controle total sobre o negócio”, diz José Roberto Nogueira, fundador e presidente. A plataforma de software, que conta com mais de 60 programadores, possibilitou a digitalização e automação massiva da rede e dos processos de atendimento ao cliente.
“Enquanto as empresas investem 15% da receita, nosso investimento anual equivale à receita do ano anterior”, afirma. A expectativa de Nogueira é ampliar a presença no Nordeste nos próximos 20 anos a partir de um novo modelo de franquia desenvolvido pela própria empresa, que foge dos padrões tradicionais, e entrou em operação há um ano. Hoje são mais de 100 franquias atendendo 400 cidades onde a operadora não estava presente.
No novo modelo, o franqueado é o dono do negócio e a tecnologia pertence à Brisanet. Ele recebe aporte financeiro, link, software de gestão, treinamento e integração de equipamentos de segurança e suporte necessários para a construção da rede, como backbone e conexões nas cidades pequenas. Os produtos oferecidos são internet, telefone, TV, telefonia e rastreamento. O franqueado remunera a operadora com o percentual de uso da rede.
Para Nogueira, 2023 será o ano do 5G e a empresa já está implementando a infraestrutura que suportará a nova tecnologia. “A Brisanet foi a operadora que mais contribuiu com a consulta pública, para que os PPPs participassem do 5G”, afirma.
Na avaliação de especialistas, o mercado de provedores regionais passará por uma reorganização: parte da infraestrutura de comunicação será segmentada da prestação dos serviços aos consumidores. Mas isso poderá ser um passo além do movimento de consolidação, que ainda mostra fôlego. Os fundos de investimentos movimentaram o mercado neste ano com aquisições de ISPs de Norte a Sul do país.
A Vero Internet, que tem como investidor o fundo Vinci Partners, ampliou sua presença com a compra de dois provedores no Rio Grande do Sul: o grupo INB Telecom, que atua na região metropolitana de Porto Alegre e cidades litorâneas do estado; e a MKA Telecom, operadora da região Sul do país com presença nos estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná. Com esse movimento, a empresa se tornou o segundo maior provedor regional do país e passou a atender 90 municípios.
A Vero estima fechar o ano com o crescimento de 50%. Sua meta é quadruplicar a operação até 2023, com atuação em mais de 200 municípios brasileiros e para 2025 atingir 10 milhões de conexões. O presidente da empresa, Fabiano Ferreira, diz que avalia a possibilidade de aumentar para R$ 1 bilhão o investimento inicialmente previsto em R$ 750 milhões.
A operadora dedica-se à ampliação e atualização de sua rede própria em quatro novas cidades no interior de Minas Gerais, além da construção de seu backbone, em fase final de desenvolvimento, que ligará Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. “A Vero é a empresa que mais cresce no país em banda larga, mas para competir é preciso entregar mais velocidade e menos latência”, observa o executivo.
Grandes grupos de investimento estão comprando empresas e mantendo a gestão do proprietário para não perder as características regionais do negócio. Esse é o caso da compra da Mob Telecom pelo fundo de investimento EB Capital, o mesmo que comprou a Sumicity. Os sócios e fundadores da operadora permaneceram como sócios minoritários.
Com a meta de se tornar a maior empresa de comunicação do Norte e Nordeste do país, a cearense Mob Telecom espera crescer 35%, sem considerar a participação da EB Capital, que entrou na sociedade em outubro deste ano. Em 2019, cresceu 24,5%. O varejo, novo foco da companhia, respondeu praticamente pela maior parte dos resultados. A expectativa é fechar 2020 com 10 mil instalações mensais e inaugurar o total de 35 lojas.
“Nossa expansão no varejo ocorrerá de forma orgânica e por aquisições de ISPs locais que a entrada da EB Capital vai nos permitir fazer”, afirma Salim Bayde, CEO da Mob Telecom. Atualmente, a operadora tem mais de 900 clientes no atacado e outros 50 mil no varejo de banda larga fixa.
Conforme Bayde, o tráfego cresceu 40% este ano, estimulado pelo investimento em backbone, como redes de longa distância. A rede da Mob tem conexão em cinco pontos de troca de tráfego nacionais e cinco internacionais: 195 pontos de presença em todo o país, atuando em atacado, operadoras, governo, corporativo e soluções integradas.
A Mob fechou parceria com a Oi para comercializar produtos e serviços de telecomunicação sob a marca comum: Mob Telecom com Fibra Oi. O projeto prevê a migração de clientes de banda larga em cobre da Oi para o FTTH (Fiber to the Home) da Mob que, em contrapartida, terá acesso ao backbone óptico da Oi. Ficará a cargo da Mob todas as etapas dos serviços aos clientes, como atendimento, oferta de produtos, canais de venda, faturamento e cobrança, além da instalação da última milha de fibra até a residência do cliente. A Oi terá remuneração sobre a migração da carteira.
Para Salim Bayde, a intenção é replicar a parceria com a Oi em 200 municípios no Ceará. O projeto-piloto foi implementado em uma região em que a Mob não tinha presença FTTH. As cidades do litoral oeste do Ceará serão as próximas a receber a parceria. “Em todos os municípios em que a concorrência for baixa ou tiver apenas um player, iremos cabear.”
A empresa também está de olho na chegada da tecnologia 5G. Ela está envolvida em um consórcio com 10 empresas para a construção de uma rede neutra. Segundo Salim, a ideia é construir 80 quilômetros de rede subterrânea para interligar as cinco capitais do Nordeste. Com a entrada do fundo EB Capital como acionista majoritário, no final de 2019, a Sumicity, considerada a quinta maior operadora de banda larga fixa do país, espera atingir 500 mil assinantes em 2022. A meta para o próximo ano será a consolidação da marca em Minas Gerais.
Um dos grandes desafios durante a pandemia foi tornar-se um canal de vendas. O projeto de afiliados permitiu habilitar uma rede credenciada para comercialização de serviços e emissão de boletos com código de barras em 50 locais de alto fluxo nos municípios em que atua. A iniciativa bem-sucedida gerou impacto direto no índice de inadimplência do cliente não bancarizado, que caiu para apenas 2%. A partir da experiência, a empresa lançou em agosto o canal de agentes autorizados para a área comercial voltado para o público que prefere o atendimento presencial.
A pandemia trouxe mudanças estruturais na operação da Sumicity, que de 197 mil clientes, em fevereiro, atingiu 250 mil em agosto deste ano. Além da digitalização das áreas comercial e de atendimento, iniciou as vendas pelo canal digital. “Melhoramos todos os processos para o cliente ter uma boa experiência on-line e essa iniciativa resultou no crescimento do e-commerce, que já responde por 35% do total das vendas”, diz Fábio Abreu, CEO da operadora.
“Essas medidas foram responsáveis por estarmos um mês à frente no nosso orçamento”, salienta o executivo. A empresa compartilha um ambiente com muitos provedores pequenos, com ticket médio de R$ 100. Mesmo assim o tráfego de internet subiu 42%, desde maio, com a chegada de muitos usuários oriundos da concorrência. No pico da pandemia, realizou uma média de 14.500 mil vendas mês, o equivalente a 600 vendas por dia.
A Sumicity substituiu o legado de cabo para fibra óptica nas 55 cidades em que atua na região sudeste. Em dezembro de 2019, mudou o portfólio antigo de 18.500 clientes, acrescentando maior velocidade de conexão sem custo adicional. “A medida compulsória foi muito bem recebida por nossos clientes. Além de adequar mais banda larga para os usuários, gerou crescimento de 80% do consumo nos horários de pico”, afirma. Atualmente, ela conta com 15 mil quilômetros de backbone e 43 mil quilômetros de fibra óptica.
Crescer além da conectividade é a estratégia da Um Telecom nos próximos cinco anos. Para isso, criou a vertical de segurança da informação, ofereceu serviços em cloud e ampliou o atendimento do mercado corporativo com a criação do escritório em São Paulo. As soluções de TI, lançadas em julho deste ano, respondem por 51% dos novos contratos da empresa, enquanto as de disponibilidade da rede por 49%.
“Nosso objetivo é tornar os ISPs integradores de serviços de TI, o que permitirá incrementar suas receitas”, afirma Daniel Gomes, diretor de negócios da Um Telecom. As mesmas soluções vendidas pelo operador para o atacado são oferecidas para os ISPs comercializarem para seus clientes. A estratégia de mudança da empresa faz sentido na medida em que o preço do Megabits sofreu uma queda drástica na região, de R$ 25 para cerca de R$ 3. O faturamento mensal de um cliente com alto consumo de banda larga não alcançava R$ 1,7 mil, com a venda de solução digital e o uso de nuvem privada atingiu R$ 6 mil.
De acordo com Gomes, os contratos de soluções gerenciadas aumentaram 20% desde o início da
pandemia, depois que as empresas entenderam os problemas causados pela intensificação do trabalho remoto. A questão de segurança tornou-se a tônica, refletindo na alta adesão ao serviço em nuvem nesse período. A desvalorização cambial, por sua vez, favoreceu a busca por nuvem brasileira ou serviço de colocation. “Muitas empresas estão deixando as nuvens da Amazon e Microsoft para usar nossas soluções que oferecem economia de 25% a 60%”, comenta.
A empresa está investindo ao longo do ano cerca de R$ 10 milhões na ampliação do backbone, com
a implantação de uma nova rota de cabos de fibra óptica de Recife até Aracaju, aumentando a capacidade e a disponibilidade na região, além de um anel óptico em outras cidades do estado. A Um Telecom ainda planeja diversificar o portfólio de serviços B2B. O Um Play foi a primeira oferta lançada para o atacado, sem custo para os ISPs manterem a fidelização de seus clientes. Trata-se de uma plataforma de streaming com apps, filmes e séries.
A operação em São Paulo envolve venda de conectividade na última milha para operadoras com atuação nacional, como a Oi, e para as locais com demanda de fornecimento e sem infraestrutura no Nordeste, como a British Telecom. Também atenderá clientes corporativos em São Paulo. “Fizemos a expansão da rede e já temos POP em SP que se integra ao data center da Equinix”, ressalta.
Os serviços Mobile Virtual Network Operation (MVNO) chegaram de vez no mercado de ISPs. A grande vantagem é a portabilidade, essencial em segmentos competitivos, pois permite a troca de provedor de forma simples.A Unifique lançou, em setembro, o MVNO Fique Móvel. Criado em parceria com a MHNET Telecom, também provedor da região Sul, o novo serviço de telefonia celular virtual está operando nos estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná com conexão 4.5 G.
Com a expectativa de alcançar 200 mil clientes até o fim de 2021, a oferta móvel funciona a partir da infraestrutura de rede da Vivo e poderá oferecer preços atrativos, uma vez que toda a estrutura já está montada. “Somando as duas bases de clientes formamos o segundo maior provedor de internet de fibra óptica no país”, afirma Jair Francisco, diretor de mercado da Unifique.
O MVNO Fique Móvel traz planos pré-pagos diários, semanais, quinzenais e mensais – todos com serviços de WhatsApp ilimitado, vídeos e fotos. Os chips podem ser adquiridos nas lojas físicas da Unifique e MHNET e a ativação é feita no ato da compra. Apesar da operação móvel conjunta, os dois provedores mantêm separados seus serviços de internet, telefonia e TV por assinatura.
A Unifique atende hoje 126 municípios localizados no litoral e na região do chamado Vale Europeu, que corresponde a cerca de 80% do PIB de Santa Catarina, segundo Francisco. Este ano a empresa cresceu organicamente 25%, e 15% devido a aquisições de novas redes. A tendência até 2024 é mudar esse perfil e investir R$ 400 milhões na ampliação de redes de fibra óptica na região Sul. Para isso será implantada infraestrutura de FTTH que levará telefonia fixa, internet banda larga e TV a 80% das residências da região, o que corresponde a 1,3 milhão, e faturar R$ 1 bilhão até 2024.
A operadora cresceu 172%, saindo de 87,4 mil acessos em julho de 2019 para 237,5 mil no mesmo período em 2020. São mais de 30 mil clientes de conexão em rádio, legados da operação que está sendo migrada para rede de fibra óptica. A meta para o próximo ano é dobrar o número de portas de backbone com anel óptico de mais de 500 GB e potencializar os investimentos em DWDM.