Autonomia da Anatel está em xeque com decisão de hoje sobre AT&T e Time Warner

O conselho diretor da Anatel deverá se basear na MP da Liberdade Econômica, aprovada ontem pelo Senado Federal, para liberar o negócio bilionário de US$ 85 bilhões e deixar que a SKY seja dona, no Brasil, da Time Warner, tentando, com isso, contornar as limitações de propriedade cruzada estabelecidas na Lei 12.485 de 2011

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Os jornais especializados, como o Tele.Síntese,  trataram a reunião extraordinária de hoje a tarde, convocada pela Anatel, para decidir o processo da compra bilionária da Time Warner pela gigante AT&T com muito mais cautela do que os jornais genéricos. Os diários colocaram os pontos nos iiiis: após o ” lobby” do filho do presidente da República (e até o presidente Jair Bolsonaro, que, segundo consta, planejava ir à mesma reunião com os conselheiros da Anatel, divulgada depois no Facebook), a Anatel decidiu julgar -e liberar – a aquisição de um dos maiores grupos de mídia do globo pela maior operadora de telecomunicações dos EUA, que tem no Brasil a segunda maior empresa de TV paga, a Sky.

O Tele.Síntese, mesmo com informações sobre como deverá ser o placar da decisão final  (4 a 1)  a favor do negócio, preferiu ser mais cauteloso, pela simples razão de que ainda acredita na autonomia regulatória da Anatel, aquela que foi criada para ter força suficiente para cumprir a lei, fazer cumprir a lei e ter a tranquilidade para exercer o seu papel de agente de Estado. E fomos cautelosos porque ainda acreditamos na autonomia da Anatel.

Argumentos para a liberação do negócio, certamente, há muitos. Mas todos eles não se sustentam frente a Lei do SeAC, ou a lei de TV paga, que precisa mudar, mas que não foi revogada. E a lei é objetiva. “Quem distribui conteúdo audiovisual, não pode produzi-lo”. Como somos prolixos, a legislação precisou de dois artigos para estabelecer essa premissa. E de milhares de horas de advogados de cada lado para interpretá-los.

Quem sabe da existência da Lei 12.485 são diferentes  conselheiros da Anatel de diferentes gestões.  Mesmo o atual presidente, Leonardo Euler de Morais, um  defensor de menos regulação sobre o setor, foi o primeiro a propor e ter aprovada uma medida cautelar que impedia que os dois grupos se fundissem enquanto não houvesse uma decisão final da agência.  Os  técnicos da agência também sabem que a Lei do SeAC vale para o Brasil, embora as empresas tenham sede lá fora. Superintendentes assinaram e carimbaram um parecer  que derruba essa tese da “sede lá fora” e mandam a Sky vender os ativos, porque a operadora, nitidamente uma transportadora de sinais, não pode ser dona de empresa que produz sinais audiovisuais, como dita a Lei.

A Advocacia Geral da União também sabe que existe a lei e que o negócio, aqui no Brasil, não poderia ser liberado. A procuradoria da Anatel, vinculada à AGU, também se manifestou contra o negócio.

Subterfúgio

Então, como o Conselho Diretor da Anatel poderia aprovar hoje essa bilionária operação, e negar, de pronto, tanta convicção? E vem a parte mais engenhosa. A justificativa para a liberação do negócio não será o debate travado sobre a sede das empresas. O principal argumento deverá ser a Medida Provisória da Liberdade Econômica, aprovada nesta quarta-feira pelo Senado Federal. 

A MP, que já é lei no momento, e aprovada ontem à noite, conforme explicitou a nossa repórter, Lúcia Berbert, busca evitar o que chama de “abuso do poder regulatório”, reduzindo excessos cometidos pela administração pública no momento em que editar normas que afete ou possa afetar a exploração de atividade econômica, como criar reservas de mercado, redigir regras que impeçam a entrada de novos competidores nacionais ou estrangeiros no mercado e aumentar os custos de transação sem demonstrações dos benefícios”.

É esse o argumento que se propõe usar para sucumbir à pressão dos Estados Unidos, da família Bolsonaro, e obviamente, todos os que farão negócios com base nela.

As demais operadoras de telecom assistem de longe esse embate porque ganhariam nas duas situações. Ou com  a saída de um forte competidor do mercado nacional, ou com a derrubada das amarras que a impedem hoje de entrar no mundo do audiovisual.

STF

A TV Globo,  que será a principal prejudicada com a liberação dessa fusão, certamente vai ao Supremo Tribunal Federal, onde lá, já conta com  decisão favorável.

Em 2015, o STF decidiu que a Lei do SeAC – com os limites à propriedade cruzada e às cotas de conteúdo nacional – não feria a Constituição Brasileira. Quatro ADIs de números 4679, 4747, 4756 e 4923  que questionavam a constitucionalidade da Lei de TV  Paga foram ajuizadas, respectivamente, pelo partido Democratas (DEM), pela Associação NEOTV, pela Associação Brasileira de Radiodifusores (ABRA) e pela Associação Brasileira de Televisão por Assinatura em UHF (ABTVU). E todos perderam.

A lei do SeAC pode ser uma jabuticaba, como alegam muitos, mas, como a própria fruta, é nossa. Foi aprovada após um amplo acordo entre os mais diferentes  setores. Pessoalmente, acho que a Lei tem que mudar, mas a mudança também tem que passar pelo crivo do Legislativo, e contar com o mais amplo apoio possível. A preservação do conteúdo nacional, das cotas de produção independente devem prevalecer em uma futura lei. Mas o debate tem que ser travado no local certo: no Congresso Nacional.

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Miriam Aquino

Jornalista há mais de 30 anos, é diretora da Momento Editorial e responsável pela sucursal de Brasília. Especializou-se nas áreas de telecomunicações e de Tecnologia da Informação, e tem ampla experiência no acompanhamento de políticas públicas e dos assuntos regulatórios.
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