Abes: Acordo de reoneração deixou dúvidas e reforma tributária não é a melhor saída, por enquanto
Especialistas e representantes de setores desonerados na área de Tecnologias de Informação (TI) debateram nesta quinta-feira, 13, os impactos da judicialização da reoneração da folha de pagamento por parte do governo e consequente construção de acordo no âmbito do Congresso Nacional, em webinar promovido pela Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES). A impressão geral compartilhada é a de que o tema ainda deve demandar esforços para garantir segurança jurídica para as empresas.
Um dos pontos abordados na discussão é a relevância da união entre as empresas, que se organizaram para dialogar com os Poderes em prol de uma solução conjunta – colaboração esta que, inclusive, é bem avaliada pelos setores – mas também espera-se que o alinhamento entre as organizações seja mantido nos diversos temas que rondam a pauta política-econômica, entre eles, a reforma tributária.
O governo federal tem defendido que a desoneração da folha seja debatida no âmbito da reforma tributária sobre a renda, com previsão de proposta a ser encaminhada ao Congresso ainda este ano, segundo a equipe econômica. No entanto, o Executivo também entende que haja uma reoneração enquanto isso. Já as empresas, no âmbito do movimento Desonera Brasil, chegaram a publicar nota conjunta também defendendo que uma solução definitiva deveria ocorrer via reforma tributária, contudo, valendo o desconto da folha de pagamento até lá, conforme o regime vigente.
No debate desta manhã, o conselheiro da ABES e presidente da Brasoftware, Jorge Sukarie, buscou elucidar que não se trata de buscar uma alternativa via reforma tributária na fase atual do debate – que ainda não trata da renda, mas apenas do consumo. “O assunto da reforma tributária é onde a gente gostaria de ver, eventualmente, uma discussão mais ampla e uma solução de longo prazo”, explica.
Fernanda Arbex Cecílio, sócia da f.p Arbex Consultoria em Relações Governamentais e Institucionais, complementou. “O timing [ritmo] da reforma tributária não é o timing do dia a dia das empresas, que precisam de uma segurança jurídica”, afirmou.
Acordo e dúvidas
Saul Tourinho Leal, sócio da TLDA Advocacia, escritório responsável por formular o posicionamento da Abes na Justiça, questiona o rito utilizado pelo governo na condução de um desfecho para a desoneração da folha, incluindo a ação no Supremo Tribunal Federal (STF).
Leal detalha que, com a derrubada do veto presidencial à prorrogação da desoneração no ano passado e sua efetiva promulgação, no plano normativo, tinha-se a desoneração da folha valendo até 2027. A partir do momento em que a liminar que invalidaria temporariamente a desoneração foi suspensa pelo ministro Cristiano Zanin, “hoje, está prevalecendo rigorosamente a decisão tomada pelo Congresso Nacional de derrubar o verbo e seguir com a prorrogação até 2027”.
No entanto, a decisão do magistrado incorporou um prazo para oficialização de um acordo de reoneração. “O Supremo condicionou essa suspensão [ou seja, a continuidade da vigência da desoneração] à aprovação dos projetos de lei, dando um prazo de 60 dias para isso acontecer”.
O advogado explica que, no período de 60 dias, segue de pé a desoneração da folha. Sendo assim, aprovados os PLs, a desoneração segue até o final de 2024, com reoneração gradual a partir de 2025, conforme acordo.
Caso não haja a aprovação nos próximos dois meses, as empresas esperam recorrer pela prorrogação do prazo para acordo. Agora, caso os PLs sejam rejeitados, a defesa das empresas também já está preparada para tomar medidas cabíveis, questionando a validade da liminar.
“Ele [ministro] condicionou a suspensão da liminar à intermediação Legislativa ou solução negociada na Casa política, se isso não acontecer, me parece que a liminar está descomprida”, alega o advogado.
Desoneração em números
Ainda durante o debate, Sukarie ressaltou os mais recentes números levantados pelo movimento Desonera Brasil, que buscam apresentar os impactos da desoneração da folha na geração de empregos. De acordo com o balanço, os 17 setores da economia eram responsáveis por 9,1 milhões empregos formais no final de 2023, e em janeiro de 2024 gerou outros 80.9 mil novos postos de trabalho – o que representa um crescimento de 0,9%, enquanto que, no mesmo período, esse percentual não chegou a 0,3% entre os setores que não são desonerados.
Ainda de acordo com o balanço, o salário médio dos 17 Setores desonerados foi 15,4% maior que os demais. E caso o benefício fiscal fosse revisto, 815, 3 mil empregos deixariam de ser gerados, conforme avaliação do movimento.
Especificamente sobre o setor de TI, Sukarie ressalta que a desoneração é um mecanismo que reduz os índices de ‘pejotização’. “O que a gente viu no setor de TI ao longo dos últimos 13 anos foi um movimento grande de ‘celitização’, de formalização dos postos de trabalho. Então, a medida de desoneração da folha de pagamento foi estruturante para o setor de TI, como para outros também, mas eu diria que pela característica do setor de TI, talvez, o impacto na formalização foi maior”, afirma.
Já Manoel Antônio dos Santos, diretor jurídico da ABES e Sócio do M.A Santos, Côrte Real Advogados, entende que ainda há espaço para melhorias. “Temos que aproveitar a oportunidade para fazer mea culpa. […] No faturamento, nós estamos muito bem, agora em relação a salários, nós estamos uma vergonha”, reconhece, dando ênfase ao sentido da prestação das contas pelos empregadores.
Santos cita publicações usadas por alguns setores para defender o benefício, as quais indicam a política de desoneração como parte do aumento expressivo dos empregos no período de Janeiro de 2019 a março de 2024, contudo, chama atenção para o fato da desoneração ter sido iniciada em 2012 e que é preciso números mais coerentes com a vigência da regra.
Em outro ponto, Santos menciona outro dado, o de que o salário médio de determinado setor, avaliado em R$ 4,3 mil, seria “90% maior do que os demais setores”, no entanto, pesquisa do IBGE indica valores divergentes. “A mesma união que a gente tem para brigar pela política talvez a gente [deva aplicar] para fazer um estudo sério sobre a questão salarial e o número de empregos”, afirmou o diretor jurídico da Abes.
Desoneração e reoneração
A desoneração da folha de pagamento, em vigor desde 2011, permite que as empresas recolham de 1% a 4,5% sobre a receita bruta em vez de 20% sobre o salário dos empregados. O benefício vem sendo prorrogado consecutivamente e seria extinto a partir de 2024, mas foi renovado até 2027 pelo Congresso Nacional a contragosto do governo. O Executivo propõe reonerar gradualmente a partir de 2025 e a Justiça espera que o acordo seja formulado no âmbito Legislativo.
Os setores ressaltam que a desoneração não significa a falta de contribuição. Sukarie defende que esta visão seja desmistificada. “Eu não gosto do termo ‘desoneração’, porque nos remete a algum tipo de renúncia e parece que os 17 setores que estão lá contemplados não estão pagando imposto, mas na verdade o que houve foi uma mudança de base de cálculo da contribuição previdenciária. Tradicionalmente, se recolhe a contribuição previdenciária com base na folha de pagamento, mas para esses setores que são intensivos em mão de obra, que tem folhas de pagamento com participação expressiva no resultado das suas empresas, houve a possibilidade de pagar ou apurar a contribuição previdenciária sobre a receita bruta”, reforça o empresário.
O debate sobre a reoneração no Congresso Nacional envolverá também o reforço de medidas que obriguem as empresas a comprovar a manutenção dos empregos formais, incluindo a transparência quanto aos salários pagos.