Polido: Desafios para o 5G no Brasil e as fronteiras da inclusão digital

Apesar do otimismo com o leilão 5G, é preciso pensar nos desafios que ainda persistem no acesso à internet no Brasil, com desigualdade sociais e regionais
Polido. Crédito: Divulgação
Fabrício Polido (Crédito: L.O. Baptista – Divulgação)

Fabricio Bertini Pasquot Polido *

O mês de novembro começou bastante agitado com leilão promovido pela Agência Nacional de Telecomunicações -Anatel- para as frequências de 5G, trazendo reflexões importantes para as proponentes da governança da internet no Brasil. O projeto da Agência contempla, à primeira vista, a tão esperada proposta de transformação radical da estrutura de conexão de alta-velocidade, além de oportunidades para ingresso de novos agentes nas indústrias de
internet e telecomunicações no mercado brasileiro de internet. No entanto, amargamos desafios anteriores e persistentes na derrocada da inclusão digital brasileira. O primeiro deles é representado pela já histórica desigualdade regional de distribuição de banda larga móvel celular e de banda larga fixa, além da estrutura deficitária instalada nas regiões, muito oscilante em termos de resiliência e qualidade. Em parte, essa trajetória é explicada por inúmeros fatores, tanto pelos desencontros regulatórios do Estado brasileiro ao longo do tempo como pela malfadada reforma da Lei Geral de Telecomunicações entre 2018 e 2019. Na ocasião, a modernização do marco legal não corrigiu distorções relacionadas à concorrência do setor, mantendo-se mais favorável para grandes operadoras do grupo CTV – Claro, Tim e Vivo-, em detrimento de pequenos e médios agentes. O Congresso Nacional, por sua vez, não se deu conta de quão crucial seria uma política efetiva de monitoramento das obrigações de investimento em ampliação de capacidade de banda larga pelas operadoras, além do caráter fundamental do direito de acesso à internet pelos cidadãos brasileiros.

O entusiasmo compartilhado pelo recém-realizado leilão do 5G também desconsiderou outro desafio regulatório do Estado brasileiro: a baixa qualidade da internet, se comparada com a média global. O Brasil ocupa a 76ª posição entre 138 nações pesquisadas em estudo conduzido pela consultoria Ookla, o que revela as dificuldades estruturais em termos de geopolítica da internet e uma certa desconfiança sobre os alegados êxitos do Brasil em matéria de inclusão digital. É evidente que teríamos de levar em conta o binômio contingente populacional vs. área territorial para compreender detalhadamente os desafios de acesso à internet, mas esse aspecto não retira das autoridades regulatórias e das operadoras atuantes no Brasil as obrigações, respectivamente, de formular políticas públicas adequadas, cumprir as metas de expansão e reduzir as assimetrias em termos de incremento de capacidades e habilidades em torno do uso das ferramentas digitais. A própria Lei Geral de Telecomunicações chegará aos seus 30 anos repleta de falhas de aplicação, a exemplo da baixa cobertura de internet para população das regiões Norte e Nordeste e de áreas do Centro Oeste. Por outro lado, considerado o total do território brasileiro, fica muito evidente que cobertura de baixa qualidade da internet brasileira, para além dos déficits de velocidade, latência e alcance
(conhecidos estruturalmente) denuncia também os sintomas do baixo letramento digital da população brasileira, particularmente nas regiões mais afastadas. Letramento digital, aliás, significa a habilidade de cidadãos de  conhecerem as ferramentas digitais e utilizarem a internet para além de sua infraestrutura física ou mero consumo de conteúdo digital.

O terceiro desafio se explica pelo fato de o Brasil – ao contrário de outros países no globo, inclusive entre certos pares na América Latina, não ter estabelecido o acesso à internet por banda larga como direito fundamental. O país mesmo retirou-se do debate qualificado nas Nações Unidas por razões de uma diplomacia ideológica, como se acesso à internet, redução de desigualdades e direito ao desenvolvimento fossem temas proibidos. Ao longo dos últimos anos, o movimento em torno da ONU e pressões sobre a União Internacional das Telecomunicações levaram legisladores a estabelecer o acesso à internet como direito fundamental, especialmente consagrado entre os direitos sociais, econômicos e culturais, e como promotor de direitos civis e políticos. Isso porque a vida digital de cidadãos ao redor do globo depende da integração trazida pela internet. De sua parte, faltou ao Brasil estabelecer regulamentos mais contundentes em termos de contrapartidas regulatórias, a exemplo do que certos países da Europa e Ásia fizeram nos últimos anos para fortalecer os pilares da inclusão e transformações digitais pelo viés do letramento digital.

Diante desse cenário, não foi surpresa o fato de que o leilão brasileiro do 5G replicasse as disparidades, começando por beneficiar capitais e grandes centros. A resposta, ao contrário do que alguns especialistas comentavam, não poderia estar simplesmente nas áreas hoje concentrando a indústria em transformação digital e, portanto, nos grandes centros da região Sul e Sudeste. Parece faltar a percepção de que a inclusão e o letramento digitais por meio de infraestrutura de internet de elevada qualidade sejam fundamentais para o estágio subsequente de transformação digital, de que a indústria e economia informacional são diretamente beneficiárias. Igualmente, a ausência de visão estratégica e visão de longo prazo no Brasil expõem as dificuldades e desconfianças relacionadas à ampliação da rede 5G, ou de redução das disparidades regionais quanto ao uso da internet.

Outro aspecto de detalhamento técnico relativamente à inclusão digital pode ser destacado no caso do leilão do 5G pela Anatel e infraestrutura de internet. Políticas de investimento público nas últimas décadas não foram suficientes para estimular investimentos privados necessários para atender a demanda de instalação de antenas e de redes de fibra ótica no Brasil. Isso porque, no caso das tecnologias 5G, a estrutura instalada de antenas não é suficiente. Fibra
ótica é componente indispensável para permitir o aterramento e funcionamento de estações utilizadas para conexão de alta velocidade. Será que empresas, por exemplo, farão investimentos em periferias e áreas rurais mais afastadas? Como estabelecer incentivos para empresas que atuam no segmento de antenas e fibra ótica, cruciais para melhoria da conectividade em território brasileiro? Como solucionar esses impasses? A internet móvel no Brasil, como revelado pelos indicadores mais recentes, também é de baixa qualidade, e contrasta com as pretensões – ainda que legítimas – de ampliação da rede 5G. 5G, por sua vez, servirá muito mais para um reduto muito reduzido, mas não menos essencial, da indústria e para seu potencial de transformação digital, propiciando soluções de conectividade de dispositivos entre si e entre dispositivos e humanos, a exemplo da tendência expressada pela Internet das Coisas. Tendo em vista a desindustrialização experimentada pelo Brasil na atualidade, dificilmente um boom no 5G reverteria essa onda. Por isso, 5G e retomada industrial deveriam caminhar juntas.

Por fim, é importante que inclusão digital e programas referentes à universalização do acesso às tecnologias de informação sejam considerados prioritários entre os objetivos econômicos e sociopolíticos do 5G. Nesse sentido, políticas de telecomunicações e internet no campo da conectividade devem buscar eliminar as típicas barreiras estruturais, sociais e econômicas enfrentadas pelo acesso à internet em níveis de qualidade e velocidade efetivamente
compatíveis com a média internacional. Existem municípios, distritos e regiões onde mesmo a rede 4G ainda não é uma realidade. Espera-se que programas de expansão regional, como o Programa Amazônia Integrada e Sustentável (PAIS), criado em setembro de 2021, tenha estofo para permitir a oferta de serviço de banda larga de boa qualidade à população da Região Amazônica. Outros caminhos apontam para a expansão de conexão e cobertura nas rodovias
federais, de modo a acompanhar a logística de infraestrutura de conectividade necessária para incremento das redes instaladas.

A Anatel, por sua vez, não está insensível à temática e esse aspecto é meritório. Em estudo publicado em 2020, a Agência mostrou existirem aproximadamente quatro milhões de pessoas no Brasil sem qualquer sinal de dados móveis. Com o leilão do 5G, uma das expectativas, também refletidas pela Portaria 418/2020, refere-se ao compromisso de operadoras vencedoras de atender a demanda de banda larga móvel, em tecnologia 4G ou superior, de modo a beneficiar cidades, vilas, áreas urbanas isoladas e aglomerados rurais que possuam população superior a 600 habitantes. Resta saber se as expectativas estarão concretizadas em curto e médio prazos, em especial porque existe urgência – mais do que razoável – na eliminação das grandes falhas e desigualdades geradas pelo abismo digital no Brasil.

*Fabricio Bertini Pasquot Polido é professor associado de Direito Internacional, Direito Comparado e Novas Tecnologias da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Advogado, Sócio de Inovação & Tecnologia e Solução de Disputas em L.O. Baptista.

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