“TV paga ainda tem janela de tempo para se reiventar”, afirma José Félix

O presidente do grupo América Móvil, José Antonio Félix, acha que a TV paga ainda tem um certo tempo antes de bater de frente com a competição do vídeo via streaming (como o Netflix), por exemplo. E ele acredita que o setor de telecom é que vai acabar ganhando a corrida pela inovação frente o mundo da internet. No front brasileiro, ele entende que o próprio mercado vai querer acabar com a atual divisão entre distribuidor e produtos de conteúdo audiovisual

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O presidente do grupo América Móvil, José Antonio Félix, acha que a TV paga ainda tem um certo tempo antes de bater de frente com a competição do vídeo via streaming (como o Netflix), por exemplo. Tempo esse medido pelas diferentes gerações. Ele aposta firme no crescimento do mercado brasileiro da telefonia móvel e no melhor desempenho das empresas de seu grupo este ano. Leia aqui os principais trechos da entrevista:

Tele.Síntese: Você está mais animado com a economia do país e situação da empresa para este ano?

José Félix: Houve um momento no ano passado em  que disse que via mais animação do que dados concretos. Mas agora que avisam que a arrecadação do governo cresceu, já é um excelente dado concreto. Se isso for verdadeiro e começar a acontecer, me entusiasma. De fato nós vamos crescer esse ano. Espera-se o crescimento de zero vírgula alguma coisa, e crescimento de três no ano que vem.

Tele.Síntese: Essa expectativa é para a economia e para a empresa também?

Félix: A empresa,  acho que cresce um pouco mais.

Tele.Síntese: Em todos os segmentos?

Félix: Em todos os segmentos. Sendo que Pay-TV  é o grande desafio. Banda larga vai crescer como sempre cresce, pelo espaço que tem ainda. E telefonia celular é a grande oportunidade. Telefonia celular é de onde mais vamos tirar crescimento nos próximos anos.

Tele.Síntese: Você acha possível a Claro voltar ao segundo lugar?

Félix: A Claro não saiu do segundo lugar.

Tele.Síntese: A TIM ocupou.

Félix: Nãooo. Nada a ver! A Claro, em Pré-pago, é segundo lugar, após a TIM. E em Pós-pago ela é segundo lugar após a Vivo. E quando você junta as duas coisas, a Claro sempre foi terceiro lugar. É engraçado isso. É uma coisa etérea, juntar coisas tão díspares (Pré e Pós). Porque,  do ponto de vista de negócio,  é a mesma coisa que você vender  em uma mesma revenda iates e carros e somar as duas coisas para ver que bicho dá no fim do mês.

Tele.Síntese: Mas no final tudo é móvel. É por isso que se juntam (risos).

Félix: Mas é isso que faz a simplificação, você junta um negócio que faz de 40 a 50 milhões com um mercado deste tamaninho com um negócio que faz 10 milhões com um mercado desse tamanhão. Se dentro da sua casa você fizer essa análise somada, você está morta.

Tele.Síntese: Mas no fim, as empresas, de qualquer forma, precisam dos dois. Ou não? Na crise, todas elas tenderam a ir atrás dos Pós, não é?

Félix: Acho que não é na crise. É o tempo todo. A vida inteira. As empresas de celular resolveram sair atrás do pós publicamente, porque houve uma mudança muito grande no mercado de pré-pago , em função da queda da VUM. As pessoas começaram a abandonar um monte de chips e começaram a usar um único chip. E como o pós é muito mais rentável do ponto de vista de ARPU (conta média), todo mundo começou a focar a estratégia em pós, quando na verdade a estratégia dessas empresas sempre foi focada em pós. Eu nunca falei isso. Aliás, o pré me interessa bastante, porque é um grande gerador de ingressos. O Pré trás para dentro de casa uma receita respeitável.

Tele.Síntese : Por que a TV paga é o  maior desafio deste ano?

Félix: De todos os negócios de telecomunicações, a TV paga sempre foi a que teve mais dificuldade de ampliar a cobertura. Sempre se discutiu coisas da natureza do brasileiro, se tem cultura ou não de pagar para assistir à televisão. Sempre dizem que o Brasil tem excelentes TVs abertas, como a Globo, por exemplo, e aí as pessoas não tem o hábito de pagar.

Tele.Síntese: E você concorda com isso?

Félix: Sim, eu concordo. Entretanto, eu concordo também que ter televisão paga sempre foi um objeto de desejo. Hoje para mim está muito claro que só não tem televisão paga quem não pode pagar por ela.

Tele.Síntese: Você  não acha que as opções de streaming  afeta essa sua certeza?

Félix. Não são comparáveis. As opções de streaming são outras coisas, diferente de TV paga. Elas podem competir eventualmente com gerações de mais novas idade, que é um problema que a TV paga vai ter que resolver. Nós, da Net e Claro estamos tentando achar uma solução para isso. Estamos fazendo através do Claro Now, do próprio Claro Vídeo, começando a entregar para o assinante as nossas soluções de streaming, porque, não há dúvidas, é inegável que a juventude tem uma afinidade maior com o streaming do que com a televisão. Já em uma faixa etária superior, que graças a Deus é aquela que pode pagar a conta, funciona melhor com a televisão.  Por isso acho que a TV paga tem uma janela de tempo para se reinventar.

Tele.Síntese: Você acha que é a indústria de telecom que vai conseguir fazer isso? Hoje, os movimentos de inovação vem pela  internet. A indústria de telecom ainda não aprendeu a inovar. Ela tem um dilema concreto, pois enfrenta um a redução de receita dramática

Félix: É um bom ponto. Entretanto, a indústria de telecom tem debatido muito essa questão e tem investido cada vez mais na área de inovação. Passei por uma experiência que pode servir como analogia. Quando nós começamos televisão paga no Brasil, toda a rede de televisão era em um sentido só, e quando começou a história de que íamos fazer banda larga, foi um caos dentro da companhia, porque a gente não sabia fazer. Éramos velhos demais. Embora fôssemos novos, nós éramos velhos. O técnico só sabia trabalhar em uma rede unidirecional, onde o ruído não era importante. Entretanto, a gente aprendeu e  não tenho dúvidas de que somos o melhor nessa coisa de transmissão de dados, de internet. Pode ir atrás que não vai achar.

Tele.Síntese: Você acha que a indústria está se apropriando desse conhecimento?

Félix: Era o que eu ia dizer. Nós temos laboratórios de estudos, nós temos áreas inteiras dedicadas ao aprendizado. Nós temos gente focada na transformação da companhia para uma empresa digital. Nós vamos aprender, eu tenho certeza. Os únicos que vejo tentando formar um ecossistema, somos nós. É a América Movil, é a Telefônica são as telcos. Esses tem um projeto, o resto não.

Tele.Síntese: A AT&T, nos Estados Unidos,  está comprando empresas de conteúdo. No Brasil, a lei do SeAC não permite isso.

Félix: Acho sinceramente que essa coisa do Brasil “ser desse jeito” vai ficar velha logo. Daqui a pouco as pessoas vão se dar conta de que essa divisão não é tão importante quanto se pensa. De repente vão se dar conta que sem a integração das duas coisas fica complicado para os dois lados. É uma questão de tempo, sinceramente eu acho isso.

Tele.Síntese: Mas você acha que a mudanças dessa lei vai vir em um momento certo? Por enquanto ainda não está se sentindo essa necessidade, objetivamente, não?

Félix: Objetivamente não, mas eu acho que vai vir. O Brasil está sempre atrasado, infelizmente. Nós não somos, que eu saiba, um dos países mais avançados do mundo. O nosso país anda aos trancos e barrancos. Vai andar aos trancos e barrancos e isso aí também vai. Mas vai chegar a um ponto que as pessoas vão ver que tem que mudar, e senão mudar algo ruim vai acontecer.

Tele.Síntese:  Em relação à Telebras, qual a visão de seu grupo?

Félix: Os órgãos públicos estão pagando mais caro para ter a Telebras

Tele.Síntese: Como assim?

Félix: Mais caro! Porque o que acontece? Você contrata a Telebras e a Telebras contrata a rede de operadora privada para prestar o serviço aos órgãos públicos.

Tele.Síntese: A Telebras vira só uma intermediária, na verdade?

Félix: Sim. Deve ter lá uma infraestrutura  que contribua, mas de fato é isso que está acontecendo. E onde é que estão as questões de segurança nacional?  Porque é em cima dessa lei que estão embasando as contratações.

Tele.Síntese: Por enquanto, estou entendendo que a Embratel não vai vender  sua capacidade satelital de banda Ka para usuário final. Ela seria só para consumo de vocês e corporativo, né?

Félix: Se for um negócio espetacular, vai entrar no varejo, é claro. Mas, pensa comigo, aonde  tem muita oportunidade às vezes tem uma certa dificuldade de instalar.

Tele.Síntese: Por quê? Não é só colocar uma antena?

Félix: Não. Tem que manter. Essa é uma das dificuldades também. A logística.

Tele.Síntese: Mas e as periferias das grandes cidades? As redes fixas não chegam, não tem muita demanda.

Félix: Isso ai seria uma nova TV por assinatura.

Tele.Síntese: Como é que você está vendo a Oi como competidor?

Félix: A Oi está sendo um competidor bastante complexo. A Oi visivelmente está com uma estratégia de ter baixado os preços. Em telefonia celular, ela baixou muito os preços. A Oi é uma empresa que tem que resolver os seus problemas. Ninguém sabe como nem quando nem de que jeito.

Tele.Síntese: Você imagina o mercado sem a Oi? Sem a rede da Oi?

Félix: Não. Eu acho que isso não vai acontecer.

Tele.Síntese :Em relação ao PLC 79, o grupo que representa está mais confortável,não? Por que tem poucos bens reversíveis..

Félix: Sim, mas tem a questão das frequências, que é fundamental. 

Tele.Síntese: Mas o Ministério Público está falando que, quando a Anatel faz  leilão de espectro, ela faz o cálculo do  VPL de quinze anos mais (+) quinze anos. É isso que o ministério não aceita. Vocês compraram por trinta anos, como é que vocês vão ter, agora,  para a vida eterna?

Félix: Mas não é vida eterna. Ela vai ter um novo preço. Ela é onerosa.

Tele.Síntese: Vai ter um novo preço com base em que critérios, se não vai ser uma licitação?

Félix: Lá na frente você vê ou estabelece agora. Vai fazer tudo de novo. Você vai botar aquilo que é justo, aquilo que faz sentido.  Porque daqui a trinta anos, pensa o paradoxo que vai se criar? Imagina se outra empresa vence a frequência da Claro? Como é que  vai prestar o serviço? Vai levar vários anos para montar a rede de novo. Como é que fica o assinante? Porque a Claro tem o direito, até onde eu saiba, de pegar suas torres, seu material, desligar tudo e ir embora e usar em outro lugar, no Peru, na Colômbia, na Argentina. Então, o que agora está sendo visto como um absurdo, no meu entendimento, e eu tenho a opinião de várias pessoas (porque eu também achei um absurdo no início) é a coisa mais normal do mundo nos outros países. E está se fazendo um Auê. Existe muito desconhecimento no país e além do desconhecimento existe muita, falta de planejamento, falta de discussão, falta de entendimento.

 

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Miriam Aquino

Jornalista há mais de 30 anos, é diretora da Momento Editorial e responsável pela sucursal de Brasília. Especializou-se nas áreas de telecomunicações e de Tecnologia da Informação, e tem ampla experiência no acompanhamento de políticas públicas e dos assuntos regulatórios.
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