‘Incertezas’ avançam à nova fase de debates da reforma tributária

Principais questões do setor de telecomunicações só serão respondidas nas próximas etapas da construção do regime. Mas primeiros arranjos sinalizam desafios políticos frente à essencialidade dos serviços.
Reforma tributária foi aprovada pela Câmara sem tratamento diferenciado para telecom Foto: Marina Ramos/Câmara dos Deputados
Reforma tributária foi aprovada pela Câmara sem tratamento diferenciado para telecom | Foto: Marina Ramos/Câmara dos Deputados

O plenário da Câmara dos Deputados concluiu nesta sexta-feira, 7, a primeira fase de votação da reforma tributária (PEC 45/2019), em uma versão que faz ecoar no setor de telecomunicações a sensação de incerteza sobre os impactos. Nesta manhã, entre a análise do texto-base e dos destaques, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), fez um pronunciamento à imprensa destacando que há “um longo caminho” pela frente. Hoje, todos os setores estão debruçados em uma versão “que com certeza deve voltar do Senado”.  

O Tele.Síntese reuniu as visões de especialistas, parlamentares e representantes do setor sobre os principais receios e expectativas relacionadas às alterações. 

A proposta trata de uma reforma tributária sobre o consumo. O texto extingue cinco tributos (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS) e implementa o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) Dual. Uma das principais dúvidas do setor é também a do mercado como um todo: o que vai acontecer com os créditos, ou seja, o direito à compensação pela cobrança do imposto. E isso só ficará mais claro nas próximas etapas de discussão.

O advogado tributarista Hendrick Pinheiro, da Manesco Advogados, aborda essa preocupação. “A grande vantagem desse modelo é que quando a gente unificar tudo isso em um grande tributo sobre consumo, as cadeias vão poder se tornar mais modernas, e evitar a cumulatividade que eventualmente acontecia do ISS com o ICMS. Mas eu estou falando aqui em um plano conceitual. O setor fala de incertezas porque, no Brasil, é algo que não é certo. O ICMS é cumulativo, está na Constituição. Mas os Estados nunca devolvem os créditos acumulados. Então, todos os setores econômicos tem razão de falar em incerteza porque, quais são as garantias de que os créditos vão ser devolvidos?”, questiona. 

Representantes do setor defendem um texto mais claro quanto à segurança jurídica da compensação do crédito no novo regime. “Telecom paga ICMS, paga PIS/Cofins, então, de certa forma, os serviços de telecom geram créditos na cadeia.  Coisas que os outros serviços não geram… Eles pagam mais tributos, mas geram crédito”, explica Pinheiro.

“Essas incertezas podem ser atribuídas a primeiro: uma falta de confiança no Estado, na gestão desses tributos não cumulativos e, o segundo ponto é que nós não vimos essa lei complementar” resume o especialista. 

Alíquota reduzida

Para o presidente executivo da Telcomp (Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas),  Luiz Henrique Barbosa da Silva, a proposta de simplificação tem o apoio do setor. “Por exemplo, vamos supor que temos uma equipe de 100 pessoas na operação em uma empresa de telecom. Na Colômbia, no Chile, na China, eles podem ter oito a 12 pessoas na área de finanças. No Brasil, eu tenho 40 pessoas na área de finanças, porque eu tenho que pagar imposto em cada estado, cada cidade, cada município tem o seu formulário, sua guia, seu sistema”, justifica.

No entanto, para ele, o texto está desequilibrado. “A reforma tributária está tirando de alguma forma os impostos da indústria e está jogando isso para o setor de serviços. O Estado brasileiro ainda gasta muito e gasta mal. Então, você vê os governadores e prefeitos todos preocupados em não perder arrecadação. Isso conflita com o trabalho que a gente fez nos últimos anos: telecom como serviço essencial“.

Para alguns serviços essenciais, o texto da reforma tem dado uma alíquota reduzida, com cobrança equivalente a 40% do total. O setor de telecom tentou argumentar, sem sucesso. 

“Ninguém discorda da importância do setor de Telecom. Mas a gente não tem força política. Quem tem forma política é o agro, que tá beneficiado lá”, disse o presidente da Telcomp. 

O texto prevê alíquota reduzida para serviços de educação e saúde; transporte coletivo; produtos e insumos agropecuários, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura, produtos de higiene pessoal; dispositivos médicos e de acessibilidade para pessoas com deficiência; e produções artísticas, culturais, jornalísticas e audiovisuais nacionais – este último, acrescentado já em plenário, na noite da aprovação.

O vice-líder do Governo na Câmara dos Deputados e coordenador do Grupo de Trabalho da Reforma Tributária na Casa, Reginaldo Lopes (PT-MG), afirmou nesta quinta-feira, 6, que o setor de telecomunicações não recebeu tratamento diferenciado no projeto porque já “terá uma redução da carga tributária” e que as grandes empresas vão poder “creditar todos os insumos”. 

“Nesse setor, a ampla maioria é Super Simples [Simples Nacional]. E o Super Simples vai creditar se vender serviço para a empresa grande. Já está no regime especial. Se for média ou grande empresa, vai creditar todos os insumos. E os investimentos em tecnologia – que é um setor que tem que renovar a tecnologia num período curto  – todos esses investimentos são desonerados. No somatório, o setor de telecomunicações e internet vai ter uma carga tributária diminuída”, afirmou o deputado ao Tele.Síntese.

Enquanto isso, associações do setor de T.I assinaram uma nota nesta quinta, dizendo temer um “colapso do setor de serviços digitais, tecnologia, inovação e Internet”. 

“Pela proposta do texto atual, a carga tributária desse setor passaria de 8,65% para 25%. No melhor dos cenários, isso representaria uma elevação de 189% nos tributos, visto que milhares de empresas do setor estão sediadas em municípios que tem a alíquota de ISS fixada em 2%. Isso inviabilizaria a sustentabilidade do setor”, consta no comunicado.

O manifesto leva o nome da Associação Brasileira de Internet (Abranet), a Federação Nacional das Empresas de Informática (Fenainfo), Associação Catarinense de Tecnologia (Acate),  Sindicato das Empresas de Internet do Estado de São Paulo (SEINESP) e a Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação (Federação Assespro). 

Transição

Foto: Freepik

Outro ponto de preocupação e com possíveis impactos para o consumidor é quanto ao valor das alíquotas durante a transição – quando será necessário manter o regime novo e antigo gradualmente – assim como a fixação das taxas após esse período, tema de regulamentação posterior. 

Apesar da dúvida, o setor econômico enxerga avanço entre o texto preliminar e o que foi aprovado no plenário da Câmara, quanto à implementação concomitante das novas taxas. 

O novo modelo de tributação vai substituir IPI, PIS e Cofins pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que terá gestão federal, e o ICMS e ISS serão transformados em um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a ser gerido por Estados e municípios. 

Pela proposta, o IBS e o CBS serão inseridos juntos, em 2026, com o IBS em 0,1% e CBS em 0,9%. Em 2027, PIS  e Cofins ficam extintos e o IPI zerado. Entre 2029 e 2032, haverá redução gradual do ICMS  e do ISS, de 1/10 por ano, com extinção completa em 2033.

Na versão anterior, o imposto federal viria primeiro e, com isso, houve receio de aumento da carga tributária enquanto as taxas antigas estivessem em vigor. 

Apesar disso, a Conexis Brasil Digital, por exemplo, defende mais garantias, como uma trava para o imposto federal durante o período de transição

Fundos setoriais

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Crédito: Freepik

A reforma tributária não cita os fundos setoriais, como o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust). Mas eles certamente terão leis atualizadas em decorrência do novo modelo. O advogado tributarista Henrique Pinheiro explica o porquê.

“Hoje em dia, o Fust incide sobre a receita. E eu posso deduzir da base de cálculo do Fust ICMS, PIS e Cofins, tributos que vão deixar de existir. Ou a lei muda, ou o Fust vai começar a incluir na base de cálculo da CBS e IBS. O impacto prático é o aumento da carga tributária”, afirmou Pinheiro.

Há quem diga que essa é a oportunidade que o setor tem de questionar a redução ou até mesmo a extinção das cobranças dos fundos setoriais. No entanto, o desafio político pode ser ainda mais complexo que pedir o tratamento diferenciado, visto que esses recursos, a exemplo do Fust, passam a ganhar cada vez mais o discurso do governo federal e dos parlamentares como fonte para custear a ampliação do acesso à internet. 

Expectativas

(Foto: Jonas Pereira/Agência Senado)

Para Lira, o Senado terá “todo tempo do mundo” e, com isso, “um olhar mais agudo”. Nesse meio tempo, a ideia é construir consenso entre deputados e senadores. Para o presidente, caberá à Câmara “respeitar e avaliar”, mas mantendo algumas diretrizes: 

“Eu espero que com a aprovação no Senado a gente possa ter um texto concentrado na espinha dorsal da neutralidade, no aumento da base de arrecadação, na simplificação, na desburocratização e, acima de tudo, na segurança jurídica para quem gera emprego e para quem quer investir nesse país”, afirmou Lira. 

O presidente do GT da reforma, Reginaldo Lopes também não descartou possíveis novas mudanças – mas, a princípio, não para telecom. “Até a promulgação, todo o texto é preliminar. Nós estamos abertos para revisitar os cálculos. Mas, nos meus cálculos, o setor de telecomunicações terá uma redução de carga tributária”, disse. 

Lideranças esperam que o Senado aprove o texto da PEC ainda este ano, mas não há cronograma confirmado pela Mesa Diretora.

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Carolina Cruz

Repórter com trajetória em redações da Rede Globo e Grupo Cofina. Atualmente na cobertura de telecom nos Três Poderes, em Brasília, e da inovação, onde ela estiver.

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