Heckert: “Vêm aí metas claras para a governança digital”
A secretaria de Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento se desvencilhou da Logística no ano passado para fortalecer o foco na TI. E o seu secretário, Cristiano Heckert, já tem muito o que fazer na implementação da política de governança digital, que passou a ser estabelecida pela Presidência da República. Essa política está baseada em três pilares – serviços públicos digitais, acesso à informação e participação social – com o objetivo final de o brasileiro entrar nos portais do governo e resolver todas as suas demandas sem precisar se deslocar para qualquer posto estatal.
Para isso acontecer o Heckert sabe que há muito a ser feito. Em março será publicada portaria do ministério que irá definir as primeiras metas dessa política. Metas essas que deverão ser cumpridas por cada ministério e órgão da Administração Pública, que foi contemplado, inclusive, com novos funcionários especialistas em TI, contratados em bloco pelo Planejamento no final do ano passado justamente para capacitar o governo nessa nova empreitada.
A seguir os principais tópicos da entrevista com o secretário:
Tele.Síntese – A SLTI se reestruturou no final ano passado, por quê?
Cristiano Heckert – Ao invés de uma secretaria de logística e de TI, agora existe uma secretaria focada no tema. É um sinal inequívoco, tanto do ministro Nelson Barbosa, que iniciou a reforma, do ministro Valdir Simão, que a ratificou, e da própria presidenta, de valorização da TI. A logística foi para a secretaria de Gestão. E ainda no final do ano passado nomeamos os novos analistas em tecnologia da informação.
Tele.Síntese – Quantas pessoas foram contratadas?
Heckert– Entraram 192, em um concurso para 300 vagas. Em um contexto de muita restrição fiscal, a contratação desse grande número de funcionários foi mais um sinal de reconhecimento por parte da alta administração do governo da relevância da TI hoje para qualquer política pública.
Tele.Síntese – Essa mão de obra será direcionada para que segmentos?
Heckert – Tínhamos carência em informatizar os processos de trabalho de governo. A gente tem como meta um governo 100% digital. Isso passa por trabalhar os serviços que são prestados pelo Estado para a sociedade, para pessoas jurídicas e pelos processos internos. Estamos nesse movimento de migrar todos os processos de trabalho, sejam serviços externos, sejam processos internos, para o mundo digital. Esses analistas vão atuar no levantamento dos requisitos, prospecção das melhores soluções no mercado, modelagem de contratações, que na maioria dos casos a gente vai recorrer aos fornecedores, e depois fazer a gestão desses contratos.
Tele.Síntese – Serão todos concentrados no Ministério do Planejamento?
Heckert– Não, é tudo descentralizado. O Planejamento fez o concurso e espalhou o pessoal por outros órgãos públicos na área de TI. Nós firmamos contrato com cada órgão que recebeu os novos funcionários com metas de melhoria de qualidade. E o plano de trabalho reflete, prioritariamente, como a TI pode alavancar o negócio daquele órgão. Assinamos contratos com 28 ministérios. Vamos monitorar e aqueles que se destacarem no cumprimento dessas metas, em uma futura redistribuição de profissionais, serão contemplados em detrimento daqueles que não cumprirem as metas pactuadas. Esse é um instrumento interessante para a administração. Foi encaminhado também ao Congresso projeto de lei que cria a carreira de tecnologia de informação.
Tele.Síntese – Em janeiro deste ano foi publicado o decreto que institui a política de governança digital. O que muda com essa nova política?
Heckert – Esse decreto vem substituir uma estratégia geral de TI, que até então era elaborada por nossa secretaria. Com o decreto, subimos a política de TI dois níveis, chegando à Presidência da República. Em síntese a política estabelece que a TI não está a serviço da TI, mas a serviço da política finalística do órgão. Nossa meta é que o cidadão, por meio do seu celular, entre nos portais do governo e resolva todas as suas necessidades sem ter que se deslocar presencialmente a uma agência.
Tele.Síntese – Essa política traz metas concretas?
Heckert – Sim. O decreto institui as diretrizes da política e as metas vão sair em breve em uma portaria do nosso ministro e vão indicar três pilares da governança digital.
Tele.Síntese – Que são….
Heckert – O primeiro pilar são os serviços públicos digitais. Vamos identificar quais são os serviços e migrar esses serviços rapidamente para o mundo digital. Essa é a nossa principal agenda para 2016.
O segundo pilar é o acesso a informação. Vamos ampliar a disponibilização da informação em diversos formatos: desde o formato estruturado até o formato aberto. Percebemos que muitas vezes a cúpula do ministério não está acompanhando o que acontece em sua pasta, e a base de dados que temos é o principal ativo do governo. Precisamos dar um tratamento gerencial a esses dados.
Tele.Síntese – Você não acha que a nossa sociedade usa muito pouco os dados abertos que foram colocados disponíveis pelo governo?
Heckert– Sim. É uma questão de maturidade de lado a lado. Primeiro do gestor público, de reconhecer a importância de publicar esses dados, e também da sociedade em saber consumir. A sociedade brasileira ainda enxerga o dado aberto como um instrumento de transparência e controle e esse é um viés muito forte, mas tem também um viés do desenvolvimento econômico. A gente acha que dá para construir startups com soluções a partir de dados governamentais, algo que já é realidade no exterior, e que no Brasil ainda não decolou. Falta maturidade de ambos os lados. Por um lado, o setor privado ainda não enxergou o potencial, mas também precisa do compromisso do governo não só de publicar inicialmente, mas de manter atualizada a sua base.
Tele.Síntese – E o terceiro pilar?
Heckert– O da participação social. Queremos intensificar o uso dos canais digitais como instrumento de participação. A gente tem como utopia de médio prazo ter mecanismos de democracia direta, participativa, usando os canais digitais.
Tele.Síntese – Você consegue dar exemplo de programas e metas a serem atendidas?
Heckert – Por exemplo, o portal único de comércio exterior, projeto liderado pelo Mdic mas que envolve 22 órgãos que estão fazendo anexação digital de documentos e que tem um rol de metas para entrega este ano e no próximo. Poderemos ter acesso ao trâmite de importação e exportação, a documentação que precisa ser apresentada e analisada por diversos órgãos, etc. Exemplo de uma pauta interna do governo é o processo eletrônico nacional. É uma revolução que estamos fazendo, de acabar com a tramitação de papel intra órgãos e entre os órgãos de governo. Estamos capitaneando esse projeto e já temos 21 órgãos do governo federal usando o sistema e temos mais 52 órgãos em processo de implantação. Isso abre a possibilidade mais para a frente de a gente repensar a própria dinâmica de atuação da força de trabalho. A longo prazo podemos pensar em home office, na melhor distribuição da carga de trabalho entre profissionais distribuídos pelo Brasil.
Tele.Síntese – Você acha que com esse processo é possível acelerar a implantação do IPv6 no governo, que é lenta?
Heckert– A implantação do IPv6 tem um cronograma que está sendo cumprido também. Nosso cronograma vai até 2018.
Tele.Síntese – Qual é o problema, é o parque instalado que é muito antigo?
Heckert– Nem é esse o principal problema, porque já há alguns anos o hardware que a gente compra vem com IPv6. O problema é o software, migrar os sistemas, fazer as adaptações, e quando se trata de grandes sistemas como o Siaf, o Comprasnet, é uma coisa mais demorada.
Tele.Síntese – Tenho a sensação de que o governo no ano passado deu uma recuada na questão do software livre. Eu sei que o Planejamento refez seus contratos, voltou a comprar produtos da Microsoft básicos. O que aconteceu?
Heckert – Eu não diria que houve uma recuada, pelo contrário, nós temos um projeto em parceria com a UnB de construção do novo portal do software público, que foi lançado no segundo semestre do ano passado. O novo portal é bem mais dinâmico, ele trabalha com diversas formas de licenciamento que era uma das restrições que tínhamos no modelo anterior. A gente tem apostado muito no software de governo, software desenvolvido por um órgão da administração mas que até então ficava para uso exclusivo dele. O trabalho de sensibilizar os órgãos para que compartilhem as suas soluções e que os outros possam usufruir delas, é um novo desenho para o portal. Estamos com uma consulta pública aberta , vai até 8 de março o prazo para contribuição da nova instrução normativa do software público.
Tele.Síntese – Mas não houve uma mudança no uso de software livre?
Heckert – Não, continuamos com a mesma orientação. Claro que as decisões são tomadas por cada área de TI. Hoje somos 224 unidades de TI sob nossa jurisdição , mas cada uma dessas unidades de TI está debaixo de uma hierarquia formal do seu ministério.
Tele.Síntese – Houve duas auditorias do TCU, uma delas sobre a política de nuvem, de que o governo não sabia como usar.
Heckert –A gente precisa avançar nessa análise, porque às vezes percebo que o debate é um pouco superficial. Não é a questão de colocar software livre versus proprietário ou nuvem versus internalização. Como falei, são 224 órgãos e neles há milhares de serviços, de sistemas e soluções operando. Precisamos analisar caso a caso. Existem aplicações que por suas características são mais propícias a irem para nuvem, outras requerem uma solução mais de acesso controlado, mas internalizado. O acórdão do TCU faz um levantamento bem interessante. A nossa diretriz, em linha até com a tendência mundial, é de que, sempre que possível, vá para a nuvem.
Tele.Síntese – Parece que há uma questão legal que impede a contratação do serviço da nuvem?
Heckert– Não, consegue contratar sim. Com a legislação atual há espaço para a ir para nuvem. Tem que identificar naquele serviço específico qual é o grau de sigilo da informação que ele requer, qual o grau de relevância estratégica para o Estado; se ele teria algum problema de estar no exterior ou não. Há contextos diferentes de nuvens. Eu posso ir para uma nuvem contratando o Serpro ou a Dataprev. Eu posso ir para uma nuvem fornecida pelo setor privado mas que tem um datacenter no Brasil e uma que tem um datacenter no exterior. São três modelos distintos, mas sempre nuvem.
Tele.Síntese – Em relação a política do poder de compra? Vocês fizeram aquela regulamentação por decreto, falta ainda alguma coisa?
Heckert – Nós temos atuado nos casos concretos na contratação de compras conjuntas.Fizemos contratação de ativos de redes, de desktops e notebooks, que infelizmente foi judicializada e agora em janeiro nós conseguimos derrubar a liminar, então estamos retomando o processo. Claro que agora estamos consultando os órgãos novamente porque passou-se algum tempo, mas é expressiva a contratação com a participação de 123 órgãos no valor estimado de R$ 220 milhões.
Tele.Síntese – Isso também é poder de compra?
Heckert – É, e por isso foi judicializada. Derrubamos a liminar em janeiro com a ajuda da AGU. Quando a gente lançou o edital, a Intel conseguiu a liminar.
Tele.Síntese – A portaria com as metas de governança digita,l você acha que sai em março?
Heckert– Sai em março sim, nós estamos fechando dois indicadores porque envolve outros órgãos.
Tele.Síntese – Em algum momento vai haver um orçamento específico para a área de TI de cada ministério?
Heckert – Essa discussão, já tivemos no passado, e até uma tentativa, por sugestão do TCU, a secretaria de Orçamento Federal criou uma dotação orçamentária específica, mas não teve o efeito esperado, e voltou atrás.Hoje, cada vez mais secretarias finalísticas na condução de suas políticas estão investindo em TI. Outro caso que nós estamos participando intensamente, por determinação do nosso ministro, é na fase 3 do Minha Casa, Minha Vida, que vai ser lançado em março com uma nova roupagem baseada em tecnologia. Banco do Brasil, Caixa, a própria fábrica de software nossa, do Ministério das Cidades estão desenvolvendo soluções para o cidadão que quer se candidatar a uma linha de financiamento e ele possa resolver uma boa parte do processo pela internet
Tele.Síntese – O governo consegue saber quanto foi gasto em TI?
Heckert – Sim. Nós não fechamos ainda os números de TI de 2015, mas de 2014 foram R$ 6 bilhões de um universo de R$ 62 bilhões ou seja, quase 10% do gasto discricionário do governo foi com TICs.