“A TVRO precisa de solução definitiva”, diz Wender Souza, da Abratel
O setor de radiodifusão defende a migração da TVRO (TV aberta via parabólica), estimada em R$ 2,7 bilhões, para manter o acesso a TV livre e gratuita à parcela mais carente da população, eliminando a ameaça de interferência pelo 5G, cujo leilão de frequências está previsto o final do primeiro semestre de 2021.
É o que defende o engenheiro Wender Souza, assessor técnico da Abratel (Associação Brasileira de Radio e Televisão), a respeito da posição da radiodifusão a favor da migração da TVRO, da Banda C para a Banda Ku, com críticas à alternativa em fase de testes pela Anatel quanto à instalação de filtros LBNF nas parabólicas.
“Precisamos continuar atendendo a parcela mais carente da população”, afirmou, com o argumento de que o 5G e a expansão da banda larga não podem ser priorizadas em detrimento desse serviço, pois não atendem nem vão atender em curto prazo o público-alvo das parabólicas. “A solução da migração é uma solução definitiva”, afirmou.
“Se a gente imaginar que o 5G será livre, aberto e gratuito, aí, sim, a gente poderia anotar constitucionalmente, como é o caso da radiodifusão, que o serviço precisa ter seus privilégios, ser comedido em relação à política de atendimento social”, acrescentou.
Pelas contas da Abratel, para a limpeza da Banda C à entrada do 5G, devem ser atendidos com kits para a migração 11,2 milhões de domicílios habitados por inscritos no CadÚnico, o cadastro dos programas sociais do governo federal. Já a Anatel estima, como dado preliminar, aplicar R$ 1,6 bilhão para atender menos da metade desse número com a política pública a ser definida no leilão do 5G, apontou. Ele ressaltou que a agência não tem ainda um posicionamento formal, continua aprimorando os cálculos.
Prevê que a radiodifusão concorda em destinar para telecom as sobras do leilão do 5G e 35% dos R$ 1,4 bilhão das sobras do leilão dos 700 MHz ao programa Amazônia Conectada. “A gente propõe que esses valores sejam revertidos para alguma política dentro da tecnologia entrante, o 5G. Não queremos ter essa discussão que estamos tendo hoje, em que fazer com sobra de leilão”, sustentou.
Segue a entrevista com o representante da Abratel:
Tele.Sintese – Qual o panorama em relação a como deve ser a migração da TVRO da banda C para a Banda Ku? É imprescindível?
Wander Souza – Pelo o que tem de informação no momento atual, a gente considera que não há outra alternativa. A gente trabalha com dois aspectos fundamentais. Primeiro, ainda não temos resultados de testes que nos mostre a existência de equipamento LNBF [Low Noise Block Feedhorn] que resolva a interferência. A gente está passando agora pelos testes de campo no Rio de Janeiro e, na nossa observação, não temos solução. Esse é um aspecto em relação ao LNBF. O outro aspecto é a característica da solução, se será transitória ou definitiva. A gente acredita, pelos números do 5G no mundo afora, que haverá necessidade de o 5G adentrar a faixa de 3,5 GHz, subindo além do que está proposto no leilão da Anatel. Então, na nossa visão, a solução da migração é uma solução definitiva. Ela direciona o problema do 5G em relação à recepção doméstica. E a solução de mitigação seria em função transitória e, por isso, seria um despejo de dinheiro público para algo que vai se tornar inócuo daqui a pouco tempo. Essa precisão é feita com base em dados da própria indústria do 5G.
Tele.Síntese – Qual valor essa migração para a Banda Ku vai exigir das operadoras?
Souza – Quando tivemos os resultados dos testes da Anatel, em julho do ano passado, que mostraram a interferência e a não existência de um equipamento que solucionasse o problema, o setor de radiodifusão buscou uma alternativa.
Na nossa proposta, estabelecemos um custo que seria o investimento necessário para a migração. Nós tínhamos naquele momento o endereçamento para os problemas na recepção profissional e na recepção doméstica de TVRO. As considerações a respeito da TVRO foram domicílios com parabólica – 22,1 milhões. Números da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua)/TIC ( Tecnologia da Informação e Comunicação). Isso reflete um terço dos domicílios brasileiros.
O público-alvo da TVRO foram os domicílios com parabólica pertencentes ao cadastro único [o CadÚnico dos programas sociais do governo federal]. Então, esse número cairia para algo em torno da metade, cerca de 11,2 milhões. O custo de kit de recepção – R$ 254 reais –, composto por um receptor, uma antena e o cabo, basicamente, com antena completa com LNBF para Ku. O custo de instalação, da ordem de R$ 60, perfazendo o custo total do kit instalado R$ 314, e uma taxa de adesão ao projeto na ordem de R$ 77,3. Foi o número conseguido pelo Gired [Grupo de Implantação da TV Digital] na distribuição de kits na faixa de 700 MHz.
Com essa base, fechamos nossa solução para a TVRO em R$ 2,7 bilhões, a preços de julho do ano passado. Essa era a nossa conta há um ano. Foi a proposta que encaminhamos à Anatel e ao Ministério e que demos publicidade.
Posterior ao nosso encaminhamento de alternativa, a Anatel fez algumas estimativas em relação aos custos, fazendo um corte um pouco diferente em relação ao cadastro único, pela mesma pesquisa [PNAD/TIC], só que usando subdados diferentes do que o setor de radiodifusão usou. Então, pelos números da Anatel, seguindo a mesma base do custo do kit instalado, esse custo total da solução doméstica ficou da ordem de R$ 1,6 bilhão. Perceba que é uma diferença significativa, porque há uma incerteza em relação a esse público-alvo.
Tele.Síntese – Por quê?
Souza – Porque não temos uma pesquisa definitiva em relação a domicílios com parabólica, caracterizando a parabólica do serviço de TVRO e do serviço em Ku atual. Então há ali um misto de informações. Foi difícil para a gente e foi difícil para a Anatel precificar. E essa dificuldade prevalece, no caso da migração e da mitigação, em relação aos números.
Tele.Síntese – Já há parabólicas que acessam pela Banda Ku?
Souza – A gente entende que, em algum momento, há uma confusão em relação à parabólica ser do serviço de DTH [Serviço de Distribuição de Sinais de Televisão e de Áudio por Assinatura via Satélite] e do serviço de TVRO…, apesar de que, se a gente voltar na PNAD, a PNAD sempre cita televisão aberta. E ela distingue a televisão por assinatura. Para nós, está bastante claro, porque a PNAD distingue o que é televisão por assinatura. A Anatel, pelas análises feitas, consegue um número diferente. A gente trata a nossa proposta como o pior caso. Não haveria possibilidade de o custo dessa migração ser maior do que o custo que apresentamos, porque nós contemplamos um rol muito grande de atendimento dessa alternativa.
Contemplamos um rol muito amplo em relação ao entendimento dessa alternativa. Já a Anatel, por interpretar números diferentes, já chega em um valor R$ 1,12 bilhão menor que o nosso. Eu diria que a gente está sendo bastante conservador, em relação à preservação do serviço de TVRO. É importante destacar isso. A gente vê pela imprensa números de R$ 6 bilhões, R$ 8 bilhões, em algum momento, R$ 15 bilhões, coisas estratosféricas Não há chance de o valor da migração custar mais do que isso [R$ 2,7 bilhões, conforme a proposta da Abratel]
Tele.Síntese – Na avaliação da Abratel é um valor justo para ser absorvido pelas operadoras?
Souza – Não consigo te responder. O que temos de conversa com a Anatel é uma compreensão por parte da área técnica em relação à nossa solução técnica. Se acontecer com o 5G o que, por exemplo, a imprensa especializada supõe de que será uma revolução e que os números de assinantes de 5G irão acontecer no Brasil como acontece mundo afora, se a gente remeter ao recorte da Ericsson de junho passado, todos são bastantes otimistas em relação à absorção do 5G pela sociedade como principal ferramenta de conexão. E se for assim, necessariamente, a conclusão de todos é de que necessitará de mais espectro no futuro próximo e aí não há dúvida: você precisa ter uma solução definitiva em relação à TVRO neste momento. Se não, você vai despender, segundo as contas da Anatel, algo em torno de R$ 1 bilhão com a solução de mitigação e esse dinheiro daqui 3 ou 4 anos estaria perdido porque no próximo passo obrigatoriamente teria que fazer a desocupação da faixa. Então, a Anatel acha plausível – é o que nos passa – e tecnicamente bastante razoável a proposição que fizemos de migração.
Tele.Síntese – Esse valor a ser despendido pelas operadoras não poderia ser melhor empregado para ampliar a cobertura de banda larga no país?
Souza – Creio que é uma forma de ver. E, na minha visão, em que a gente esquece até das prerrogativas constitucionais brasileiras. Por quê? A gente pode partir, sim, para essa política privilegiando negócios, atendimento a empresas ou à população que poderá pagar pelo 5G, porque a gente precisa sempre remeter a uma realidade. A realidade do serviço de televisão aberta, terrestre ou por satélite, que é caso da TVRO, é um serviço gratuito que atende boa parte da população brasileira que só tem ele como forma de acesso a informação e entretenimento.
Se a gente imaginar que o 5G será livre, aberto e gratuito, aí, sim, a gente poderia anotar constitucionalmente, como é o caso da radiodifusão, que o serviço precisa ter seus privilégios, ser comedido em relação à política de atendimento social. Não somos absolutamente contrários à evolução da banda larga. Agora a gente sempre assenta na realidade de que, para a população brasileira, o serviço de banda larga ainda é muito caro e não atinge nem atingirá no curto prazo a população que a TVRO atinge.
A TVRO potencialmente chega em toda e qualquer localidade do Brasil. E a gente percebe o seguinte: nós estamos em 2020 e temos a PNAD de 2018 que aponta que 30% da população ainda faz uso desse serviço. Não é sem motivo, porque o serviço tem suas dificuldades, mas a população não abre mão porque é livre, aberto e gratuito. Tirando raras exceções em que até hoje não se mostraram muito promissoras, a banda larga não conseguiu atingir.
A banda larga ainda é cara, não atende 100% da população brasileira e, mesmo que tivesse, esse custo, de uma forma ou de outra, tem que ser repassado. Então, por mais que nós, os radiodifusores, sejamos grandes usuários da banda larga, por mais que a gente defenda a continuidade das políticas de expansão da banda larga, com certeza não é, em detrimento do serviço livre, gratuito e aberto da radiodifusão, que este serviço deve ser colocado. A gente precisa manter o atendimento à parcela mais carente da população, que é usuária do serviço de radiodifusão, seja ele terrestre ou por satélite.
Tele.Síntese – Se concretizado, vocês esperam uma solução da Anatel até quando?
Souza – Temos agora um ponto de espera que é a definição se haverá ou não um LNBF tecnicamente adequado à solução da interferência e que tenha preço condizente com a realidade do público-alvo da TVRO. Nós sabemos que existem LNBFs ou LNBs que solucionam o problema da interferência. Agora, a solução profissional tem sua solução técnica oposta. Só que a questão não é primordialmente se existe ou não o NBF. É, se vier a existir, se ele chegará ao mercado com preços equilibrados e condizentes com a realidade do usuário de TVRO.
Agora vamos admitir que os testes realizados no Rio de Janeiro nesta semana nos mostrem que existem um LNBF. Se existir, a partir deste ponto, a gente começa a analisar as duas alternativas de forma mais clara.
Pelas informações da Anatel, precisa ter a reunião do Conselho [Diretor] ainda este ano para encaminhamento e depois o encaminhamento do TCU [Tribunal de Contas da União] da minuta de edital [do leilão do 5G] até janeiro ou fevereiro do próximo ano. Resta saber se a gente vai conseguir discutir alternativas até lá.
Tele.Síntese – Se não houver essa decisão, não será possível fazer o leilão?
Souza – Por isso, em agosto do ano passado, apenas cerca de 40 dias após a gente discutir e todos os presentes referendarem os testes da Anatel, é que o setor de radiodifusão apresentou sua alternativa. E, desde agosto do ano passado, o setor de telecomunicações vem analisando a existência de um simples LNBF, sim ou não. Na minha percepção, foi um ano em que já poderia ter sido discutida uma série de coisas. LNBF é uma pequena porção de uma solução de mitigação. Nós nunca discutimos a solução de mitigação porque ela não tem como ser discutida porque a premissa básica dela, que é a existência do LNBF, nunca foi comprovada. O setor de radiodifusão está muito tranquilo porque propusemos com números, com bases, explicamos essas bases sempre que nos foi solicitado. Já a proposta de mitigação ela nunca foi formalmente apresentada.
Tele.Síntese – Quanto tempo será preciso para essa migração?
Souza – A visão que nós temos é que é algo similar ao que foi feito na faixa de 700 MHz. Suponhamos: monta-se um calendário em relação ao interesse das futuras vencedoras do leilão a investimento do 5G. Em São Paulo ou na Região Sul ou na Região Centro-Oeste. Onde a gente conseguir elencar, onde nos for apresentado um cronograma com um rol de cidades ou de megarregiões ou qualquer forma que se discutir razoável, a radiodifusão sobe um sinal em simulcast [tradução simultânea]. Então ficariam os dois sinais no ar, Banda Ku e Banda C.
A gente considera, internamente, três meses como um período razoável de simulcast para se trabalhar em determinada região, cidade. A partir daquele momento, se estabelece uma política de distribuição de kits para os cadastrados no cadastro único. Na nossa visão, a solução de migração não atrasaria, em hipótese alguma, a implantação do 5G, por conta dessa transmissão simultânea. Não é a cobertura ao Brasil inteiro que a gente espera. Não vai entrar em 1.000 cidades em todo o Brasil. Algo similar aos 700 MHz. E foi uma política de sucesso.
Tele.Síntese – Quantos o setor de radiodifusão aceitaria ceder nas sobras dos recursos do leilão da 4G para ampliação da banda larga?
Souza – Vamos falar do compromisso estabelecido ano passado pelo setor com o na época MCTIC [Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações]. Naquele momento, nós tínhamos a expectativa de saldo na ordem de R$ 1,1 bilhão, e o setor de radiodifusão e o ministério estabeleceram que seria na ordem de R$ 700 milhões empregados na solução de digitalização e R$ 400 milhões empregados na Amazônia Conectada.
Se nós fizermos aí uma correlação, você chegaria nessa porcentagem [em torno de 35%]. Agora, é claro, de lá para cá, o ministério sofreu uma mudança significativa, nós tivemos mudanças também dentro da Anatel e, da nossa parte ainda, nos mantemos firmes em relação à necessidade e à aderência da nossa proposição em relação às políticas.
Precisamos rediscutir, mas como base, o ajuste feito entre o setor e o ministério ainda poderia se adotar. São valores significativos que levariam a televisão terrestre à totalidade da cobertura da TV analógica, e o saldo remanescente é bastante significativo em relação até mesmo ao novo projeto apresentado para a Amazônia pelo ministro Fabio Faria. Acredito que este valor inicial é uma proporção que ainda podemos considerar. Lembrando que agora o saldo já está em R$ 1,4 bilhão.
Tele.Síntese – Tem uma ideia de até quando a destinação do saldo será decidida?
Souza – O nosso projeto foi apresentado em janeiro/2019, a base que propusemos não mudamos, continuamos firmes em relação à proposição. Naquele momento, as proponentes vencedoras apresentaram alguns projetos que, por decisão do Gired, não tiveram aderência com o edital e com a política pública, então não seguiram. Depois, nós tivemos o projeto apresentado pelo MCTIC, que é o da Amazônia Conectada, com o compromisso de R$ 400 milhões.
Nesse momento, o Gired tomou uma decisão em relação ao encaminhamento dos projetos ao Conselho Diretor, e essa decisão está sob análise da Procuradoria da Anatel. Não nos cabe dizer quando estará pronta, mas precisa ter a participação efetiva do Conselho Diretor, do Ministério, e dos órgãos de controle para dar segurança ao processo.
A gente precisa chamar atenção nesse caso específico de que a televisão analógica precisa ser desligada em 2023. Há esse deadline. Os prazos estão nos apertando, e a Anatel tem se dedicado a analisar, o Ministério está se reestruturando e já vem nos ouvindo em relação a essa necessidade e torcemos para que tenhamos uma solução rápida.
Tele.Síntese – Há um consenso da radiodifusão em relação a essas propostas?
Souza – Sim, ambas as propostas foram assinadas pela Abratel e pela Abert. A proposta do saldo remanescente, além das duas entidades, tem em conjunto a Astral [TVs legislativas] e temos a adesão da EBC.