Reconhecimento facial avança nas cidades e acende alerta sobre privacidade

Especialistas discutem limites legais e éticos do uso da tecnologia em eventos públicos e segurança urbana, em meio à expansão dos sistemas de vigilância no Brasil.

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O uso crescente da tecnologia de reconhecimento facial nas cidades brasileiras está no centro de um debate entre segurança pública e o direito à privacidade de dados dos cidadãos. Durante painel Smart Cities Mundi 2025, ontem, 28, promovido pelo Tele.Síntese, especialistas do setor público e privado discutiram os limites e os potenciais dessa ferramenta no contexto urbano.

Moderado por José Leça, presidente da Associação Brasileira de Direito da Tecnologia da Informação e das Comunicações (ABDTI), o painel destacou não apenas os avanços tecnológicos, mas também os desafios legais e éticos que envolvem a adoção dessa tecnologia. Gustavo Andrade Bruzzeguez, coordenador-geral de tecnologia e pesquisa da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), alertou que um grande volume de dados exige cuidados redobrados.

“A biometria facial é um dado sensível. Nada identifica mais o ser humano do que seu rosto. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) exige que o uso desses dados esteja claramente justificado”, afirmou. Ele explicou que o uso para segurança pública é, geralmente, restrito a entes estatais. Empresas privadas só podem atuar mediante autorização formal e sob a tutela de um órgão público.

Segundo Marcelo Leite, vice-presidente e head da Oi Soluções, a Oi Soluções tem investido fortemente no desenvolvimento de tecnologias voltadas para a segurança pública, com destaque para o reconhecimento facial, monitoramento de risco e leitura de placas veiculares. “Nosso papel é disponibilizar dados que gerem valor, principalmente para fins de segurança pública”, afirmou. A empresa já atende cerca de 40 mil clientes corporativos, com foco especial em órgãos públicos.

Caso Maracanã

Um dos exemplos vem do Maracanã, no Rio de Janeiro. A partir da nova Lei Geral do Esporte (2023), todos os estádios com capacidade acima de 20 mil pessoas passaram a ser obrigados a implementar sistemas de reconhecimento facial. Eduardo Roizman, CMO do estádio, destacou a relevância da tecnologia na jornada do torcedor.

“Temos uma oportunidade enorme de transformar a experiência do público. Já recebemos mais de 4 milhões de pessoas por ano. A segurança é o pilar inicial, mas queremos encantar o torcedor com fluidez e novas experiências”, disse Roizman. O sistema já trouxe benefícios como maior agilidade no acesso e redução de fraudes.

A iniciativa, no entanto, não está isenta de desafios. “O consentimento pode não ser necessário se o uso estiver amparado por uma obrigação legal, mas ainda assim é preciso garantir transparência total com o público”, afirmou Bruzzeguez.

A ANPD tem acompanhado de perto a implementação dessas tecnologias. Com apenas quatro anos de existência e estrutura enxuta, a autarquia tem um enorme desafio pela frente. “A regulamentação é responsiva. O nosso foco é trazer os atores para o compliance, mas, se não houver colaboração, abrimos processos sancionatórios”, explicou o coordenador da ANPD.

Segundo ele, é necessário desmistificar certos aspectos. “A biometria facial tem limitações técnicas. Há falhas conhecidas que exigem um olhar realista sobre sua eficácia para comprovação de identidade”, ponderou. Ainda assim, para Bruzzeguez, a digitalização da segurança pública é um caminho sem volta, desde que feito com responsabilidade, transparência e foco nos direitos fundamentais.

Como apontou Bruzzeguez, “o dono do tema continua sendo o Estado”. E o papel das instituições, tanto públicas quanto privadas, é garantir que essa tecnologia seja utilizada de forma ética, legal e transparente. “A promessa de cidades inteligentes passa necessariamente pela construção de uma governança de dados sólida, inclusiva e centrada no cidadão.”

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Simone Rodrigues

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