Pistono e Reinoso: O ágio em fusões e aquisições
* Por José Enrique Reinoso e Rafael Pistono
O ano de 2021 será de inúmeros M&A’s no mercado, em razão da premente necessidade de reorganização societária exigida pelas novas demandas surgidas no mercado brasileiro e internacional. Nas operações de fusões e aquisições (mergers and acquisitions – M&A, em inglês), o devido planejamento e a qualidade de dados tributários e contábeis são muito importantes.
De fato, estamos diante de uma nova economia, mas ela não elimina a priori a existência daqueles parâmetros que sempre existiram na velha economia tributária. Os elementos levantados por meio da revisão tributária impactarão na avaliação do valor da empresa, no processo chamado valuation. Ter os dados e valores fidedignos à realidade do negócio sempre em mãos será um ponto favorável, bem como um passo rumo à concretização de novos empreendimentos.
Normalmente, grandes grupos empresariais recorrem ao processo de M&A para adquirir empresas de menor porte. Já as pequenas e médias, cada vez mais, têm usado este tipo de operação para alavancar negócios e expandir mercados. Em todos os casos, uma revisão tributária é imprescindível.
Com base nessa breve premissa, conceitos como aproveitamento de ágio e goodwill são inerentes às combinações de negócios. O ágio é o “sobrepreço” pago na aquisição de determinada participação societária em razão da expectativa de rentabilidade futura do investimento.
Aliás, o Decreto-Lei n.º 1.598/77 define ágio como a diferença entre o custo de aquisição e o valor proporcional do patrimônio líquido da investida. Entretanto, como à época ainda vigorava o regime de neutralidade fiscal do ágio, o artigo 25 do mencionado Decreto vedava o seu aproveitamento para fins de apuração do IRPJ e da CSLL.
Foi somente na década de 1990, no contexto histórico do Plano Nacional de Desestatização – “PND”, que a Lei n.º 9.532/97 passou a autorizar a dedução do ágio na determinação do lucro real, como estímulo aos agentes econômicos privados a adquirirem empresas estatais e de economia mista. Desde então, a legislação sobre a matéria passou por duas importantes modificações.
A primeira, com a promulgação da Lei n.º 11.638/07, na esteira da harmonização do sistema contábil brasileiro aos padrões internacionais do International Financial Repoting Standards – “IRFS”. E a segunda, mais recente e relevante para a discussão sub judice, com a edição da Lei n.º 12.973/14, que, alterando a redação de alguns dispositivos do Decreto-Lei n.º 1.598/77, redefiniu o conceito de ágio.
Desta forma, diante dessas últimas alterações, que começaram a produzir efeitos, o ágio passou a ser definido como o valor resultante da subtração (i) do patrimônio líquido adquirido somado à mais- valia (ii) do valor total do investimento.
Ocorre que, a Lei n.º 12.973/14 vedou expressamente o aproveitamento do denominado “ágio interno”, exigindo que a aquisição da participação societária seja realizada entre partes não relacionadas. Assim, para que não pairem quaisquer dúvidas quanto à total independência entre investidor e investida, deve ficar claro que, no momento da celebração do Acordo de Investimento, os respectivos grupos societários sejam absolutamente distintos.
Como se nota, quando da celebração do Acordo de Investimentos que venha a dar origem ao ágio, não pode sequer haver unicidade de controle ou dependência societária entre as entidades na combinação de negócios. Ou seja, é muito importante o respeito ao artigo 25 da Lei n.º 12.973/14, a fim de descaracterizar investidora e investida como partes relacionadas.
Em regra, a integração dos ativos busca justamente enxugar os custos sobrepostos e criar sinergias administrativa e operacional entre as adquiridas.
Resta então, tratarmos dos termos contemplados no artigo 20 do Decreto-Lei n.º 1.598/77 , que determina a sociedade que venha a adquirir participação em outra, vai gerar investimento – contábil e financeiramente – da seguinte forma: (i) patrimônio líquido, (ii) mais ou menos-valia dos ativos e (iii) ágio por rentabilidade futura.
Ademais, a precisa segregação do valor total do investimento (i. e., “custo de aquisição” do ativo) é importante pois, como já dito, o artigo 22 do aludido Decreto apenas autoriza a dedução do goodwill da apuração do lucro real.
O patrimônio líquido a que se refere o artigo 20 do mesmo Diploma corresponde ao valor contábil das cotas e/ou ações objeto da operação, que não reflete necessariamente o valor de mercado da participação societária adquirida. De outro lado, a mais-valia é a diferença entre o valor justo dos ativos (i. e, preço de mercado) e o patrimônio líquido.
Como base nessas reflexões, a legislação e as orientações da RFB impõem os seguintes procedimentos formais para que os contribuintes possam amortizar legitimamente o ágio da apuração do lucro real:
a) Registro dos valores pagos a título de patrimônio líquido, mais-valia e goodwill em subcontas distintas;
b) Elaboração de laudo por auditoria independente para a mensuração da mais-valia;
c) Apresentação da íntegra do laudo na Secretaria da Receita Federal ou registro do sumário no Cartório de Registro de Títulos e Documentos até o 13º (décimo-terceiro) mês subsequente ao da aquisição da participação societária; e
d) Aproveitamento ininterrupto em ao menos 60 (sessenta) parcelas a partir do mês subsequente à incorporação.
Como se percebe, existem aspectos importantes na operação de aquisição e fusão que podem trazer reflexos econômicos e financeiros diretamente relacionados ao resultado do negócio. Por outro lado, é essencial o desenvolvimento de um planejamento estratégico, em especial fiscal, que seja adequado e atento às exigências legais e do mercado.
¹ “Art. 20 – O contribuinte que avaliar investimento em sociedade coligada ou controlada pelo valor de patrimônio líquido deverá, por ocasião da aquisição da participação, desdobrar o custo de aquisição em:
I – Valor de patrimônio líquido na época da aquisição, determinado de acordo com o disposto no artigo 21; e
II – ágio ou deságio na aquisição, que será a diferença entre o custo de aquisição do investimento e o valor de que trata o número I.
² “Art. 25 – As contrapartidas da amortização do ágio ou deságio de que trata o artigo 20 não serão computadas na determinação do lucro real, ressalvado o disposto no artigo 33”
³ “Art. 7º A pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em virtude de incorporação, fusão ou cisão, na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou deságio, apurado segundo o disposto no art. 20 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977:
I – Deverá registrar o valor do ágio ou deságio cujo fundamento seja o de que trata a alínea “a” do § 2º do art. 20 do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, em contrapartida à conta que registre o bem ou direito que lhe deu causa;
II – Deverá registrar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que trata a alínea “c” do § 2º do art. 20 do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, em contrapartida a conta de ativo permanente, não sujeita a amortização;
III – poderá amortizar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que trata a alínea “b” do § 2º do art. 20 do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, nos balanços correspondentes à apuração de lucro real, levantados em até dez anos-calendários subsequentes à incorporação, fusão ou cisão, à razão de 1/60 (um sessenta avos), no máximo, para cada mês do período de apuração”.
⁴ Art. 25. Para fins do disposto nos arts. 20 e 22, consideram-se partes dependentes quando: (…)
(…) I – o adquirente e o alienante são controlados, direta ou indiretamente, pela mesma parte ou partes;
II – Existir relação de controle entre o adquirente e o alienante;
III – o alienante for sócio, titular, conselheiro ou administrador da pessoa jurídica adquirente;
IV – O alienante for parente ou afim até o terceiro grau, cônjuge ou companheiro das pessoas relacionadas no inciso III; ou
V – Em decorrência de outras relações não descritas nos incisos I a IV, em que fique comprovada a dependência societária.
Parágrafo único. No caso de participação societária adquirida em estágios, a relação de dependência entre o(s) alienante(s) e o(s) adquirente(s) de que trata este artigo deve ser verificada no ato da primeira aquisição, desde que as condições do negócio estejam previstas no instrumento negocial.”
⁵ “Art. 20. O contribuinte que avaliar investimento pelo valor de patrimônio líquido deverá, por ocasião da aquisição da participação, desdobrar o custo de aquisição em:
I – Valor de patrimônio líquido na época da aquisição, determinado de acordo com o disposto no artigo 21;
II – Mais ou menos-valia, que corresponde à diferença entre o valor justo dos ativos líquidos da investida, na proporção da porcentagem da participação adquirida, e o valor de que trata o inciso I do caput;
III – ágio por rentabilidade futura (goodwill), que corresponde à diferença entre o custo de aquisição do investimento e o somatório dos valores de que tratam os incisos I e II do caput”.
* José Enrique Reinoso e Rafael Pistono são sócios do escritório PDK Telecomunicações Advogados