Uma carta na manga: o Fust exclusivamente para a concessão no novo modelo
Se já há uma grande articulação para a liberação do patrimônio das concessionárias de telecomunicações para fazer investimento nas redes de banda larga através de mudanças na Lei Geral de Telecomunicações, ainda não há qualquer consenso sobre se é possível acabar de vez – seja pela Lei, seja por decreto – com as concessões de telefonia atualmente existentes.
Para liberar os bens reversíveis à União – concretamente único recurso (que não é novo), mas disponível, para se ampliar a construção de redes de banda larga para além do business plan de cada operadora é preciso antecipar o fim da concessão de telefonia fixa, cujo prazo para acabar está determinado em 2025.
Se há certo consenso entre empresariado, técnicos da Anatel e economistas de que as concessões de telefonia fixa não se aguentam mais e não vão mesmo suportar outros nove anos nesse regime, a questão é saber se ela pode ser mesmo extinta.
Pelo sim pelo não, o conselheiro Igor de Freitas, o primeiro da Anatel a dar a cara a tapa e apresentar uma proposta ousada, colocando um fim nas atuais concessões tais como as conhecemos atualmente e transformando quase toda a exploração do serviço de telefonia fixa em regime privado, preferiu ser prudente e manter algumas pequenas “ilhas” de concessões, onde ficariam instalados os orelhões, para regiões longínquas e de difícil acesso.
O conselheiro Rodrigo Zerbone, por sua vez, em sua proposta, resolveu resgatar a concessão tal como ela é hoje, até que fosse criado um serviço único, em regime privado, mas que poderia ter várias obrigações regulatórias ex-ante.
O conselheiro Otávio Rodrigues, terceiro a pedir vistas, resolveu esperar pela consolidação do estudo da consultoria externa e da área técnica, antes de emitir o voto/parecer.
O que vem por aí
E a proposta da área técnica, que já está pronta e em análise pela Procuradoria da Anatel, é bem mais radical no que se refere à discussão da dicotomia concessão versus autorização. Para os técnicos, não há dúvidas de que só pode haver no Brasil serviço em regime privado, não mais em regime público.
Para isso, avaliam os técnicos, não é preciso nem mexer na LGT. Mas se o governo quer assim, é melhor, pois daria mais respaldo social. “Nós não vamos acabar com as concessões, e sim com as concessionárias”, afirma a fonte.
Pode parecer uma retórica vazia, mas a diferença é mesmo muito grande. Ao propor acabar com as atuais concessionárias, acaba-se também com os bens reversíveis delas. A proposta é converter o saldo existente (e não o valor dos bens em si) em investimentos em banda larga. O cálculo seria confirmado pelo Tribunal de Contas da União, que deveria girar em torno do valor já divulgado pelo TCU e assumido pelo Ministério da Fazenda, em seu estudo, de R$ 17 bilhões.
Para essa proposta conseguir avançar com a expansão da infraestrutura e com a prestação de serviço fora dos limites do interesse privado, a intenção dos técnicos da Anatel é criar, então, a licença única (e não o serviço único). Ou seja, todos os serviços ficariam unidos em uma única outorga, para quem quisesse migrar de condição. Só que nessa nova licença viriam também os condicionamentos dos serviços antigos (como as obrigações de cobertura dos editais do SMP, por exemplo) e os novos condicionamentos (as novas metas de cobertura da banda larga).
Sem obrigatoriedade para nenhuma empresa, mas seria pegar, ou largar. Todos os grandes grupos, na prática, não terão outra saída a não ser pegar.
FUST
O interessante no projeto de lei do deputado Daniel Vilela, o PL 3453/2015, que o governo interino Michel Temer elegeu para ser o porta-voz das mudanças do marco regulatório, não há qualquer referência a mudanças na Lei do Fust, fundo de universalização das telecomunicações.
Sempre se argumentou que a lei desse fundo é que não deixa que os recursos arrecadados até hoje – R$ 19,5 bilhões – fossem aplicados, porque eles estariam destinados para a telefonia fixa, que já foi universalizada há tempos.
Mas essa lei determina que os recursos devam ir para os serviços explorados em regime público, e para a banda larga nas escolas. Assim, essa lei que sempre serviu de argumento de entrave para a aplicação de recursos arrecadados para novos investimentos no setor poderá ser a carta na manga a aparecer no momento certo, se ficar intransponível o impasse sobre o fim da concessão.
Se não se conseguir pacificar os juristas nem a sociedade organizada sobre o término das concessões, a ideia é fazer um chamamento para apresentação de projetos de telecom com uso de recursos do Fust, mas sob concessão. Ou seja, recursos públicos só seriam usados sob o manto do serviço público, ou da concessão. E aí pode entrar qualquer serviço: banda larga, móvel, etc.
O problema é saber se algum governo vai liberar algum naco desse dinheiro para o setor. Mas aí, lembram os técnicos, vale de novo resgatar a decisão do TCU recente: ou se usa o dinheiro do Fust para o que foi criado, ou termina a contribuição.