Salvio: O papel da Anatel no fortalecimento dos valores ESG

Gabriella de Salvio, sócia de TMT de Souto Correa Advogados, fala sobre ações da Anatel que têm levado as temáticas ESG às pautas internas das empresas do setor
Papel da Anatel no fortalecimento dos valores ESG
Gabriella de Salvio falou sobre ações da Anatel para elevar temáticas ESG | Foto: Divulgação

Por Gabriella de Salvio*

Não há dúvidas de que a temática ESG (Environmental, Social and Governance, do inglês) entrou para ficar nos diversos setores da economia brasileira, e não é diferente em telecom.

Há algumas semanas, participei do painel “Inovando em ESG: como circular valores ESG no mercado de telecomunicações” no evento Abrint 2024. E, na ocasião, dividi com o público, ações recentes da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), seja de caráter interno, seja de caráter externo com efeito junto a seus administrados e à sociedade, que têm levado – e elevado em termos de relevância – as temáticas ESG (Environmental, Social and Governance, do inglês) às pautas internas das empresas do setor.

A Anatel, ao longo do tempo, tem, de fato, reforçado seu compromisso em implementar ações que envolvam os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030, estabelecida na Cúpula da Nações Unidas (ONU) em 2015, e que é um chamado global para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e garantir prosperidade para todos.

Nesse contexto, a Anatel, por meio da Resolução Interna nº 38, de 09/08/2021 e atualizada em 25/03/2024, instituiu a Política de Governança, Gestão Executiva e Responsabilidade Socioambiental da Agência Nacional de Telecomunicações (PGGR), de modo a promover ações de governança e transparência, bem como a observância dos ODS da ONU na atuação estratégica da Agência.

Além disso, a Anatel tem trabalhado ativamente para integrar esses objetivos em suas iniciativas e decisões. A Agenda Regulatória 2023-2024 da agência já inclui alguns temas que visam à abordagem dos conceitos ESG.

A título exemplificativo, temos:

(i) Reavaliação do Regulamento Geral de Acessibilidade (RGA), objeto da Tomada de Subsídios n° 6, finalizada no dia 28/06/2024.

Os questionamentos propostos buscam coletar informações a fim de identificar medidas de acessibilidade para expandir a inclusão digital das pessoas com deficiência (por exemplo, propondo melhorias à Central de Intermediação de Comunicação – CIC) e de outros grupos vulneráveis, envolvendo os ODS 4 (educação de qualidade), 5 (igualdade de gênero) e 10 (redução das desigualdades).

(ii) Atualização do Regulamento para Coleta de Dados Setoriais, objeto da Consulta Pública n° 71/2023, finalizada em 07/02/2024, que prevê a implementação de melhorais associada à coleta de dados setoriais pela agência.
Tal atualização prevê a adequação à Política de Governança, Gestão Executiva e Responsabilidade Socioambiental da Anatel, relevante iniciativa para a aplicação dos conceitos ESG nas ações da Agência que em seu art. 1º, parágrafo 2º dispõe justamente que:

“os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU) deverão ser observados nas ações promovidas pela Anatel por meio desta Política.”

(iii) Reavaliação do Regulamento de Aplicação de Sanções Administrativas da Anatel (RASA), objeto da Consulta Pública n° 25, finalizada em 24/06/2024.

Nos termos da Análise nº 63/2024/VA, de 06/05/2024 do Conselheiro Vicente Aquino, este tema está “intrinsicamente ligado ao Objetivo 16 (promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis), em especial às metas 16.6 (“desenvolver instituições eficazes, responsáveis e transparentes em todos os níveis”), 16.7 (“garantir a tomada de decisão responsiva, inclusiva, participativa e representativa em todos os níveis”) e 16.10 (“assegurar o acesso público à informação e proteger as liberdades fundamentais, em conformidade com a legislação nacional e os acordos internacionais”), da Agenda 2030 da ONU”.

Além disso, embora não incluído no texto em consulta, há indicação na descrição do Tema 10 da Agenda Regulatória quanto ao dever de se considerar a conversão de multas pecuniárias em obrigações de fazer voltadas ao cumprimento de metas ESG, em alinhamento com os ODS da Agenda 2030 da ONU.

(iv) Proposta de alteração do Regulamento de Segurança Cibernética Aplicada ao Setor de Telecomunicações, aprovada por unanimidade pelo Conselho Diretor, na última reunião do Conselho, de 04/07/2024.

Embora o Regulamento não tenha sido oficialmente publicado até a data da elaboração do presente artigo, sabe-se que a ideia inclui, conforme Tema 29 da Agenda Regulatória, “estudos para avaliação da competência da Anatel para regulamentação direta desses serviços, sem prejuízo de eventual disciplinamento do tema, que deve compreender aspectos associados à sustentabilidade ambiental dos modelos de negócios adotados, inclusive no que diz respeito ao consumo de energia, em alinhamento com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº 9 da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), que trata da indústria, inovação e infraestrutura e busca construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação”.

Aliás, em Relatório (minuta) de dezembro de 2023 do Conselheiro Alexandre Freire, ficou estabelecido que o estudo a ser desenvolvido deve apresentar:

“m) se a prestadora tem parâmetros para avaliar indicadores ESG na utilização/contratação de serviços de data centers, em termos de eficiência energética, uso de um sistema de resfriamento e gestão de lixo eletrônico e quais são esses parâmetros (ex. participação de fontes renováveis na oferta de energia elétrica para o data center)”.

(v) Projeto Comunicações Digitais Sustentáveis que visa à integração de um módulo ODS ao Sistema Eletrônico de Informações (SEI), apresentado pelo Conselheiro Alexandre Freire na última RCD, de 04/07/2024.

Orientada às ciências comportamentais, a iniciativa busca integrar os ODS aos ecossistema de telecomunicações brasileiro, e implementar esses objetivos na atuação da Agência e todos os agentes que utilizem o sistema. Desse modo, por meio de um módulo ODS no SEI ANATEL, os usuários poderão classificar o processo de acordo com os ODS e suas metas correlatas.

Nessa mesma linha, o Conselheiro Alexandre Freire também já se manifestara anteriormente, por meio da Portaria n. 2749, de dezembro de 2023, quanto à priorização de processos e de pedidos de audiência no âmbito de seu gabinete com base na Agenda 2030.

Ainda, em 26/06/2024, no 14.º Fórum das Comunicações da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) sob o tema “Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e o Sector das Comunicações”, em uma organização conjunta entre a ANACOM (Autoridade Nacional de Comunicações de Portugal) e a Associação de Reguladores de Comunicações e Telecomunicações da CPLP (ARCTEL), o mesmo Conselheiro, participou da mesa redonda “ODSs e Inovação” e tratou sobre a relevância da transparência do órgão regulador no processo de tomada de decisão, que pauta a conduta não só do conselho diretor, bem como da área técnica. Também, tratou da necessidade de serem estabelecidas melhores políticas sobre descarte sustentável, reciclagem e reuso.

Ainda, não em função de uma simples coincidência, mas como parte de um entendimento cada vez mais estruturado de que o tema ESG nas empresas em geral, e, em particular em telecom, não é uma tendência apenas, mas um caminho sem volta, pelo qual se espera o comprometimento de investidores, colaboradores e consumidores, começa a se identificar, na prática, no Brasil, movimentos de empresas que adotam due diligence em direitos humanos. A exemplo do que previu a Diretiva Corporate Sustainability Due Diligence, aprovada pelo Conselho da União Europeia em 24/05/2024, objetivo é garantir que na gestão de seus indicadores estratégicos e em seus processos com o público interno e externo as empresas observem critérios mínimos de respeito aos direitos fundamentais previstos pela ONU

As iniciativas da Anatel e do setor privado demostram a relevância do tema e a necessidade de, cada vez mais, pequenas e grandes empresas do setor voltarem seus esforços para a adoção de práticas nos pilares ESG. Para quem atua na implementação desses valores, sabe que, na prática, raramente são adotados de modo individualizado, mas representam um coroamento de práticas de sustentabilidade que tanto investidores quanto consumidores tem buscado como alicerce das atuações empresariais, ainda mais em um país como o Brasil com tanto potencial, mas que tanto precisa melhorar em todos os pilares dessas três singelas, mas imprescindíveis, letras do alfabeto.

* Gabriella de Salvio, sócia de TMT de Souto Correa Advogados, com a colaboração de Giovanna Soares, estagiária de TMT de Souto Correa Advogados.

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