“A regulação dos pequenos provedores é ilegal. Tira direito dos consumidores do interior do Brasil”, alerta José Félix
O presidente da Claro Brasil, há 12 anos no grupo da América Móvil, quase não aparece em Brasília e pouco frequenta os grandes eventos nacionais ou mundiais de telecomunicações, quando são apresentadas as novas tecnologias ou debatidas as principais agendas do setor. Mas isso não o impede de estar sempre antenado com as últimas tendências tecnológicas ou de ter posições firmes sobre questões regulatórias ou legais. E manteve essa mesma postura em nova conversa com o Tele.Síntese, cujos principais pontos da entrevista estão aqui publicados.
Algumas de suas atuais posições certamente vão gerar muitos debates, que ele acha salutar. Para Félix, a regulação assimétrica criada pela Anatel, que retirou quase todas as obrigações de atendimento e de qualidade para os pequenos provedores de internet, mantendo rígido controle dessas mesmas regras para as grandes operadoras, provoca grande distorção, justamente porque a liberalização dessas regras acontece, em sua maioria, em localidades onde esses pequenos atuam sem competição.
“Há uma assimetria gigantesca, completamente ilegal, porque cria um cidadão de segunda classe. Qual a diferença de um cliente de uma cidade do interior, que não tem concorrência nenhuma, e outro cliente de uma cidade grande, como São Paulo, que tem todos os concorrentes. E a Anatel deixa o cliente do interior sem proteção nenhuma”, afirma.
Em outra frente, o executivo está também reivindicando que sejam aplicadas as mesmas regras da Lei do SeAC para todos os agentes. “A regra básica da lei é que quem produz conteúdo audiovisual, não pode distribuir. E quem distribui não pode produzir. Ora, por que então uma produtora como a Fox pode distribuir jogos ao vivo para qualquer um?” Reclamação que o próprio grupo já formalizou junto à Anatel.
Aqui, os principais trechos da entrevista
Tele.Síntese: O setor presencia no mundo dois movimentos das teles – a integração horizontal e a vertical. Como você avalia esses movimentos no mercado brasileiro?
José Félix – O Brasil, em tese, não deveria ser diferente de qualquer outro país avançado. Deveria haver aqui as mesmas facilidades e dificuldades enfrentadas pela indústria de qualquer país do mundo. No entanto, no Brasil a legislação afasta qualquer possibilidade de uma integração vertical, pelo menos na parte de conteúdo televisivo. No campo da internet em si, no uso de aplicativos, essa já é de fato outra questão, que ninguém proíbe nada, meio terra de ninguém. Mas na TV, a integração vertical é impensável em função da segregação entre distribuição e produção.
Tele.Síntese – Há algum desbalanceamento no mercado brasileiro em relação a isso?
Félix – Muito…. Por exemplo, um estúdio, chamado Fox, produz conteúdo audiovisual. E o que ele faz na hora em que vende esse conteúdo ao assinante. Está distribuindo. E a lei brasileira diz: “quem produz não pode distribuir.’ Simples assim…
Tele.Síntese – E por que a Claro não pode fazer o mesmo?
Félix – Porque não podemos produzir conteúdo! E temos inúmeras obrigações, como atender ao assinante em 10 segundos, carregar os canais. Chega a ser tão absurdo que tem alguns canais, que não vou citar o nome, que fazem a propaganda na Pay TV para as pessoas comprarem direto deles. Acho que é um jogo de perde-perde.
Tele.Síntese: Isso não tem a ver com a questão do acordo AT&T e Time Warner, que a Anatel está analisando?
Félix: Tem e não tem, porque se for dito que quem distribui pode, eu te pergunto, porque não permitiriam que a Sky tivesse a Turner no Brasil? Não faria o menor sentido proibir. Agora, se disserem que isso está valendo, aí tem um problema sim porque eles distribuem através da Sky e produzem através da Turner.
Que não se faça confusão. A Claro também faz Claro Vídeo. O que diferencia o VOD (Vídeo On Demand) do SEAC é exatamente a existência de canais lineares. Mas com o Esporte Interativo, da Fox, eles mataram o canal na TV e botaram na Internet para fugir de um monte de coisa.
Tele.Síntese: Então, o que diferencia é o tipo da programação?
Félix: É a linearidade. A instantaneidade, que é o fato de você ter programação ao vivo. O VOD é linear e é meio estático, está parado, você só aciona aquele filme se você quiser assistir. Um canal linear, você assiste querendo ou não querendo. O VOD é completamente diferente, é uma prateleira que você escolhe.
Tele.Síntese: Vocês já chegaram a convocar a Anatel para esse debate?
Félix- Entramos com um pedido formal para analisar essa questão.
Tele.Síntese – O novo presidente da Anatel, Leonardo de Morais, está defendendo uma regulação responsiva, por incentivos, aos invés de regulação punitiva. Acredita que vá para frente?
Félix – Espero que sim. Se prestar atenção na regulamentação dos pequenos provedores, há uma assimetria gigantesca, que é completamente ilegal, porque cria um cidadão de segunda classe. Que diferença tem entre um cliente de uma cidade do interior, que não tem concorrência nenhuma, de outro cliente de uma cidade grande, como São Paulo, que tem todos os concorrentes? Pelas regras atuais, o cliente de São Paulo tem uma enorme proteção, mesmo com vários concorrentes. O coitadinho que está no interior só tem aquele provedor e não tem proteção nenhuma. É uma inversão de valores impressionante! A questão é justificada como uma forma de estimular a pequena empresa. Só que é uma forma bem brasileira, que fica criando um mercado quase que paralelo…
Tele.Síntese: A prioridade de investimento do grupo para este ano continua banda larga?
Félix: A prioridade é banda larga. Rede móvel e fixa é para fazer banda larga.
Tele.Síntese: Vocês atualizaram os sites da celular nos últimos dois anos. Deram um up grade, modernizando tudo.
Félix: Exatamente. Preenchendo áreas de sombra, dando mais qualidade, mais capacidade à rede. De fato, a gente está investindo muito. Nos três últimos anos colocamos bastante foco na móvel, mas não significa que esquecemos da fixa; ao contrário, a gente está entrando em inúmeras cidades novas.Temos uma lista de duzentas cidades em três anos, desde o ano passado. E vamos manter a média dos últimos investimentos.