Competição acirrada no segmento de cabos submarinos

A entrada das OTTs, que passaram de grandes consumidoras a competidoras, está mexendo com os preços e levando os provedores de cabos submarinos a diversificarem os serviços
Competição acirrada entre os cabos submarinos. Crédito-Freepik
O ingresso das OTTS na construção dessa infraestrutura tem provocado queda nos preços. (Crédito: Freepik)

Os investimentos das OTTs – principalmente Google, Facebook, Amazon e Microsoft – na construção de cabos submarinos foi um “duro golpe” na receita dos provedores de infraestrutura. Para se ter uma ideia do peso dos provedores de conteúdo, em 2021 consumiram 69% da capacidade total dos cabos submarinos internacionais, percentual que deve saltar para 78% até 2027, conforme projeção da TeleGeography. Atualmente, 16 cabos submarinos cortam o litoral brasileiro em direção à África, Europa e América do Norte, sendo que apenas cinco não têm investimentos diretos de OTTs. A forte competição está impactando nos preços e levando os tradicionais players a diversificar os serviços.

“Alguns players estão sofrendo, porque os principais clientes, as OTTs, estão virando fornecedores, então, por um lado, estão perdendo os maiores clientes e, por outro lado, esse cliente está virando concorrente. É um ataque duplo às receitas”, afirmou Rafael Lozano, diretor da EllaLink no Brasil. A empresa ainda não foi afetada, segundo ele, que destaca o fato de a EllaLink ser a única rota entre a América do Sul e a Europa. A empresa é a mais nova a operar no Brasil. O projeto, iniciado em 2015 e concluído em 2021, foi adjudicado à Alcatel Submarine Networks e patrocinado pela provedora de ações Marguerite.

A instalação liga a América do Sul à Europa, saindo de Fortaleza, com um ponto em Cabo Verde, na ilha de Praia, e dois pontos em Portugal, sendo um na ilha de Funchal e outro em Sines. São 6,2 mil km de extensão e capacidade de 72 Tbps. Ao lançar o cabo, a EllaLink divulgou a intenção de atuar nos ramos de games, streaming e mercado financeiro. De acordo com Lozano, os resultados até o momento são positivos. A atuação da nova entrante está além do setor privado. Um dos principais clientes é público, o Programa Bella, que atende às necessidades de interconectividade entre comunidades científicas, que no Brasil tem o apoio da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP).

Preços em queda

O mercado global de cabos submarinos deverá atingir US$ 44,33 bilhões até 2030, de acordo com as projeções da consultoria Research and Markets divulgadas neste ano. Embora o segmento contiunue em alta, a tendência é de redução nos preços, devido a competição acirrada. O levantamento da TeleGeography indica a tendência de preço médio ponderado de comprimento de onda de 100 Gbps nas principais rotas internacionais – entre 2017 e 2020 – diminuíram 16% de forma global, mas com variações a depender da localidade. Entre os pontos principais – Los Ange- les-Tóquio e Londres-Nova York – caíram menos, entre 10% e 13%.

O relatório cita que desde 2017, os valores nestas regiões “já são extremamente competitivos e não têm muito espaço para cair”. No entanto, na América Latina, a redução está acima da média mundial. “Em comparação, a rota EUA-América Latina ainda está sentindo os efeitos de novos cabos e atualizações de sistemas existentes após anos de escassa competição. O preço médio ponderado de 100 Gbps em Miami-São Paulo caiu 22%”, cita o estudo.

A variação de preços e prioridades no setor se refletem nas transações recentes entre o Grupo Telefônica e a Telxius, criada em 2016 para reunir toda a infraestrutura física da operadora, entre torres móveis e cabos submarinos. A estratégia previa levantar dinheiro por meio de abertura de capital.

Em 2017, o grupo Telefônica vendeu 40% da Telxius ao fundo KKR, por € 1,27 bilhão. Já neste ano, a operadora resolveu recomprar a mesma fatia, o que se deu por apenas € 215,7 milhões. Entre a venda e a recompra, a empresa de infraestrutura ficou mais enxuta. No final de 2021, a Telxius vendeu seus 30 mil sites móveis espalhados por Brasil e Europa para a American Tower por € 7,7 bilhões. A empresa priorizou manter uma rede de 13 cabos submarinos que somam 31 mil km de extensão, explorada no atacado, e que tem a própria Telefónica como principal cliente, além de contratos para uso de outros 60 mil km em cabos subaquáticos de outras companhias Competição e diversificação

Neste ano, a V.tal, empresa que adquiriu a infraestrutura de fibra óptica da Oi, incorporou a Globenet, que opera uma rede submarina com mais de 23,5 mil km entre a América do Sul e América do Norte – passando por São Paulo (SP), Praia Grande (SP), Rio de Janeiro (RJ) e Fortaleza (CE). Fabio Laguado, Sales Director da V.tal, conta que as OTTs ainda fazem parte dos negócios, mas não apenas como clientes, como já foi um dia, mas agora como colaboradores. “Nós temos adotado diferentes modelos, por exemplo, nosso novo cabo, Malbec, que vai do Rio de Janeiro até a Argentina, fizemos com uma OTT em conjunto [Meta], então, fomos parceiros. Não é o mercado tradicional que nós fazíamos há cinco anos atrás”, disse Laguado.

Um dos obstáculos no mercado destacado pelo diretor de vendas da V.tal é o preço. “O mercado está crescendo em demanda, precisa de mais banda, mas não está crescendo muito por conta da erosão de preço. Isso faz com que não seja fácil fazer investimentos e chegar a toda parte onde precisamos estar”, avaliou. O caminho, na visão de Laguado, é a consolidação. “Temos muitos players em muitas regiões, mas todos precisamos ser rentáveis. Para fazer isso, precisamos ter um volume que permita ser rentável. Então, em algum momento teremos uma consolidação que vai beneficiar o mercado”, pontua.

Rogério Mariano, Global Head, Edge Network Planning da Azion, engenheiro especialista no mercado de cabos submarinos, destaca que em meio ao cenário competitivo, há novas estratégias em jogo. “O ponto principal é que o fluxo de tráfego na internet por cabo submarino que chega no Brasil vai depender principalmente da construção de backbones, backhaul e pontos de interconexão no interior e também o surgimento de novas rotas regionais que atendam um perfil de tráfego mais nacionalizado”, acredita.

Cabos Submarinos em Fortaleza

Para Mariano, os operadores de cabos submarinos que não possuem investimento de OTTs “vão ter que diversificar o produto, saindo do seu mercado central para a venda de capacidade”. A diversificação e construção de pontos de acesso estão entre os planos da Angola Cables, detentora do cabo South Atlantic Cable System (SACS), que vai de Fortaleza (CE) até Angola, e integrante do consórcio responsável pelo Monet, que também inclui Google, Algar Telecom, Antel Uruguay.

Artur Mendes, VP da Angola Cables, conta que a empresa tem ofertado soluções de cibersegurança [para empresas e órgãos públicos] como o anti DDoS [ataque distribuído de negação de serviço] que vão até a camada 7 [ou camada de aplicação], além do recente produto de nuvem, o Clound2Brasil, replicando o Clound2Africa, que permite que as empresas possam pagar em moeda local por solução customizada.

“Nós começamos em uma ponta que era construir infraestruturas com grande capacidade disponível. Temos os pontos que aterram hoje no Brasil, em Fortaleza e também em Santos, Praia Grande e São Paulo. Mas o caminho que nós estamos fazendo é para além da venda da própria capacidade, é de subir um pouco na escala de valor e vender soluções de valor [adicionado], mais completas, de forma que possamos utilizar essa capacidade e a baixa latência que temos”, disse.

O mercado se expande no litoral do Nordeste. A Seaborn Network, responsável pelo cabo Sea-Bras-1 – que liga Nova York e São Paulo desde 2017 – tem o projeto de incluir pontos de aterrissagem no Recife (PE), Fortaleza (CE) e Rio de Janeiro. A Seaborn também tem investido no aprimoramento da rede já instalada. Em fevereiro deste ano, a empresa anunciou o fornecimento de conectividade via Rede RCB, que permite a oferta de serviços avançados de conectividade para o mercado financeiro no Brasil. A novidade faz parte da estratégia para aproveitamento da capacidade da rota entre São Paulo e Nova York.

Em caminho semelhante, a Zayo Group Holdings Inc, anunciou, no final de setembro, os planos de expandir rotas de baixa latência para São Paulo, também visando o mercado financeiro. A data de ativação não foi divulgada. Atualmente, a empresa compõe rede submarina que conecta a América do Norte e a Europa Artur Mendes, VP da Angola Cables, reconhece a importância de São Paulo no mercado de cabos submarinos no Brasil, mas destaca os planos que a empresa tem no Nordeste, especialmente em Fortaleza, onde tem um ponto de aterramento. “Nós vimos o quanto o tráfego subiu nestes últimos anos e como Fortaleza (CE) se tornou relevante. Hoje é talvez a zona do Brasil com maior taxa de crescimento e eu não tenho dúvidas de que será o ponto mais importante depois de São Paulo num futuro breve, passando o Rio de Janeiro, que hoje tem a segunda posição”, avalia Mendes.

O objetivo da Angola Cables é triplicar a capacidade do data center que possui em Fortaleza, inaugurado em 2019. “Estamos finalizando o projeto e negociando com os parceiros. É um investimento da ordem de R$ 40 milhões”, afirmou. A expansão das big techs Google e Meta são as big techs mais atuantes na instalação de cabos submarinos. A mais recente empreitada foi anunciada pelo Google, em abril deste ano. A empresa pretende instalar até o final de 2023 o cabo Topaz, na rota Canadá Japão. Serão 16 pares de fibras, para uma capacidade total de 240 Tbps.

Com o Topaz, o Google soma 20 cabos submarinos, conectando 29 regiões de nuvem e 88 zonas. Entre eles, está também a construção do maior cabo submarino do mundo (13,5 mil km), o Firmina, previsto para 2023. Ele inclui pontos no Brasil. Anunciado em junho de 2021, o projeto ligará a América do Sul aos EUA – passando por Argentina, Uruguai e São Paulo.No Brasil, o Google já participou da construção de outros três cabos: Júnior, Tannat e Monet, em operação.

A Meta, por sua vez, já soma oito cabos em operação, todos em parceria com operadoras regionais, incluindo mais de 35 países na África, Ásia, Europa e América. Os planos da big tech são de dobrar o número de cabos, chegando a 16 até 2025. Os próximos vão conectar Ásia-Pacífico e América do Norte. Na América Latina, a Meta instalou, em parceria com a Globenet, o Malbec, que liga São Paulo e Rio de Janeiro até Las Toninas, na Argentina.

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Carolina Cruz

Repórter com trajetória em redações da Rede Globo e Grupo Cofina. Atualmente na cobertura de telecom nos Três Poderes, em Brasília, e da inovação, onde ela estiver.

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