Alguns pecados da “Carta aos Senadores”
As entidades da sociedade civil divulgaram nota na qual rechaçam o PLC 79, que estabelece um novo marco nas telecomunicações, e alegam que, se aprovado, este projeto irá trazer ainda mais insegurança jurídica.
Acredito que o projeto será questionado judicialmente até mesmo pelas entidades que assinam a “Carta aos Senadores”, o que é perfeitamente legítimo, em nossa sociedade de direito (pelo menos por enquanto).
Mas não posso me furtar de contestar alguns dos argumentos apresentados. Esse PLC não é mesmo o melhor texto que se poderia produzir para preparar o país para os impactos da avalanche tecnológica que está se aproximando à velocidade da luz. Essa avalanche provocará efeitos avassaladores no mercado de trabalho, na produção do conhecimento, e até mesmo nas fronteiras dos Estados-Nações e para os quais estamos muito pouco preparados. Mas o projeto tem o mérito de enfrentar um dos grandes gargalos do setor, que é o desperdício de recursos – públicos e privados.
As entidades, ao baterem duro na Anatel, chegando a afirmar que ela foi “cooptada pelas empresas” porque não calculou a priori o valor dos bens reversíveis erraram na mão. A agência, ao longo de sua existência – mais o menos intervencionista, com maior ou menor sensibilidade para o consumidor ou para o investidor – nunca deu mostras de agir contra o interesse público.
E como exemplo, vou recordar um caso que, para mim, é emblemático. Trata-se do saldo do Plano Geral de Metas de Universalização. Em um passado não tão recente, mudaram-se algumas dessas metas, iniciando a substituição de alguns “orelhões” por backhaul (a rede de banda larga estadual). Na mesma decisão, o governo decidiu imputar às operadoras obrigação de oferecer gratuitamente o acesso à banda larga a 1 Mps ( era mesmo essa baixa velocidade, o que já era uma grande coisa na época) para todas as escolas públicas urbanas brasileiras. Mais de 100 mil pontos de acesso.
Pois bem, depois de cumpridas essas metas, a Anatel apresenta uma conta de quase R$ 4 bilhões para essas mesmas operadoras, como dívida à União que ainda tem que ser paga. Ora, argumentaram as empresas. Essa conta não existe, já que a Anatel está calculado uma dívida com base em uma receita que nunca existiu, pois o acesso às escolas é fornecido gratuitamente. Qualquer pessoa em sã consciência entenderia esse argumento. Mas, em prol do interesse público, a Anatel contradisse: banda larga é um serviço privado, que precisa remunerar a rede da concessionária pelo seu uso, mesmo que tenha sido gratuito. E a conta foi emitida. O que se discute até hoje é o valor exato dessa dívida e não mais se a dívida existe. Isto, já foi pacificado.
Outro pecado das entidades é não explicitarem em suas críticas o porquê é importante destacar o serviço de telefonia fixa da rede fixa. Ora, para a Anatel, e também para mim, é mesmo um grande desperdício de recursos fazer com que as empresas continuem a gastar bilhões de reais em um serviço que não tëm mais qualquer repercussão social. Atualmente, dos 36 milhões de telefones fixos em uso, a grande maioria não está mais nas residências (conforme aponta pesquisa do IBGE), o que significa que grande parte dessas linhas estão em empresas. Manter um serviço que custa bilhões de reais para atender apenas ao mercado corporativo, não me parece contemplar qualquer justiça social.
E, sim, é verdade que a rede fixa é uma coisa e o serviço de telefonia fixa é outra. Mas esse é o “X” da questão. As entidades continuam a defender que essa rede fixa, que não é usada na telefonia fixa, deva ser explorada em regime público. Sob a forma de concessão. Ou seja, as entidades mantêm a posição – aí sim, fora de qualquer outro exemplo mundial – de que a rede de banda larga deva ser explorada sob o regime público, com metas de universalização, tarifas e muito, muito, controle regulatório.
Esta visão perdeu-se no tempo, infelizmente. A princípio, entendo que concessão pública tem vários méritos, mas neste setor está demonstrado que os deméritos são maiores. O melhor exemplo, e mais uma vez aponto para outro “pecado” do documento, é a telefonia celular.
De fato, o celular não chega em todos os lugares, como a telefonia fixa. Mas, um serviço privado como é, chega hoje em centenas de milhares de mãos brasileiras, muito mais do que qualquer outro serviço de telecomunicações. O celular é popular e (quase) universal. Para ser universal e chegar, no entanto, onde há demanda, mas não há renda, existem outros clássicos recursos – obrigações com a venda de frequências, uso de fundos públicos, leilões reversos, obrigações de fazer – que prescindem das amarras das concessões.
A demanda do Brasil – e do globo – é por internet cada vez mais potente e mais rápida. E para isso, é necessária muita, muita infraestrutura de banda larga. Mas, atualmente, mais de três mil municípios brasileiros não têm sequer uma rede de transporte de fibra. Ha.., podem falar. Tá vendo? Por que é um serviço privado, não chegou lá!
Pois entendo o contrário. Por que é um serviço privado, com boas práticas regulatórias (O Plano Estrutural de Redes de Telecomunicações é um exemplo mais recente), a banda larga fixa chegou para muito mais além das 300 cidades brasileiras onde há mercado, ou seja, onde há renda para pagar o serviço.
O problema do Brasil é a enorme desigualdade de renda, que se acentua. Não acredito que a criação de uma concessão de banda larga vai resolvê-lo.