Distribuição da renda mínima emergencial vai exigir ação das teles, prevê especialista

Para diretor do ITS, operadoras podem facilitar a identificação dos beneficiados pelo programa, trabalhando em parceria com fintechs e empresas de ID digital

A aprovação pelo Senado ontem, 30, do projeto de lei que estabelece uma renda mínima de R$ 600 a trabalhadores de baixa renda e autônomos já traz preocupações ao governo federal, como reconheceu o ministro da economia, Paulo Guedes. Mas não apenas por uma questão orçamentária.

Durante coletiva de imprensa realizada nesta tarde, ele afirmou que o governo precisa descobrir como identificar e pagar pessoas que não estão inseridas no CadÚnico, nem na previdência, mas terão direito ao auxílio – como desempregados, desalentados e informais.

O dilema pode ser resolvido com a publicação de uma regulamentação que responda como identificar, encontrar e pagar aqueles que se enquadram nessas exigências. Isso se o material aprovado não for sancionado com vetos que restrinjam a distribuição aos beneficiados do Bolsa Família. Na coletiva, Guedes procurou jogar a responsabilidade sobre o Congresso, o qual ainda precisaria aprovar as fontes dos recursos para o Executivo poder agir.

Operadoras terão de entrar na tarefa

Seja qual for a saída técnica para o governo implementar os pagamentos em função da crise causada pela Covid-19, as operadoras terão de entrar no circuito. O governo prevê iniciar os pagamentos em 16 de abril, distribuindo os valores a quem já é cadastrado no Bolsa Família. Depois, partirá para quem tem cadastro na previdência. Por último na fila, os informais e desempregados sem registro nos sistemas de bem-estar social.

Embora o texto atualmente cite que apenas instituições bancárias terão permissão para distribuir o dinheiro, nenhum banco, e nem o conjunto de bancos e instituições financeiras, têm o acesso e a capilaridade a um público tão vasto como as operadoras de telecomunicações.

Há no país 45 milhões de desbancarizados, segundo pesquisa recente da consultoria Locomotiva. Significa que 25% da população não tem conta em banco. Neste número, está uma parte das pessoas que estão nos cadastros públicos de auxílio e transferência de renda. E uma parte que não é sequer percebida pelos governos.

Já as operadoras estão presentes, via celular, em 93% das casas dos brasileiros, conforme a última pesquisa TIC Domicílios, de 2018.

Cruzamento de dados e RG Digital

Fabro Steibel, diretor executivo do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS), diz que o papel das teles será fundamental para conferir abrangência ao renda mínima emergencial. “Elas podem resolver boa parte do quebra cabeça”, resume.

A seu ver, as empresas têm a infraestrutura capaz de localizar e permitir a identificação de quem terá o direito de receber o dinheiro, especialmente se atuarem em conjunto com outros players. Não será viável distribuir cartões para os beneficiários em tempo recorde, ou o custo será alto e a ajuda chegará tarde.

“Se a intenção é distribuir rapidamente o dinheiro, é preciso usar uma identidade digital, algo que identifique com certeza quem é o usuário. Então as operadoras precisarão atuar em consórcio com empresas que tenham essa tecnologia. Depois, poderão ainda cruzar os dados da identidade digital com os dados de localização do indivíduo para confirmar, por exemplo, se ele é morador da favela, e não da Av. Vieira Souto, e por isso, mais propenso a ser enquadrado no programa”, explica o especialista.

A questão é complexa, mas as operadoras já têm pilotos de pagamento digital, conta digital, identificação digital e big data que podem contribuir com a questão, além de sistemas para o recebimento de valores do pré-pago por quem não é bancarizado nem tem condições de fazer recargas em postos físicos (como bancas, mercados ou lotéricas). A Claro fez no passado parceria com a PayPal, a TIM anunciou recentemente acordo com a fintech C6 Bank, a Vivo e a Oi também testam produtos financeiros e podem ter de adiantar o cronograma de lançamentos.

Independente do modelo dessas iniciativas e o quão capazes de atender a necessidade momentânea do governo, Steibel lembra que as operadoras têm ainda outro papel: oferecer condições para que as pessoas que não têm conta em banco consigam ter uma identidade digital e abrir uma conta digital.

“É o caso de oferecerem zero rating, liberar provisoriamente a internet para os mais vulneráveis receberem o dinheiro por meio de carteira digital”, ressalta. Seja qual for a saída, será mais uma mostra da relevância das operadoras para o funcionamento do país – especialmente em um momento de crise como o atual.

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Rafael Bucco

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