Código Civil na internet: o que relatores de nova comissão já disseram
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), determinou a criação de uma nova comissão de juristas, desta vez, para atualizar o Código Civil. A assinatura ocorreu nesta quinta-feira, 24, em meio a discursos pela adequação da lei ao ambiente digital.
“Em razão de tantas coisas que aconteceram nos últimos anos, notadamente a evolução das relações a partir do ambiente digital, do advento da internet, das redes sociais, da inteligência artificial, há uma série de coisas que precisam ser revistas”, afirmou Pacheco na ocasião.
O colegiado será presidido pelo ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ,e contará com 34 membros, entre eles, especialistas do Direito. Os relatores serão Flávio Tartuce, professor da Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil, em São Paulo, e Rosa Maria de Andrade Nery, desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) e professora nos Programas de Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de Direito da PUC-SP.
Ao entrar no campo do direito digital, os especialistas inevitavelmente devem considerar as leis já consolidadas sobre o tema, como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e o Marco Civil da Internet.
Tartuce, pós-doutor em Direito, é autor de diversas obras sobre o Código Civil, referenciado em artigos que contribuem para o debate sobre a aplicação da lei no ambiente digital. Em uma de suas publicações, Manual do Direito Civil, de 2021, ele fala sobre controvérsias que existem entre a LGPD e o Marco Civil da Internet, que, na sua visão “parecem ter adotado modelos diferentes de responsabilidade civil”.
“A primeira adotou um sistema de responsabilidade civil subjetiva [no qual a vítima precisa provar a culpa do autor], e a segunda, um modelo de responsabilidade objetiva. Procurarei aprofundar os meus estudos sobre o tema para tentar resolver essas colisões e os problemas delas advindos no futuro”, afirmou na publicação.
O especialista também já relacionou questões atuais do direito dos consumidores que estão no Código Civil. Na publicação, ele cita decisões judiciais e explica que casos comuns como a cobrança por serviço de mensagens sem a clara anuência do usuário ou o famoso spam representam “clara quebra de boa-fé, exemplo típico de abuso de direito a enquadrar-se perfeitamente no art. 187 do CC/2002”.
No mesmo sentido, Rosa Maria de Andrade Nery, segunda relatora da comissão de juristas, que também é uma das principais referências nos estudos sobre a aplicação da legislação brasileira na internet, também entende que o Código Civil pode proteger os consumidores.
“Apesar de o microssistema do CDC [Código de Defesa do Consumidor] constituir o principal diploma legal para regular as relações jurídicas de Direito de Relações de Consumo, nada impede que o CC, naquilo que não conflite com o sistema do CDC, regule também as relações de consumo. Principalmente no que toca aos temas atinentes à Teoria Geral do Direito Privado”, consta em artigo de Nery publicado na Revista dos Tribunais.
Em seminário realizado no mês passado sobre os 20 anos do Código Civil, Nery destacou que “não se pode pensar sobre Código Civil sem falar de responsabilidade Civil”, tema considerado “de primeira ordem”. “A responsabilidade Civil é a forma pela qual as questões jurídicas se encaixam de uma forma tal que ninguém fique prejudicado, e que aquele que causou mal a outrem possa, evidentemente, vir a ser alvo de uma justa reivindicação de quem sofreu um dano”, disse ela no debate.
A partir da instalação, a nova comissão de juristas terá seis meses para entregar uma proposta que atualize o Código Civil para o ambiente digital. Posteriormente, o tema será apresentado como projeto de lei pelo presidente do Senado.