“A imagem das teles só não é pior que a do tabaco”, diz Camilla Tápias, da Telefônica Vivo
Os constantes vazamentos de dados de clientes nas plataformas e redes da internet, a pressão de reguladores de todo o mundo por critérios mais rígidos de proteção dos dados pessoais, a aplicação de pesadas multas contra gigantes como Google e Facebook, entre outros, despertaram a sociedade para a questão da privacidade.
A bandeira da proteção dos dados pessoais poderá ser uma oportunidade para as operadoras, que pela própria natureza de sua atividade são guardiãs de milhões de dados de clientes, melhorarem sua imagem junto à sociedade, se conseguirem demonstrar que tratam os dados com cuidado, transparência e ética. É nisso que acredita Camilla Tápias, vice-presidente de Assuntos Corporativos da Telefônica Vivo, encarregada de adequar todos os procedimentos da empresa à nova Lei Geral de Proteção de Dados, que entra em vigor em meados de 2019.
Nesta entrevista, Camilla fala sobre as medidas que estão sendo adotadas dentro da empresa para o cumprimento da LGPD, da necessidade de que a preocupação com os dados pessoais seja igualmente de todas as operadoras porque um caso de vazamento contamina a todos e de que é preciso uma coalizão do setor para levar à frente várias bandeiras, da inclusão digital e conexão de todos à melhoria da reputação das próprias operadoras.
Por várias motivos, a imagem das operadoras junto à sociedade é muito ruim. Está no final da fila, à frente apenas da indústria do tabaco, atrás até da construção civil. Reverter este cenário é uma das tarefas que Camilla considera prioritária para 2019.
Tele.Síntese – Hoje, a questão de como os dados pessoais são tratados pelas diversas empresas e governos é uma preocupação da sociedade. As operadoras detêm um volume muito grande dessas informações. Qual é a abordagem que vocês têm para garantir a privacidade dos dados pessoais dos clientes?
Camilla Tápias – Nosso entendimento é de que esses dados pertencem ao cliente e é ele que tem que nos dar autorização para uso dessas informações. Portanto, não podemos fazer nada com os dados que o cliente não esteja ciente e não conceda sua autorização expressa. Por isso, todo o relacionamento com o cliente está constantemente sendo revisado.
Inclusive foi revisado recentemente, principalmente com base nas discussões que já vinham ocorrendo em função da nova Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) para ver se os nossos procedimentos estavam de acordo com as normas.
O nosso primeiro manifesto já tinha essa preocupação e agora com o desenvolvimento do novo manifesto e das leis em vários países e aqui no Brasil, percebemos que alguns contratos precisavam ser revistos para darmos ao cliente a segurança de que os dados estão sendo devidamente tratados, guardados e só usados na medida em que ele dê a anuência.
Tudo isso foi revisto e continua sendo revisto, porque a Lei ainda não entrou em vigor e a gente tem uma série de medidas ainda ocorrendo dentro da empresa para garantir que essa prática seja, de fato, efetiva e verdadeira, não só no papel e não só uma intenção.
Tele.Síntese – O Manifesto por um Novo Pacto Digital divulgado recentemente pela Vivo tem um capítulo dedicado a promover a confiança no uso dos dados. Quais são os pontos principais relativos a essa questão?
Camilla – A primeira coisa é que o armazenamento dos dados tem que ser muito cuidadoso. Internamente cada colaborador assina um documento e é treinado para ter a consciência de que ele está lidando com dados pessoais dos clientes e quais são os cuidados que precisam ter.
Depois, toda a nossa área de marketing, por exemplo, que enxerga nos dados uma possibilidade de gerar valor para o próprio cliente, também é treinada para entender que eles têm que ter essa anuência, essa permissão do cliente.
Há um processo de aprovação interna, da forma como o produto vai ser lançado, a forma como vai ser construído e a forma como a gente vai obter essa anuência do cliente. Ou seja, na construção do produto há uma preocupação de que nada saia do padrão legal e de proteção de dados. Eu acho que esse processo foi reconhecido pelo Internet Labs, que esteve aqui este ano e fez uma série de averiguações. Nós fomos a empresa melhor avaliada.
Tele.Síntese – O que é Internet Labs?
Camilla – Internet Labs é uma organização não governamental que tem como foco principal a avaliação da proteção dos dados na internet. E eles avaliaram toda a forma que a gente trata os dados, a transparência com que a gente lida com os clientes.
Eles avaliam todas as dimensões, os nossos contratos, a forma como a gente comunica o cliente, a forma como a gente vende o produto, não só a publicidade distante para o público em geral, mas na hora de vender.
A gente tem, inclusive, no nosso site, um link que se chama “Centro de Privacidade” que explica detalhadamente o que a gente pode e o que não pode fazer com os dados, a forma como são armazenados, a forma como tratamos os dados.
Tele.Síntese – Esse centro de privacidade foi lançado recentemente? É uma página didática que explica como a empresa usa os dados?
Camilla – Ele não é tão recente, foi lançado no final de 2016. É uma página voltada para o usuário final. Explica como a empresa trata e usa os dados, sempre com anuência do cliente. Nós temos aprimorado e agora, com a nova Lei, revimos essa página, porque ela é anterior, para ver se tinha alguma coisa que a gente fazia tanto nos nossos procedimentos como na nossa comunicação que não estava adequada, porque muitas vezes a comunicação não está de acordo com os procedimentos ou os procedimentos não estão de acordo com a comunicação.
É uma série de coisas que a gente tem que coordenar para estar 100% compliance. Tivemos agora em dezembro o kick off de um programa bem grande aqui dentro da empresa para implantação da Lei, porque ela vai mexer com todas as áreas da empresa; RH, áreas de marketing.
Tele.Síntese – Quais são as principais implicações para vocês acatarem a Lei?
Camilla – Eu acho que o nosso maior desafio vai ser realmente conseguir lançar produtos inovadores sempre obtendo a anuência do cliente. Nós já passamos por isso, sempre fizemos com a anuência do cliente e foi exatamente esta a questão do Vivo Ads, nossa plataforma de publicidade móvel. Mostramos (ao Ministério Público) que tudo que a gente fazia tinha a anuência do cliente.
Tele.Síntese – O questionamento do Ministério Público do Distrito Federal foi para saber produtos da Vivo voltados à publicidade usaria dados do cliente indevidamente…
Camilla – Eles queriam saber se era indevidamente. Na verdade era um processo de averiguação, não dizia que tinha uma infração. Eles queriam entender como a gente lidava com os dados dos clientes. Então, demonstramos claramente que todos os dados utilizados eram anonimizados, não tinham identificação dos clientes individualmente.
Tele.Síntese – Mas um dos produtos não envolvia localização?
Camilla – Tinham vários produtos, também produtos de geolocalização. No caso de produtos que identificavam a localização do cliente, ele tinha que dar anuência e a gente provou que tínhamos o opt in. Em função disso, o Ministério Público entendeu que quando tem o opt in é porque o cliente aderiu e quando não tem é anonimizado. Então, o questionamento não teve consequências, foi só uma averiguação, não se transformou em processo.
Tele.Síntese – Então com a nova Lei, quando ela entrar em vigor, a maior preocupação vai ser em relação aos produtos inovadores?
Camilla – Acho que sim. A maior preocupação, porque a gente quer gerar valor para o cliente. E para gerar valor para o cliente, através do uso de dados do próprio cliente, vamos precisar dessa anuência. Sobre isso, temos total consciência.
Por exemplo, temos um produto que utiliza Big Data voltado para ajudar o controle da poluição, Nós temos a informação de que em um determinado bairro há muita gente agregada o que pode elevar os índices de poluição. Fizemos um convênio com a CET, que monitora a poluição naquela região.
Então, quando são dados agregados a gente sabe que não é necessário pela Lei a autorização do cliente. Esses produtos não nos preocupam tanto. Agora, um produto no qual a gente vá mandar publicidade para uma pessoa específica porque ela tem interesse naquele produto, sabemos desse interesse, temos de ter o opt in.
A forma de obter o opt in é que é difícil, porque muitas vezes temos de atrair a atenção do cliente para que ele entenda que isso gera um valor para ele e dê a anuência. E também entenda que se ele deu o opt-in não poderá reclamar depois achando que não deu. A comunicação tem que ser muito clara e transparente para que não gere problema depois.
Outra coisa também que no Vivo Ads a gente demonstrou foi que não passávamos as informações para terceiros. Tudo era tratado aqui dentro da Vivo, mesmo quando tinha o opt in do cliente, então não tinha o problema de vazamento de dados.
Isso também é uma coisa que a gente tem com a nova Lei, temos que cuidar muito bem dos terceiros. Os contratos, o sigilo, a cadeia de fornecedores é muito importante hoje em dia. Nós temos que passar os nossos valores para os nossos fornecedores. A área de sustentabilidade se reúne semestralmente com os fornecedores para ter certeza de que eles têm os mesmos valores, seguem os mesmos princípios e as mesmas preocupações que nós temos.
Nós conversamos com eles sobre questões como diversidade, que foi o programa que lançamos recentemente, até compliance, Lei de Proteção de Dados e outros temas. Nós exigimos que eles demonstrem que também têm programas dentro das suas próprias empresas, saibam tratar as informações.. É uma cadeia de geração de valor, porque senão não funciona e ficamos preocupados aqui na Vivo.
Tele.Síntese – Nós vemos frequentemente uma série de notícias de dados que foram vazados em alguma empresa. Mesmo com todo cuidado sempre há suspeitas de vazamentos ou por parte de funcionários ou de terceiros. Isso preocupa muito a sociedade, não apenas aqui, mas globalmente. Temos, por exemplo, o escândalo do Cambridge Analytica na plataforma do Facebook, ou mesmo o uso massivo de mensagens via Whats App durante as eleições brasileiras. Essa é uma questão que pode influenciar políticas, governos. Como é que vocês se garantem o tratamento das informações por terceiros?
Camilla – Nós temos uma preocupação legal, então todos os nossos contratos têm cláusulas que procuram prever e garantir que esse tema esteja abordado. Mas também temos, na prática, a ação. Dentro do nosso departamento de segurança tem a área de segurança da informação. Há algum tempo foi contratado um diretor que é especializado em segurança da informação e ele vem aprimorando os sistemas da empresa para detectarmos casos de vazamentos.
Vou te dar um exemplo simples; todos os nossos computadores hoje em dia não aceitam mais pen drive. Dentro da Telefônica, você não pode plugar um pen drive e puxar informação. Nenhum colaborador pode. Para isso, você tem que pedir autorização para o nosso presidente, Eduardo Navarro. Você tem que explicar para ele o motivo pelo qual está querendo puxar uma informação.
Todos os nossos sistemas, se percebem algum vazamento, alguma anormalidade, dão alarme. Tudo isso vem se aprimorando para garantir a segurança, porque os hackers vão se aprimorando também e, do nosso lado, a gente tenta garantir a detecção e a prevenção em tempo hábil.
Tele.Síntese – E em relação a terceiros?
Camilla – Todos os terceiros que têm acesso às nossas plataformas, aos nossos dados, também têm essas travas, esses controles, muitas vezes até mais rígidos não apenas contratualmente mas também tecnologicamente. Muitas vezes não conseguimos evitar quando a pessoa está mal intencionada, mas nunca tivemos um caso de vazamento de dados massivo. Há pequenos focos sim, em call center, em coisas pequenas e controláveis, mas estamos nos aprimorando. Em cima daquele caso a gente usa a inteligência para tentar evitar próximos.
Tele.Síntese – Há um limite estreito e tênue entre o uso dos dados massivos anônimos e o uso de dados pessoais. Como é que vocês conseguem treinar os executivos inovadores, que querem gerar valor para a empresa e não só para a sociedade, para eles terem esse discernimento em relação aos dados? Por que eu acho que há uma contradição entre eles serem pressionados para gerar valor para empresa e ter cuidado com os dados, não atravessar este limite.
Camilla – Você tem toda razão. Tem sim essa pressão diária para que eles gerem valor para a empresa e proteger os dados pessoais é o papel da área regulatória e jurídica. Há anos eu sou a vilã (risos) e o desafio de uma área regulatória dentro de uma empresa inovadora é sempre gerar um relacionamento de parceria e de confiança, senão eles param de te chamar e começam a gerar produtos sem seu conhecimento e você só fica sabendo quando o Ministério Público chama.
Eles precisam entender que você está lá para evitar esse tipo de problema. Esse é o desafio de uma área regulatória ou jurídica da Telefônica e de todas as outras empresas reguladas e inovadoras.
Nós percebemos que há pessoas da área de marketing, área de inovação, mais agressivas, outras mais conscientes e por isso o treinamento, a conscientização e esse trabalho contínuo é muito importante. Mas isso vai de cada um, têm uns que a gente treina e não adianta, têm outros que a gente treina e consegue, e ainda há os que a gente não precisa treinar, essa preocupação está neles.
Há um trabalho constante e contínuo que fazemos e vamos acompanhando esse movimento, conscientizando, treinando e mostrando que com pequenas mudanças colocamos o negócio no trilho certo. O usuário na verdade é o proprietário desses dados e ele tem esse direito.
Por isso é tão importante você escolher as pessoas certas para as cadeiras certas. Se você coloca, por exemplo, na área de Big Data, uma pessoa que não tem essa consciência, teremos problemas. Por isso, o presidente tem que escolher bem quem ele coloca em cada lugar.
Tele.Síntese – E o lançamento desse manifesto? Esse movimento que vocês fizeram teve algum efeito dentro da empresa?
Camilla – Teve mais do que a gente imaginou. Foi interessante porque vimos muita gente daqui de dentro participando, elogiando, vindo comentar conosco. Todas essas pessoas que lidam com dados e que estão participando desse projeto estão muito interessadas e conscientes de que realmente precisamos transformar, mudar e acompanhar, porque senão a gente vai ter problemas e quando dá problema é muito stress. A gente pretende agora desenrolar mais essa questão de pacto. Eu acho que precisa ter uma participação, uma coalizão maior do setor e no ano que vem esse é um dos projetos que a gente pretende se dedicar..
Tele.Síntese – Que pacto?
Camilla – Um pacto digital. Um pacto entre as empresas para se preocuparem na mesma medida que a gente se preocupa com esses itens do Manifesto por um Novo Pacto Digital.
Tele.Síntese – Quais seriam os pontos desse pacto?
Camilla – O primeiro capítulo do manifesto diz respeito ao acesso. A experiência que a gente teve no TAC (Termo de Ajuste de Conduta) foi muito traumática para nós, internamente. Eu acho que é fundamental pensarmos que, se o PL 79 for aprovado, vamos começar a negociar uma migração de concessão para autorização por meio de investimentos.
Nós vamos passar por uma experiência semelhante ao TAC e ela corre o risco de fracassar da mesma forma se não tivermos uma coalização em relação aos objetivos e aos tipos de investimento que podemos oferecer para o governo.
Tele.Síntese – E se não houver um acordo com a sociedade civil…
Camilla – Sim, e se não tiver um acordo com a sociedade civil. Então, achamos que o primeiro capítulo, que diz respeito a acesso, a serviços, a diminuir esse gap digital, precisamos começar a conversar. Eu já comecei a conversar com os meus pares nas outras empresas, convidei-os para virem no lançamento do manifesto e estamos tentando nos estruturar para enfrentar isso o ano que vem de uma forma diferente da que a gente enfrentou com o TAC no ano passado e retrasado.
Tele.Síntese – Que foi de forma isolada.
Camilla – Foi de forma isolada. Não imaginávamos que teríamos essa necessidade. Achamos, ingenuamente, que negociando com a Anatel e depois com o TCU, seria suficiente. E não foi. Hoje em dia há uma participação das outras empresas e da sociedade civil muito mais intensa do que houve ano passado. Por isso o pacto, a coalizão.
Há ainda outros capítulos do manifesto em relação à confiança digital. Se a gente trata bem os dados dos clientes, mas os nossos concorrentes não tratam, o cliente e a sociedade civil vão nos ver da mesma forma que os outros. Pode se pensar, é uma questão de competição, vai ser uma vantagem competitiva, eles vão me ver diferente. Não, não vão ver.
È preciso criar essa consciência. Hoje em dia há uma consciência coletiva que se forma em relação a um setor que não conseguimos nos despregar. Então o nosso trabalho aqui, o meu, o da área de sustentabilidade, a gente preza pela reputação da empresa e do setor, para conscientizar que precisa, sim, haver essa coalizão.
Nós precisamos melhorar a nossa imagem. Para você ter uma ideia, em termos de reputação estamos apenas na frente do setor de tabaco. Estamos atrás de construção civil. Não tem cabimento, não faz sentido. Precisamos fazer alguma coisa para melhorar isso e no ano que vem a nossa missão é focar nisso.