“Brasil passa a ser prioridade para Angola Cables”, diz Nunes
A partir do primeiro semestre de 2018, para quando estão programadas tanto a entrada em operação do cabo SACS, que liga Angola ao Brasil, como do seu data center em Fortaleza, no Ceará, a Angola Cables passa a incluir o Brasíl em sua lista de prioridades, ao lado do continente africano. Afinal, nos dois últimos anos concentrou aqui parte relevante de seu investimento.
Em cinco anos, a empresa, que nasceu local para apoiar as operadoras angolanas, se transformou numa pequena multinacional de cabos submarinos. Investiu US$ 300 milhões em parcerias com grandes players, como o cabo Monet que liga os Estados Unidos ao Brasil passando por Fortaleza, Rio de Janeiro e terminando em Santos; com o cabo SACs vai reforçar a conexão Brasil-África e, aproveitando a passagem de todos os principais cabos submarinos que se conectam ao Brasil por Fortaleza, decidiu montar lá um data center de nível 1. Investimento que pode mudar o ecossistema de tecnologia de informação de Fortaleza e da região.
Antònio Nunes, CEO da empresa, relata que fez essas apostas no Brasil em função do potencial do mercado brasileiro, da posição geográfica do país em relação ao continente africano e das raízes históricas e culturais que ligam o Brasil aos países africanos de língua portuguesa, em primeiro lugar, e aos demais países, num segundo momento.
Nunes quer vender, pelo seu cabo SACs, os serviços digitais do Brasil para a África como os serviços para os mercados de agricultura, saúde e educação. Acredita que a conexão com a Europa, evitando que os brasileiros tenham que ir até os Estados Unidos para chegar lá, vá atrair grande interesse, já que o caminho é mais curto e a conexão será mais barata.
Nesta entrevista ao Tele.Síntese, ele relata um pouco de sua estratégia, da importância do Brasil no futuro da Angola Cables e de como ela deve chegar até à Ásia.
Tele.Síntese – A Angola Cables está fazendo um investimento relevante no Brasil, representado pelo cabo Monet, que interconecta Brasil aos Estados Unidos, já em operação; pelo cabo SACS, que liga Brasil à África, e deve entrar em operação no próximo ano; e pelo data center em Fortaleza, também programado para começar a operar em 2018. Isso significa que Brasil passou a ser território prioritário na atuação da empresa
António Nunes – Representa muito para nós, porque estamos fazendo um grande investimento, de forma que podemos por um lado potencializar a banda larga no Brasil. Mas, por outro lado, podemos buscar o tráfego brasileiro para podermos vender na África. Nós estamos vendo o Brasil como um mercado potencial para o mercado africano. Daí, a grande importância que os cabos e a infraestrutura têm para nós.
Tele.Síntese – Quando você diz que está vendo o Brasil como um mercado potencial para o continente africano, o que isso significa?
Nunes – Vou tentar explicar o nosso ponto de vista. Esta rede digital é uma rede que tem duas ligações, tanto para potencializar o Brasil, o mercado brasileiro, como para potencializar o mercado africano. Visto que nós temos uma relação bidirecional, isto é, nós podemos vender os serviços na África vindos do Brasil, como, por exemplo, produtos digitais que o Brasil já está a produzir e que podemos vender na África. Nesse caso, o Brasil é um fornecedor potencial para a África. Por outro lado, a África pode também fornecer determinados serviços que o Brasil queira comprar.
O fato de o Brasil poder fazer ligações diretas para a Europa através do cabo do SACS é uma opção [ para clientes brasileiros]. Nós temos cabos submarinos que vão desde a Angola até a Europa e o Brasil poderá ter conectividade direta entre Brasil e Europa sem ter que passar pelos EUA e também o potencial de uso dos serviços do próprio Brasil.
Tele.Síntese – Quando você fala no potencial de o Brasil vender serviços digitais para a Africa, você esta pensando em que tipo de serviço digital?
Nunes – Os diversos serviços que o Brasil tem. Vou dar um exemplo; o Brasil está desenvolvendo produtos na área da agricultura, e já tem produtos agrícolas interessantíssimos apoiados na internet das coisas e no suporte digital. A partir desses serviços que o Brasil está desenvolvendo, podemos usar os cabos submarinos e levar esses serviços para lá. E já temos fazendas na África que estão usando a tecnologia brasileira. O impacto de nós termos um cabo com baixa latência pode expandir muito a adoção desses produtos digitais voltados para a agricultura na África, no exemplo que estamos citando.
Outra coisa, o Brasil está desenvolvendo tipos de sensores que são colocados no gado e consegue-se uma leitura do padrão do gado. Aproveitando essas bases de dados que estão no Brasil e que podem fazer a análise da informação, nós podemos ter os sensores na África, instalados no gado africano, para fazermos análise da informação no centro de investigação no Brasil. Essas são as grandes vantagens que as infraestruturas vão trazer para ambos os mercados, tanto o mercado brasileiro como o mercado africano.
Tele.Síntese – Você citou o mercado agrícola. Você vê também essas possibilidades em outras verticais, como saúde, educação, cidades digitais?
Nunes – Exatamente. Eu dei o exemplo da agricultura, mas nós temos outros exemplos. A educação é um dos exemplos fundamentais. O Brasil tem um monte de serviços digitais já desenvolvidos que os países de língua portuguesa podem usar diretamente. Os demais países africanos podem usar posteriormente com as possíveis traduções desses mesmos serviços.
Tele.Síntese – Na outra ponta você tem, através do Monet, a ligação Brasil com a América do Norte. O cabo já está em operação? A demanda inicial está dentro das suas expectativas?
Nunes – Esse cabo começou a passar agora. Semana passada [final de novembro de 2017] nós começamos os testes dos cabos, então ainda não dá para termos esse tipo de análise concreta. Ainda estamos em uma fase de implementação e testes da infraestrutura. Relativamente, há uma demanda no mercado brasileiro.
Tele.Síntese – Então, você acredita que a principal demanda vá ser do próprio mercado brasileiro?
Nunes – Sem dúvida.
Tele.Síntese – E como é que você esta vendo a perspectiva da operação do data center, em Fortaleza, que deve entrar em operação no primeiro semestre de 2018?
Nunes – Nós temos muita procura para o data center de Fortaleza, muitos clientes que atendemos já solicitaram espaço e estamos na expectativa, criando iniciativas para a área para continuar os negócios. A expectativa daquilo que eles pedem é a conclusão de um país de contraste. Estamos vendo os casos e as condições, mas as expectativas são animadoras.
Tele.Síntese – Depois desse ciclo de investimentos elevados para uma empresa jovem, qual é o novo ciclo que vocês vão fazer? Vocês vão reforçar a conexão com a Europa e, depois fechar alguns anéis em território norte-americano?
Nunes – O ciclo EUA/Europa é relativamente simples para nós porque há muitos cabos no Atlântico Norte e há muitos cabos para serem instalados. Portanto, nós vamos efetivamente adquirir capacidade de terceiros em função da demanda dos nossos clientes. Eventualmente, vamos complementar algum link dentro dos Estados Unidos em função das demandas de clientes.
Nosso próximo passo é rentabilizar as infraestruturas que temos e otimizar ao máximo nossa operação para podermos ter um retorno dos investimentos que estamos fazendo neste momento.
Tele.Síntese – E como é que é para uma empresa do porte da Angola Cables, uma empresa de médio porte frente aos gigantes do mundo dos cabos submarinos, ser competitiva nesse mercado? Você tem que ter um foco específico? Como é o jogo?
Nunes – O jogo é um desafio que está baseado na entrega dos serviços. Hoje, a competitividade de um cliente final não está muito relacionada ao fato de se o cliente que está prestando o serviço é grande ou pequeno. Então, tendo uma conectividade de serviços adequada e sendo competitivo em preço, nós estamos conseguindo sobreviver. O segredo do negócio na atualidade, não só nos cabos submarinos, mas em todo o ramo da indústria, é a qualidade da prestação do serviço.
Tele.Síntese – A prioridade de vocês é realmente o continente africano?
Nunes – Hoje, não só o continente africano. Nós temos uma grande conectividade no continente africano. Naturalmente que o Brasil vai ser, muito em breve, uma das nossas grandes preocupações também. O Brasil é um grande mercado e para nós é um mercado muito importante. A opinião dos clientes brasileiros para nós é muito importante.
Tele.Síntese – Essa questão da relação Africa/Brasil para vocês é muito relevante pela proximidade, pelas afinidades, pelos países de língua portuguesa?
Nunes – Exatamente. Nós somos construtores e construímos de uma forma universal entre o Brasil e os países africanos, e é extremamente importante essa relação do desenvolvimento dos negócios brasileiros no resto do mundo. Quanto mais serviços brasileiros espalhados na África, maior a nossa chance de realizar negócios.
Tele.Síntese – Como você vê, nos próximos dez anos, a evolução dos fluxos dos dados e, dentro disso, o mercado da infraestrutura de cabos submarinos por onde trafegam a quase totalidade dos dados?
Nunes – A minha visão é a seguinte; nesse momento as economias mundiais estão digitalizadas e é uma evolução muito rápida. Por isso, a otimização da internet das coisas vai ser algo que vai entrar ou já entrou, eu diria, diretamente nas nossas vidas e vai cada vez mais entrar nas nossas economias. Por isso, a probabilidade de nós, muito rapidamente, nos próximos vinte e cinco anos estarmos perfeitamente digitalizados é muito grande. Porque que isso na minha opinião virá dessa maneira? Porque é mais simples e mais eficiente e o nível de produção é maior.
Tendo em conta que a digitalização nas economias e na vida das pessoas estão cada vez maiores, os cabos submarinos vão ser fundamentais para podermos sustentar essas redes de suporte para a nossa vida. Na minha opinião, os cabos submarinos essenciais para essa evolução.
Tele.Síntese – Vocês fizeram algumas parcerias, algumas joint ventures para o desenvolvimento da empresa nesse primeiro período. Para o próximo período vocês pensam em novas parcerias?
Nunes – O mundo hoje é feito de parcerias. As grandes empresas precisam das pequenas e médias empresas para sobreviver e as infraestruturas estão cada vez mais partilhadas, porque o que se quer é uma maior eficiência do processo. Nós, naturalmente, vamos continuar a conseguir parcerias e continuar a desenvolver parcerias ao longo do nosso processo, porque nós somos uma pequena empresa que temos condições de ser uma grande empresa. E, para esse mercado, temos que ter parcerias em termos de âncoras.
Tele.Síntese – A Angola Cables começou a operar, em 2012, como uma empresa local. Como se transformou numa multinacional?
Nunes – A empresa começou como gestora da infraestrutura das operadoras angolanas para sua capacidade operacional em nível do continente africano. Mas, com as novas infraestruturas internacionais, tendo ligação com o Brasil e EUA, passamos a ser, relativamente, uma multinacional em que prestamos serviços fundamentalmente em nível do Atlântico. Temos expectativa de passarmos a oferecer serviços para a Ásia, até porque nós podemos ser o ponto intermediário entre Ásia e América do Sul. Podemos puxar tráfego asiático que vá fluir para América do Sul, criar um novo potencial de mercado, tanto para o mercado sul-americano como para o mercado asiático.
Tele.Síntese – Essa é uma perspectiva futura?
Nunes – Eu diria que é uma perspectiva futura. Nós já estamos comercializando com a Ásia e desenvolvendo parcerias com o Oriente Médio. Não é algo que estamos investindo muito, porque hoje nosso foco principal é o Brasil. Mas depois vamos seguir para a Ásia.
Tele.Síntese – Pelo que entendi vocês não tem infra-estrutura própria com a Ásia. Trocam capacidade?
Nunes – Exatamente. Nós trocamos capacidade com a Ásia, entre aquele continente e a América do Sul. São outras infraestruturas que usamos. Nós temos uma parceria com cabo que parte da Índia, que desce a África e, fazendo essa parceria com nossas infraestruturas, passamos a ter capacidade na Ásia também.
Tele.Síntese – Com a atuação da Angola Cables na África já perceberam um deslocamento de parte do conteúdo antes concentrado nos Estados Unidos e Europa sendo deslocado para mais perto do consumidor africano, o que barateia o custo de acesso e a qualidade?
Nunes – Já. Nós já vimos uma mudança significativa muito grande, nos últimos três anos, na indústria dos grandes países internacionais para o mercado africano. Um dos grandes players anunciou este ano que vai montar, inclusive, data centers em países africanos. O fato de termos players africanos criando essas infraestruturas está atraindo as empresas de conteúdo para o mercado africano.