Após expansão local, Zilia mira mercado externo de semicondutores

Zilia amplia sala limpa, diversifica produção de olho nas vendas internacionais e aposta no aprimoramento do Padis para o Brasil crescer na cadeia global de semicondutores, diz CEO

A Zilia é uma nova, porém, tradicional fabricante brasileira de semicondutores. Nova, porque mudou de nome em dezembro de 2023 – antes era conhecida por Smart Modular Technologies do Brasil – e tradicional, porque há 25 anos fabrica no país componentes para computadores e há 15 para smartphones. A especialidade é o encapsulamento de memórias.

A virada se deu com mudança no capital social. Os fundadores norte-americanos se tornaram minoritários, porém ainda com fatia relevante na empresa, enquanto um grupo chinês assumiu o controle. Nessa transição, a unidade brasileira demonstrou potencial na geopolítica da reorganização da cadeia global de semicondutores, e vem investindo para crescer localmente e exportar.

Em junho, a Zilia anunciou R$ 650 milhões de investimentos para ampliar a linha de produção nas plantas de Atibaia (São Paulo) e Manaus. Disso, R$ 475 milhões foram destinados à expansão das salas limpas, aquisição de máquinas e equipamentos, e outros R$ 175 milhões serão aplicados em P&D até o final de 2025. O restante será aplicado ainda este ano e no próximo, contou Rogério Nunes, CEO da empresa no país e presidente da Abisemi, ao Tele.Síntese.

O objetivo, diz, é atender a demanda local por chips de memória para smartphones, servidores, computadores, IoT, setor automotivo e novos segmentos. Outra meta é retomar algo em que o Brasil é tímido desde a abertura do mercado de semicondutores no início dos anos 1990. “Espero ao final desse ano, ou no mais tardar, no início do ano que vem, executar nossa primeira exportação”, afirmou. Confira abaixo a entrevista concedida a este noticiário:

Tele.Síntese – Por que a Zilia trocou o nome Smart Modular Technologies?

Rogério Nunes, CEO da Zilia – A Zilia tornou-se o novo nome da Smart em dezembro de 2023. Isso se deu a partir da venda de participação detida pela Smart Global Holdings (SGH) para a Longsys. Agora temos acionistas nos EUA e na China. A SGH tem 19%, e a Longsys o restante. Optamos pelo novo nome para afirmar maior independência. Zilia vem de Brazilian. Com essa nova estrutura, o objetivo da Zilia passou a ser se tornar global.

E por que a SGH diminuiu a participação, em um momento em que os EUA falam em investir no desenvolvimento da cadeia de semicondutores?

Nunes – Existe o interesse da SGH em concentrar esforços na área inteligência artificial. Eles também anunciaram a intenção de mudar o nome de Smart Global Holdings para Penguin Solutions, passando a focar em produtos para a inteligência artificial, do hardware ao software.

Já a Longsys tinha interesse em uma manufatura de semicondutores fora da Ásia, por não ser comum, uma vez que permite desconcentrar a produção.

Hoje, o que vocês fabricam?

Nunes – Fazemos o encapsulamento de memórias, memórias RAM, memórias Flash. Compramos o wafer fora e aqui encapsulamos para atender fabricantes de smartphones, tablets, computadores, servidores, módulos IoT em Atibaia. Em Manaus,concentramos todo o processo de fabricação de dispositivos montados, como módulos de memória, SSDs e módulos IoT, além de também realizarmos testes de circuitos integrados. Temos ainda uma unidade na Coreia do Sul, que é responsável por parte do desenvolvimento de nossos produtos.

E de quem vocês compram o Wafer? Não cogitam produzir este insumo?

Nunes – Nosso principal parceiro é a Samsung Semiconductor. Não temos nenhum plano no horizonte para produzir wafers. Neste momento, pretendemos expandir a produção de encapsulamento, de dispositivos montados a partir das nossas duas fábricas, e expandir as parcerias no fornecimento de wafers, para vender produtos novos para novos setores e novos segmentos.

Quais novos segmentos?

Nunes – Já atendemos o mercado de smartphones, o mercado de desktops, notebooks, servidores, e pretendemos atuar com Data Centers em breve. Estamos também com produto para o segmento automotivo, memórias para aplicações industriais, equipamentos de impressão, de cópias. Não estou falando de varejo, do consumidor final, mas do atendimento B2B a empresas que precisam de produtos com características específicas. Então, por exemplo, no mercado de impressão, não estou necessariamente falando daquela impressora doméstica, mas de impressoras industriais. Não posso listar todos os mercados que olhamos, mas em alguns vamos principalmente para ganhar capacidade de exportação.

Você mencionou o mercado automotivo. Qual a demanda do segmento?

Nunes – Estamos agora iniciando a manufatura e a qualificação da nossa linha de produção de componentes para o setor automotivo. Mas isso pode demorar mais de um ano para ser concluído por conta de prazos de homologação de produtos. Os carros têm as centrais multimídia. Se atendemos celular com as memórias, então é óbvio participar desse segmento automotivo, fazendo o semicondutor de armazenamento da central multimídia.

Com as exportações, quais mercados vocês vão buscar?

Nunes – O nosso espaço prioritário é América Latina, Estados Unidos, pois já temos empresas do grupo que podem ser compradoras.

AS outras três marcas do grupo, Foresee, Lexar e a própria Longsys já têm negócios, por exemplo, no mercado americano, são líderes na Ásia, a partir de Hong Kong. Nós temos a oportunidade de fabricar no Brasil e distribuir também para diversos países. Mas o principal será penetrar no mercado sul-americano, que praticamente não conta com fábricas de produtos como os nossos. Há apenas uma na Argentina, de baixo volume. É uma área que a gente conseguirá certamente atender.

Vocês anunciaram em junho um investimento de R$ 650 milhões no país. O que já foi feito?

Nunes – O investimento já está parcialmente executado e já estamos comercializando produtos resultantes deste aporte. Mas a linha vai crescer mais. Ao todo, vamos colocar mais 28 diferentes produtos na esteira aqui, já tínhamos 125. Nunca lançamos tantos de uma só vez. O investimento prossegue ao longo dos próximos meses.

Então esse investimento se dá agora, mas ele se concretiza também ao longo de 2025. Dos R$ 650 milhões, R$ 475 milhões já foram feitos em investimento em bens de Capital e na preparação de 1.500 metros quadrados de nova área de sala limpa, que já estão em uso. Já tínhamos 5.500 metros. Também teremos melhorias importantes na infraestrutura fabril da nossa fábrica de Manaus para suportar o atendimento a novos mercados.

Consultorias mundiais apontaram vendas mais fracas da indústria de semicondutores em 2023. A Zilia sentiu isso? Como será 2024?

Nunes – Sim, mas agora em 2024 as memórias de DRAM tiveram um aumento de preço de 53% e as memórias flash, um aumento de preço de 48%. Isso alavancou os nossos negócios em receita. Ao mesmo tempo, ganhamos participação de mercado. Isso está impulsionando nossos negócios para que a gente possa se transformar em uma empresa global, exportadora. A Zilia hoje atente só o mercado local. Queremos exportar semicondutores Made in Brazil. Esperamos ao final desse ano, no mais tardar, início do ano que vem, já poder executar a nossa primeira exportação.

Essa reestruturação entre sócios dos EUA e da China me remete imediatamente à questão geopolítica de os americanos quererem diminuir a dependência da Ásia. Inclusive tem empresas chinesas que são banidas nos EUA. Isso não interfere nos planos de vocês?

Nunes – A gente via aqui, já durante a pandemia, a situação de concentração na Ásia e como nós poderíamos nos posicionar para tirar proveito dessa oportunidade. Além de nos posicionarmos como alternativa, muitas empresas deixaram a China e foram para Vietnã, Malásia ou México. Nosso controlador é uma companhia aberta em Shenzen (China), e posição de neutralidade do Brasil não nos impõe restrições. Para o Brasil, é uma oportunidade de exportar. Mas, é claro, precisamos de competitividade, não apenas da oportunidade geopolítica. E a competitividade tem que vir através de programas importantes, como o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Indústria de Semicondutores, o Padis. Esse programa vence agora em 2026 e portanto é fundamental que seja seja não apenas prorrogado pelo Congresso, mas também aprimorado, como têm feito diversas outras nações que incentivam o desenvolvimento e a manufatura de semicondutores.

O investimento de R$ 650 milhões está atrelado à aprovação do Padis? Ou foi uma coincidência ele ter passado na Câmara dias antes do anúncio de vocês?

Nunes – Não está atrelado. Como Smart, nós iniciamos operação em Atibaia em 2005. Em 2007 é que surgiu o Padis. Iniciamos esse negócio antes de qualquer incentivo. O incentivo veio trazer competitividade à nossa empresa, mas não dependemos dele para fazer o nosso investimento. E agora foi igual. Fizemos o anúncio no dia 27 de junho, mas não construímos uma nova área de 1.500 metros quadrados uma semana depois da aprovação na Câmara. Não se constrói uma sala limpa em uma semana. A construção começou em janeiro.

Mas é óbvio também que, sem esses incentivos de governo, é muito difícil para o setor de semicondutores sobreviver, porque todos os países investem pesadamente nas empresas privadas, e o Brasil precisa minimamente equalizar as condições de competitividade. É isso que permite o Padis: que a gente possa ter essa competitividade, que a gente exporte, por exemplo.

Os fabricantes de celulares reclamam das vendas de produtos contrabandeados, o que já representa 25% do mercado de smartphones brasileiro. Isso diminuiu as vendas de memórias da Zilia para o segmento de dispositivos móveis? Por isso a diversificação com 28 novos produtos?

Nunes – Nós fornecemos para praticamente todos que fabricam smartphones no Brasil. A nossa percepção é igual. Houve um aumento enorme do mercado ilegal de smartphones. Hoje, de cada quatro celulares vendidos no Brasil, um é vendido de forma ilegal. Isso impacta nossos clientes e a nós. Então apoiamos a atitude da Anatel de coibir as vendas ilegais nos markeplaces e frear a concorrência desleal. Faz todo sentido tentar evitar com que celulares ilegais sejam vendidos no Brasil.

O mercado de smartphones é muito importante para a gente. São 44 milhões de celulares vendidos do Brasil por ano, já chegou a ser cerca de 90% disso produzido no Brasil. Infelizmente, os dados da Abinee do primeiro trimestre de 2024 mostram apenas 74% foram produzidos no Brasil.

E qual o impacto para vocês? Se o mercado de celulares encolhe 25%, vocês encolhem mais de 25% em vendas?

Nunes – Não na mesma proporção, por causa do que falei antes, que as memórias estão mais caras e há a diversificação de produtos para outros segmentos. Além disso, os novos celulares 5G saem de fábrica com muito mais memória que os aparelhos 4G saíam. Estamos vendo um crescimento de densidades de memória, e isso faz com que a gente venda produtos de maior valor agregado. Em vez de vender um produto de 64 GB, eu vendo um produto de 256 GB, que é quatro vezes maior. Então nós estamos vendo o nosso faturamento crescer e o nosso volume crescer, mas este crescimento de faturamento poderia ser muito maior sem o mercado ilegal de smartphones.

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Rafael Bucco

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