Rossi e Zanatta: Brasil pode iniciar manifesto global contra franquia de dados

Franquias de dados possuem vários formatos. Quando um usuário de internet atinge o limite previsto, as operadoras da rede podem diminuir sua velocidade de conexão, cobrar taxas pelo excesso de uso ou até mesmo desconectá-lo. Mas qualquer que seja a variação de franquia utilizada, todas têm o mesmo efeito: elas desencorajam o uso da Internet e de suas aplicações inovadoras.

Rafael-Zanatta

 

 

 

*Agustin Rossi e Rafael Zanatta

Agustin-Rossi

A internet de banda larga fixa em nossas casas revolucionou a maneira como nos comunicamos com amigos e família, assim como nosso acesso à informação, notícias e entretenimento. Poucas coisas são mais importantes para o desenvolvimento de nossas sociedades, economias e democracias do que a certeza de que a população tem acesso a uma banda larga ilimitada e acessível em casa.

Ainda assim, provedores de conexão à internet em todo lugar do mundo estão trabalhando incansavelmente para impor franquias de dados, limites mensais na quantidade de dados que podem ser usados na sua conexão de banda larga fixa. Enquanto fazem isso, eles espalham o mito de que a internet banda larga é um recurso escasso, que deveria ser cobrado pelo seu uso. Felizmente, no Brasil, o Senado e a Comissão de Defesa dos Consumidores da Câmara dos Deputados já decidiram pela proibição de franquias de dados. Isso é algo que deveria ser copiado por legisladores e agências reguladoras em todo lugar.

Franquias de dados possuem vários formatos. Quando um usuário de internet atinge o limite previsto, as operadoras da rede podem diminuir sua velocidade de conexão, cobrar taxas pelo excesso de uso ou até mesmo desconectá-lo.  Mas qualquer que seja a variação de franquia utilizada, todas têm o mesmo efeito: elas desencorajam o uso da Internet e de suas aplicações inovadoras.

Pense no efeito que franquias teriam a artistas visuais, por exemplo. Filmes, fotografias, imagens de pinturas e outros trabalhos de arte são normalmente ricos em dados, o que requer uma significativa largura de banda. Esses artistas dependem da possibilidade de novas audiências descobrirem facilmente o seu trabalho, mas em um mundo com franquias as pessoas seriam provavelmente menos inclinadas a explorar coisas novas pela preocupação em excederem o limite de dados previsto. Isso é ainda pior para famílias de baixa renda: a Telefônica anunciou planos de internet banda larga com franquias de 20 gigabytes – quando uma hora de um vídeo HD consome quase 3 gigabytes! É claro que isso traria sérias limitações ao acesso à cultura e ao engajamento civil. Isso é um problema de justiça social.

As empresas provedoras de acesso à internet agem como oligopólios abusivos quando impõem franquias de dados. No Brasil, 85% de todas as conexões de internet fixa são controladas pela Telefônica (Vivo), Grupo Oi e Telecom America (Claro/NET). Nos Estados Unidos, as empresas Comcast e Charter têm cerca de 70% do mercado de banda larga fixa. Mesmo em grandes cidades americanas e brasileiras, consumidores podem apenas escolher por um provedor de banda larga. Se essas empresas mudarem os seus serviços unilateralmente e impuserem franquias pequenas a seus consumidores, o risco de “evasão consumerista” – consumidores mudando para um serviço diferente – é pequeno. Se por perto não há concorrência nem provedores de internet com sistemas de cobrança tradicionais, o consumidor tem apenas uma opção: aceitar as franquias de dados para continuar com o seu acesso à internet.

O debate brasileiro sobre as franquias mostrou que não há razões técnicas para limitações do tráfego na internet de banda larga fixa. Na verdade, franquias de dados deveriam ser entendidas como um tipo de “escassez artificial”. O Ministério da Justiça solicitou que provedores de conexão divulgassem informações sobre como “usuários pesados” afetam o congestionamento da rede. Nenhum estudo técnico confiável foi apresentado. Por outro lado, engenheiros do Comitê Gestor da Internet (CGI.br) alegaram que o congestionamento da rede poderia ser resolvido com maiores investimentos em pontos de troca de tráfego e redes de distribuição de conteúdo. Existem muitas opções de políticas para aumentar a velocidade do acesso à internet e da troca de dados que não envolvem a adoção de franquias como um sistema de cobrança.

A estrutura econômica desse mercado sugere que os provedores de conexão podem estar implementando franquias de dados em todo o mundo. Não é surpreendente que quase 2 milhões de brasileiros tenham assinado uma petição contra as franquias em 2016, e que 600.000 pessoas tenham dito “Sim”, em pesquisa online conduzida pelo Senado, a uma lei que cria um novo direito de “acesso à internet sem franquias de dados”. Consumidores agora sabem que franquias de dados não são para seu benefício, e que os argumentos técnicos sustentados pelos provedores de conexão são falsos.

O Congresso Nacional está prestes a modificar o Marco Civil da Internet – Lei que ficou conhecida como a “Constituição da Internet” – para estabelecer um novo direito: o direito de se conectar em casa sem franquias de dados impostas pelos provedores de conexão. Este poderia ser um novo tipo de “direito digital” no século XXI.

O Brasil pode dar início a uma manifestação global contra práticas de mercado que prejudicam consumidores de maneiras excessivas e injustas. No Brasil, como em outros países, a lei diz que “o acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania”. Mas isso pode não ser o suficiente. Devemos começar a falar sobre condições de acesso e acessibilidade também. Principalmente, consumidores em todo o mundo deveriam se fazer uma grande pergunta: não é hora de afirmar o direito de se conectar sem limites de dados?

  • Agustin Rossi e Rafael Zanatta, representantes do Public Knowledge e do Idec. 

 

 

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