Operadoras e Anatel buscam conciliação para cessão de chip à BASE conectar escolas

As operadoras buscam fechar um acordo para a oferta de seus planos de serviços à BASE, até que a Anatel julgue o mérito dos questionamentos, apoiando assim, a conexão dos alunos. O TCU também recebe processo sobre a licitação.
Operadoras e Anatel buscam conciliação com BASE. Crédito-Freepik
(Crédito: Freepik)

As três maiores operadoras de celular e a Anatel negociam uma conciliação para a venda de seus chips, com os seus próprios planos de serviço, à BASE, empresa que ganhou a licitação nos estados do Amazonas e Alagoas para o fornecimento de acesso à internet.  Além do atendimento a esses dois estados, também deverão ser entregues chips para os estados de Bahia, Goiás e Santa Catarina, onde essa empresa também ganhou a licitação por ser a única que atendia aos quesitos estabelecidos,  estimando-se um total de dois milhões de acessos a serem ofertados.  A proposta de conciliação tem boa aceitação pelas partes e pelo menos uma operadora está disposta a negociar o acordo com a BASE em até 30 dias.

A  conciliação está sendo firmada até que a Anatel julgue o  mérito do pleito da BASE, que quer usar o “perfil elétrico” do chip das operadoras como se operadora fosse, mas sem qualquer licença de telecom.

O acordo não encerra o debate sobre uma das mais sensíveis questões regulatórias que tramitam atualmente na agência. Sensível porque, embora a questão seja técnica, afeta o que há  de mais precioso atualmente, que é dar acesso aos alunos de baixa renda à internet educacional. E é com o argumento de prover o acesso aos alunos de baixa renda que a empresa BASE conquistou diferentes unidades da federação, que acabaram publicando licitações onde só ela poderia ser contemplada, rompendo com quase uma cláusula pétrea da regulação setorial das telecomunicações , que diz que serviço de valor adicionado (SVA) não se confunde com serviço de telecomunicações.

O acordo que poderá ser firmado entre as partes com a Anatel prevê que em um prazo de 30 dias, as três operadoras – Claro, TIM e Vivo – irão  negociar com a empresa vencedora da licitação os seus planos de serviços, para que os alunos possam ser contemplados. Há uma certa urgência na solução do impasse criado, porque os recursos, no valor de R$ 3,5 bilhões (aprovados pela lei nº 14.172/2021), só poderão ser usados até dezembro deste ano, visto que foram direcionados para suprir uma demanda gerada ainda pelo isolamento social do Covid 19.

O que está em pauta

Se a causa é nobre – e em diferentes unidades da Federação, as licitações já foram concluídas, e a polêmica sequer foi levantada-, os caminhos escolhidos nessas licitações para conectar os alunos é que são bastante tortuosos.  O problema está no modelo traçado pela empresa que tem ganhado algumas  licitações estaduais.

Em parecer do advogado Carlos Ari Sundfeld, um dos formuladores da Lei Geral de Telecomunicações, as licitações arrematadas pela BASE tem duas ilegalidades: ela seria uma prestadora “clandestina” de serviços telecomunicações; e, prestadora de SVA (Serviço de Valor Adicionado), não teria o direito a tratamento diferenciado frente aos demais usuários dos serviços de telecomunicações, que jamais tiveram contato “ao perfil elétrico” de um chip, porque isso simplesmente inexiste na regulação E explica:

“A contratação direta de elementos de redes de telecomunicações é incompatível com a condição de mero provedor de SVA. A regulamentação de telecomunicações só admite contratação de serviços de rede (exploração industrial de redes) por outra prestadora de serviços de telecomunicações (art. 155 da LGT). Entretanto, a BASE não atende a esses requisitos regulatórios. Não é autorizada no modelo de redes virtuais, tampouco credenciada para ofertar SMP em parceria com outras prestadoras. Ela é clandestina no setor”, afirma o advogado.

E dá outro exemplo: ” as empresas de SMP não oferecem “perfis elétricos” em seus planos de serviço… O uso, por outrem, de elemento de rede da prestadora não é objeto de relação de consumo. Se for considerado compatível com a regulamentação vigente, o pleito da BASE pode transformar as prestadoras de serviços de telecomunicações em meras fornecedoras de meios para empresas em geral”..

Em sua defesa, a BASE, em carta ao Tele.Síntese, alegou que “em decorrência da Lei Geral de Telecomunicações (LGT), toda empresa operadora de telefonia móvel atuante no mercado brasileiro é obrigada a fornecer o Serviço Móvel Pessoal (SMP) às empresas que ofertam Serviço de Valor Adicionado (SVA). No Artigo 61 da LGT, o legislador foi claro ao esclarecer que SVA é o que acrescenta valor a um serviço de telefonia”.

E justifica a sua posição alegando que agrega valor, pois oferece novos serviços, como os filtros  de conteúdo na internet, e ferramentas de monitoramento individual de cada chip utilizado. Alega, por isso, que tem direito ao ” perfil elétrico” dos chips das empresas. Mas não explica porque não se tornou ela própria uma operadora móvel virtual de telecomunicações, modalidade de prestação de serviço de telecom na qual já conta com centenas de empresas licenciadas no país, que legalmente oferecerem conectividade com novos serviços  agregados. Oferta de conectividade, ou de acesso à internet determinam a lei, os regulamentos, e a jurisprudência, precisam de licença de telecom.

TCU

O debate chegou ao Tribunal de Contas da União, e pairou no gabinete do ministro Vital do Rego. Lá, o questionamento vai sobre um possível direcionamento da licitação. Isso porque, em alguns dos tentos, só poderia ganhar a licitação a empresa que oferecesse pelo menos a conectividade de duas operadoras distintas, mas com a proibição de formação de consórcio. Ora, nenhuma operadora de telecom do país tem mais do que uma licença de telefonia celular, tornando todas as licenciadas excluídas do certame “a priori”.

Há também um questionamento sobre o real benefício dessa modalidade deste tipo de licitação – de contratação de serviço exclusivo de “monitoramento educacional” oferecido por uma única empresa. Conforme estudo da LCA Consultoria, só pelo fato de  intermediária de SVA oferecer serviços de conectividade, e não uma operadora de telecomunicações, o preço já sobe devido a incidência do imposto. Isso porque, qualquer outra empresa, que não de telecom, não pode aplicar a isenção do ICMS que o estado se auto concede ao contratar serviço….. de telecomunicações. Ou seja, o ICMS terá que ser incluído na conta final,  repercutindo em aumento do valor do bit de dados disponível, e reduzindo o número de alunos atendidos.

Conforme o estudo, há ainda o problema da tributação em cascata, que não seria praticada se os serviços de SVA e de telecomunicações fossem contratados em separado. Conforme o estudo realizado, para um gasto de R$ 100,00 o valor dos serviços de telecom, com a isenção do ICMS para o estado fica em R$ 103,00 contra R$ 126,57 se for contratado por empresa de SVA. Se a compra for feita casada, com o imposto em cascata, esse mesmo contrato sobe para R$ 252,57, sem a isenção do ICMS e R$ 226,27 com a isenção.

 

 

 

 

 

 

 

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Miriam Aquino

Jornalista há mais de 30 anos, é diretora da Momento Editorial e responsável pela sucursal de Brasília. Especializou-se nas áreas de telecomunicações e de Tecnologia da Informação, e tem ampla experiência no acompanhamento de políticas públicas e dos assuntos regulatórios.
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