Política de sigilo em compras pode abrir caminho à espionagem cibernética
A aproximação entre o governo Bolsonaro e Israel chama a atenção do sociólogo Sergio Amadeu da Silveira não só em função das questões geopolíticas envolvidas na mudança da embaixada brasileira de Telaviv para Jerusalém. Mas do que poderá vir a representar uma ampliação das compras pelo Brasil, sem licitação, de sistemas inteligência de segurança cibernética de empresas israelenses. Como se sabe, Israel tem um grande número de startups nessa área e algumas dessas empresas, segundo denúncias veiculadas nos dois últimos anos, têm usado software de intrusão para espionar pessoas.
Em sua coluna publicada no site “Nocaute”, do jornalista Fernando Morais, Amadeu diz que o decreto 9637, editado pelo governo Temer no dia 26 de dezembro de 2018, portanto com o conhecimento da equipe de transição do governo eleito que tomaria posse em seguida, ampliou a lista dos equipamentos e sistemas de inteligência de segurança cibernética que podem ser comprados com dispensa de licitação, ou seja, sem acompanhamento dos órgão de controle e da sociedade. “De um lado ampliam a lista de bens e serviços dispensados de licitação. O referido decreto estabelece política da segurança da informação. De outro, a MP 870, que trata da organização dos órgão da Presidência da Republica e dos ministérios, deu mais funções à secretaria geral da Presidência, que vai cuidar tanto dos organismos internacionais como das organizações não governamentais dentro do país”, diz ele.
De fato, a Secretaria de Governo do novo governo tem entre suas atribuições: g) na implementação de políticas e ações destinadas à ampliação das oportunidades de investimento e emprego e da infraestrutura pública;
II – supervisionar, coordenar, monitorar e acompanhar as atividades e as ações dos organismos internacionais e das organizações não governamentais no
território nacional.
O que preocupa é que venha a se repetir no Brasil o que aconteceu no México, em 2017, cujo governo comprou um sistema de segurança de inteligência cibernética da empresa SPO Group, que tem o software Pegasus, denunciado como spyware por vários veículos inclusive o The Times of Israel. Segundo Amadeu, anteriormente, em 2016, já teriam tentando usar o software para espionar vários ativistas de direitos humanos. Um dos exemplos o ativista árabe Ahmed Mansur, dos Emirados Árabes Unidos, que recebeu várias mensagens sobre violações de direitos humanos. Mas ele desconfiou do teor das mensagens, enviou-as a um laboratório do Canadá de militantes para serem examinadas e o Pegasus, vírus de intrusão foi detectados. Javier Valdez, jornalista mexicano de oposição, morto em 2017, teve seu celular contaminado pelo vírus Pegasus, de acordo com denúncias de jornalistas e da imprensa daquele país.
Outra empresa israelense de sistemas de inteligência de segurança cibernética é Kandiru. Seu nome, lembra Amadeu, é o nome de um peixe da Amazônia que entra na uretra do banhista e se torna um parasita, sem ser percebido. “Exatamente como os hackers”, diz.
Ao fazer o alerta, o objetivo de Amadeu é chamar a atenção de todos os que defendem a democracia para o risco da vigilância ilegal das pessoas por meio da tecnologia seja na internet seja no celular. “Essa vigilância é proibida pela Constituição. Temos que estar atentos, ainda mais que as compras serão sigilosas.”