TCU: Desoneração da folha se afastou das causas originais, diz relator das contas de 2023

Em voto, Vital do Rêgo, afirma que benefício fiscal se encontra em “estágio de acomodação” e deve ser condicionado à comprovação das contrapartidas.
Foto: TCU/Divulgação
Ministro Vital do Rêgo apresentou análise da desoneração da foha em voto sobre as contas do governo | Foto: TCU/Divulgação

O relator da análise de contas do governo federal no exercício de 2023, ministro Vital do Rêgo, do Tribunal de Contas da União (TCU), recomendou que o Estado passe a condicionar a desoneração da folha à “comprovação inequívoca de resultados compensadores” em relação aos seus objetivos, entre eles, a geração de emprego formal e a valorização da renda. A observação consta no voto de aprovação, com ressalvas, das contas do presidente Lula no exercício de 2023, acolhido por unanimidade pela Corte nesta quarta-feira, 12.

O minitro alerta o governo para não ampliar benefícios fiscais em cenário de déficit fiscal e dedica uma análise específica às renúncias que envolvem a seguridade. A conclusão é de que “a desoneração da folha agrava ainda mais o pesado desequilíbrio das contas da Previdência Social”.

“A desoneração da folha foi modelada diante de uma conjuntura absolutamente especial, mas continuou indefinidamente, mesmo depois de se afastar das suas causas determinantes“, frisa no voto.

O texto reconhece que a política pública “possa ter dado algum ganho no seu primeiro momento, porém, à medida que foi sendo prorrogada, passou para o estágio da acomodação”. “Numa parte, propendeu a ignorar os seus objetivos fundantes (fortalecer a competitividade externa, resgatar setores específicos, proteger as relações trabalhistas), e noutra parte não tem sido capaz de implementá-los (abrir empregos, reforçar a renda)”, complementa.

Critica-se que os setores beneficiados não estariam “engajados na conquista daqueles objetivos e, provavelmente, até de maneira involuntária, com o tempo foram encontrando outras formas de se valerem das economias decorrentes do tributo pago a menor, que decerto acabaram diluídas na cobertura geral das suas planilhas de custos”.

“É assim, então, que a desoneração da folha caminha para se transformar, de uma política pública pelo menos vocacionalmente meritória, em nada mais do que algo como uma subvenção econômica pela qual o Estado apenas participa do custeio das atividades produtivas”, consta no voto.

O entendimento é o contrário do que alegam as empresas, que vêm compilando números para demonstrar impactos positivos da medida. Levantamento da Federação Nacional de Call Center, Instalação e Manutenção de Infraestrutura de Redes de Telecomunicações e de Informática (Feninfra), por exemplo, alega que prerrogativa foi responsável pelo aumento de 17,5% dos postos de trabalho e de 39,8% nos valores dos salários entre 2017 e 2022.

Dados

Na análise, o relator ressaltou que a desoneração foi criada para cinco setores  – tecnologia da informação, TI e comunicação e as indústrias moveleira, de confecções e de artefatos de couro, – no cenário de impacto da crise financeira internacional de 2008, em Medida Provisória editada em 2011. Originalmente, a vigência seria de um ano e meio, mas vem sendo prorrogada desde então, chegando atualmente a 17 setores da economia.

“No quesito da competitividade da indústria nacional, verdadeiro fundamento da desoneração que induziria a consecução dos demais objetivos, a inclusão de setores que nada têm a ver com exportações, como os de serviços de call center, transporte rodoviário coletivo e transporte metroviário de passageiros, se desviou da mens legis [essência]”, diz o ministro no voto.

Para analisar os resultados da desoneração, Vital do Rêgo reuniu diferentes estudos produzidos por órgãos e instituições públicas desde os primeiros anos da desoneração. Entre eles, levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que compilou dados recentemente, considerando os anos de 2012 a 2022, indicando que “enquanto empresas privadas de outros setores expandiram em 6,3% seus empregos com carteira (mais 1,7 milhão), as desoneradas encolheram os seus em 13,0% ( menos 960 mil)”.

A avaliação refutou os impactos referentes a outras motivações para a instituição do benefício fiscal, para além da geração de emprego e competitividade. São eles:

  • Renda

Entende-se que o movimento obtido na renda dos trabalhadores entre 2012 e 2023, “parece também não ter relação com a desoneração da folha”.

“Embora o rendimento médio anual, do universo de trabalhadores, tenha ascendido de 2016 a 2020, nota-se que em 2015, ano em que houve o maior suporte financeiro para o setor produtivo, em função da desoneração, a renda baixou. Além disso, 2022 registrou a segunda pior renda desde 2013, mesmo com a desoneração vigente durante todo esse intervalo”, observa o ministro.

  • Vínculo empregatício

O relatório cita pesquisa do IBGE a qual aponta que “em 2021, dos 13,2 milhões de MEls, 9,2 milhões (70%) estiveram no mercado formal de trabalho no período entre 2009 e 2021″, comprovando ter havido uma acentuada substituição de empregados celetistas por microempreendedores desprovidos dos direitos trabalhistas tradicionais”.

Alternativas

Por fim, a avaliação sobre a desoneração no voto é concluída apresentando alternativas de políticas públicas de combate ao desemprego e estímulo à formação de renda que não seriam contraindicadas na questão fiscal.

Entre os exemplos mencionados está o Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado, regido, no presente, pela Lei 13.636/2018, o qual emprega recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador e dos fundos constitucionais de financiamento.

Acesse a íntegra do relatório aprovado pelo TCU neste link.

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Carolina Cruz

Repórter com trajetória em redações da Rede Globo e Grupo Cofina. Atualmente na cobertura de telecom nos Três Poderes, em Brasília, e da inovação, onde ela estiver.

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