Freire: Data Centers e Inteligência Artificial

A integração da IA na operação dos data centers está revolucionando o setor, proporcionando ganhos significativos em termos de eficiência energética, segurança e sustentabilidade, avalia Alexandre Freire, conselheiro diretor da Anatel

Novo conselheiro Anatel Alexandre Reis Siqueira Freire | Foto: Divulgação

Por Alexandre Freire *

Nos últimos anos, os data centers evoluíram de meros espaços de armazenamento de dados para complexos ecossistemas digitais que sustentam a economia global. As aplicações emergentes, que fazem uso intensivo de dados, juntamente com a computação em nuvem, contribuíram significativamente para o aumento da demanda por tecnologias e infraestrutura nesses centros, que são essenciais para a vida digital.

Com o vertiginoso crescimento por tráfego de dados processados em nuvem, os data centers evoluíram para empreendimentos financeiros e materiais de grande escala. Isso exige um controle eficiente dos insumos consumidos para evitar o desperdício de recursos naturais, otimizar os custos operacionais e garantir a proteção de dados.

A busca intensa por eficiência, sustentabilidade e segurança tem consolidado a Inteligência Artificial (IA) como uma aliada estratégica na modernização desses ambientes críticos. O presente artigo explora como a IA está transformando a gestão dos data centers, apresentando exemplos concretos que ilustram seu impacto e benefícios em termos de eficiência operacional, segurança cibernética e sustentabilidade ambiental.

A Inteligência Artificial e a Otimização de Recursos em Data Centers

A adoção crescente de soluções baseadas em IA para otimizar o uso de insumos nos data centers abrange desde a distribuição eficiente de cargas de trabalho até o gerenciamento inteligente da demanda por energia.

Como evidência inicial dessa função exercida pela IA, em 2016, a DeepMind, subsidiária da Alphabet (controladora do Google), anunciou o desenvolvimento de um sistema de IA implementado nos data centers do Google. Esse sistema é capaz de analisar grandes volumes de dados em tempo real para ajustar automaticamente a potência dos sistemas de resfriamento, resultando em uma redução de 40% no consumo de energia².

Tal inovação não apenas reduz os custos operacionais, masgualmente, contribui para a redução de gases de efeito estufa produzidos pela operação dos data centers. Alinha-se, dessa forma, ao Objetivo 9 da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), que visa modernizar infraestruturas para torná-las mais resilientes e sustentáveis.

De modo semelhante, a IBM tem intensificado o uso de IA em seus data centers para prever falhas de hardware antes que ocorram. Utilizando modelos de machine learning, o sistema analisa dados históricos e operacionais para identificar padrões que precedem falhas, permitindo a manutenção preditiva. Isso reduz significativamente o tempo de inatividade e os custos associados, além de melhorar a confiabilidade das operações.

Eficiência Energética: o papel da IA no Gerenciamento de Energia

Para atender à crescente transmissão e processamento de dados com baixa latência e alta confiabilidade, um dos maiores desafios dos sistemas de data centers é reduzir a relação entre tráfego IP e consumo de energia. Essa complexa equação é equilibrada pelo uso intensificado da IA.

Em 2022, a Microsoft anunciou o uso de IA para otimizar o gerenciamento de energia em seus data centers. A tecnologia desenvolvida pela gigante dos sistemas operacionais ajusta automaticamente a temperatura e o fluxo de ar com base nas condições operacionais, minimizando o desperdício de energia. Além disso, aloca cargas de trabalho em horários de menor consumo, evitando sobrecargas e reduzindo o consumo geral de energia.

Outro caso emblemático é o da Equinix, líder global em data centers, que implementou IA para monitorar e otimizar o uso de energia em suas instalações. Por meio da análise contínua da demanda desse recurso em tempo real, a empresa conseguiu realizar ajustes dinâmicos nos requisitos energéticos.

A IA ainda é utilizada para prever picos de consumo energético, enquanto mantém a estabilidade operacional dos data centers. Um exemplo desse uso vem do Facebook, que utiliza IA para prever picos de demanda energética com base em dados históricos de uso, temperatura externa e padrões de trabalho. Com essas previsões, o sistema da rede social redistribui cargas de trabalho ou adia tarefas menos críticas para horários de menor demanda, garantindo uma operação mais estável e eficiente.

Práticas como essa demonstram que os setores de tecnologia e comunicação dialogam de maneira permanente e harmônica com o Objetivo 7 da Agenda 2030 ONU, que visa dobrar a taxa global de melhoria da eficiência energética até 2030.

Incentivos Governamentais e Regulação para a Eficiência em Data Centers

Para que a IA alcance todo o seu potencial na melhoria da eficiência dos data centers, é essencial a existência de um quadro regulatório e políticas governamentais que incentivem sua adoção.

A União Europeia, por exemplo, lançou o Código de Conduta para data centers, que estabelece diretrizes para a eficiência energética e promove a adoção de tecnologias sustentáveis. Empresas que seguem essas diretrizes podem se beneficiar de incentivos fiscais e programas de financiamento.

Na China, o governo tem implementado políticas rigorosas para reduzir o consumo de energia em data centers. Essas políticas incluem subsídios para empresas que adotam IA visando melhorar a eficiência energética e penalidades para aquelas que não cumprem os padrões de eficiência. Um exemplo é o Green Data Center Pilot Program, que oferece subsídios para a construção de data centers verdes, promovendo o uso de IA na otimização de recursos.

Nos Estados Unidos, a Energy Star, uma iniciativa da Agência de Proteção Ambiental (EPA), promove a eficiência energética em data centers, oferecendo certificações para aqueles que atendem a critérios rigorosos de eficiência. A adoção de IA para otimização do uso de energia é uma das práticas incentivadas por essa certificação.

No Brasil, um diagnóstico sobre a indústria de data centers, conduzido pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, servirá como base para a “Estratégia para Implementação de Política Pública para Atração de Data Centers”. Esse estudo aponta a carga tributária, o custo da energia, a falta de mão de obra qualificada e a incerteza jurídica e regulatória como os fatores mais críticos para o desenvolvimento de um ambiente de negócios favorável ao setor de data centers no país.

No âmbito da Anatel, e na condução do Comitê de Infraestrutura de Telecomunicações, tenho pautado meu mandato na ampliação do diagnóstico sobre o papel dos data centers no ecossistema digital, bem como na concepção e aperfeiçoamento dos instrumentos regulatórios setoriais que podem dinamizar essa indústria. Uma das minhas primeiras iniciativas no órgão regulador foi encomendar dois estudos específicos sobre o mercado de data centers.

O primeiro visa compreender as interações de IA, machine learning e segurança cibernética nos data centers e sua contribuição para o desenvolvimento de estratégias que promovam eficiência energética e sustentabilidade. O segundo busca avaliar a estrutura da indústria de data centers no Brasil e seu impacto sobre o ecossistema digital a partir da ótica antitruste e concorrencial.

Conclusão

A integração da IA na operação dos data centers está revolucionando o setor, proporcionando ganhos significativos em termos de eficiência energética, segurança e sustentabilidade. Casos concretos de empresas como Google, Microsoft, Facebook, IBM e Equinix demonstram como a IA pode transformar a maneira como gerenciamos esses ambientes críticos, contribuindo para a construção de uma infraestrutura digital mais resiliente e alinhada com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU.

Ao promover a adoção de tecnologias baseadas em IA, juntamente com políticas governamentais que incentivam práticas sustentáveis, estamos construindo um caminho para um futuro em que os data centers sejam mais eficientes e ambientalmente responsáveis. Essa sinergia entre inovação tecnológica e regulação adequada é essencial para enfrentar os desafios globais de sustentabilidade e criar um mundo onde tecnologia e responsabilidade ambiental caminhem de mãos dadas.

Alexandre Freire é Conselheiro Diretor da Anatel; presidente do Centro de Altos Estudos em Comunicações Digitais e Inovações Tecnológicas da Anatel – CEADI; Presidente do Comitê de Infraestrutura de Telecomunicações da ANATEL; Pesquisador visitante da Goethe Universität Frankfurt am Main’s Faculty of Law; Doutor em Direito pela PUC-SP e Mestre em Direito pela UFPR.

² https://deepmind.google/discover/blog/deepmind-ai-reduces-google-data-centre-cooling-bill-by-40/

 

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