Governo reconhece necessidade de ‘gradação’ ao regular big techs
Autoridades do Executivo e Legislativo debateram a responsabilidade civil das plataformas digitais sobre os conteúdos ilícitos compartilhados pelos seus usuários nesta terça-feira, 28, em audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF). As declarações do governo sinalizaram entendimento pela flexibilidade da regra atual.
A audiência no STF teve como principal foco a interpretação e a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, no qual está previsto que o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências.
O secretário de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República, João Brant, detalhou mudanças necessárias desde a edição da lei.
“À época da discussão do Marco Civil da Internet, essa opção [não responsabilização dos provedores] foi feita pela preocupação em proteger a liberdade de expressão. E a racionalidade dela consiste no fato de que: se as plataformas fossem responsáveis pelos conteúdos de terceiros, iriam adotar uma política de restrição de discursos, por cautela e por temor de serem responsabilizadas. Ainda que esse temor deva ser considerado, é preciso reconhecer que a proteção de um direito fundamental na sua dimensão individual não se deu de forma equilibrada com diversos outros direitos que ficaram desguarnecidos”, afirmou.
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Brant defende que as plataformas sejam, sim, corresponsabilizadas pelos ilícitos dos usuários. “Se elas já são responsáveis pela publicidade que aceitam e pelo que vemos nos nossos perfis, não deveriam se eximir totalmente da responsabilidade de cuidar e de evitar a ampliação da circulação de conteúdos considerados ilícitos pela legislação brasileira”, afirmou o secretário.
Brant destacou, por fim, que o governo não vê como caminho “adotar um entendimento que nverte em 180 graus o regime atual”, mas sim uma “gradação”. “É preciso repensar um modelo que preserve a liberdade de direitos, propague ciência e conhecimento, mas que não seja um misto em relação a desinformação e conteúdos legais’, detalhou.
“Entre o modelo atual de responsabilidade praticamente nula e o modelo de total responsabilidade objetiva, há uma gradação de tonalidades que podem garantir arranjos que poderiam produzir um melhor equilíbrio entre direitos a partir do estabelecimento de deveres de cuidado de devida diligência para as plataformas, especialmente, contra conteúdos ilegais ou conteúdo nocivos que afetam direitos coletivos”, concluiu Brant.
MCom
Representando o Ministério das Comunicações (MCom) no debate, o secretário de telecomunicações da pasta, Maximiliano Salvadori Martinhão, afirmou que “a exigência de decisão judicial pode ser uma barreira de entrada para a proteção de direitos se contrapondo à necessidade de reação tempestiva da velocidade e a intensidade da disseminação de informações na internet”.
“Em face da liberdade algorítmica das plataformas e das pessoas e a percepção de desalinhamento entre os termos de uso das plataformas digitais e a cultura e a realidade local, vale-se muito considerar nesse processo de discussão no STF uma interpretação conforme tal qual aquela procedida sobre o caso é MLAT”, afirmou Martinhão.
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MLAT é a sigla em inglês para o Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal, firmado entre o Brasil e os EUA que, na prática, sugere que todos os pedidos de dados às plataformas sejam destinados às sedes das empresas, fora do Brasil. Ao analisar o caso, o Supremo entendeu que o acordo é válido, mas não é a única regra, estando as empresas submetidas à legislação brasileira, ao Marco Civil da Internet, de forma soberana.
Martinhão destacou ainda que “a responsabilização de conteúdo de terceiros já é aplicada no país a longa data para o serviço de radiodifusão regulado no MCom, e comparou as diferenças com as plataformas digitais.
“Lá, [na radiodifusão] as empresas e seus dirigentes se tornam responsáveis por conteúdos e terceiros difundidos por suas redes de comunicação. Eu não quero com isso dizer que as redes sociais se equiparam ao serviço como a radiodifusão. Esse é um debate em curso. Entretanto, é importante dizer que a tradição da radiodifusão mostra que esta responsabilização de maneira alguma prejudicou o desenvolvimento de negócios, a liberdade de expressão ou o direito da comunicação. Pelo contrário, estabeleceu um marco democrático sobre o qual os decanos da comunicação eletrônica no país, o rádio e a televisão, contribuíram para o desenvolvimento de nossa sociedade”, destacou o secretário.
Concluindo, Martinhão afirmou que “as empresas prestadoras de aplicações que disponibilizam o conteúdo da internet precisam tomar medidas de cuidado por aquilo que permitem publicar ou impulsionam”
Legislativo
O governo federal prepara uma sērie de recomendações ao Legislativo, como forma de colaboração ao PL 2630/2020, conhecido como PL das Fake News, que trata de uma série de regras para plataformas digitais.
Assim como o Legislativo, o STF deve analisar a questão da interpretação do artigo 19 do Marco Civil da Internet.
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O relator do projeto na Câmara, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), também participou da audiência no Supremo e afirmou que o debate na Corte será considerado em seu parecer. “As contribuições que virão da audiência pública e, eventualmente, da decisão da Corte, servirão de inspiração para o que será tratado no âmbito do Legislativo”, afirmou.
“Eu considero que o tema da transparência por parte das plataformas digitais é um tema central, que deve impactar na legislação, porque a forma de operação desses serviços importa para a dinâmica da sociedade brasileira”, disse Silva.
Para o parlamentar, o “algoritmo de recomendações precisa ser de conhecimento público” e as plataformas devem ter o dever de cuidado. Além disso, o parlamentar falou que o combate à desinformação passa também pela inclusão digital e afirmou que também deve avançar na discussão sobre um programa de educação midiática.
“O acesso a um ou dois aplicativos não permite o acesso à internet, a fontes confiáveis de informação”, alertou Silva.