Open Banking vai facilitar acesso a crédito por ISPs, diz Tiago Aguiar, da TecBan

O superintendente de Novas Plataformas da TecBan afirma que a transparência de dados vai incluir no sistema financeiro os “desfinanciados”

Superintendente de Novas Plataformas da TecBan, empresa de tecnologia que gerencia os ATMs em funcionamento em todo o país, Tiago Aguiar vê oportunidades de melhores serviços financeiros com o Open Banking, sistema de dados abertos do Banco Central que entra em vigor em fevereiro. “Vai permitir que as instituições financeiras desenvolvam serviços que resolvam problemas dos clientes”, opina, em entrevista a Tele.Síntese.

O executivo acredita, no entanto, que é para as pequenas e médias empresas que os impactos serão mais visíveis. “Com a transparência de dados, o mercado de crédito para PME vai aumentar bastante”, afirma.

“O Open banking vai trazer muitas oportunidades para que as instituições financeiras desenvolvam serviços que resolvam problemas dos clientes”, acrescenta Aguiar. Lei a seguir a íntegra da entrevista.

Tele.Síntese: O Open Banking sofreu um atraso na implantação, o que aconteceu?

Tiago Aguiar –Uma das questões para o atraso de dois meses foi em função da implantação do PIX. Uma reivindicação das equipes de TI dos bancos, que tiveram que iniciar com o sistema de pagamento instantâneo dia 16 de novembro e teriam que implantar o Open
Banking dia 30 do mesmo mês.

Houve esse pequeno adiamento para fevereiro da primeira fase e, consequentemente, das demais fases, que vão acontecer  em 2021. É um cronograma bastante agressivo, em fevereiro, julho, agosto e dezembro, com uma abertura bem maior do que o open banking em outros países do mundo. A gente vai para open finance, porque engloba também seguros, previdência, investimentos, câmbio.

Tele.Síntese: Open banking vai exigir mais dos grandes bancos do que das fintechs?

Tiago Aguiar– O Open Banking demanda de todo o setor financeiro, não só dos grandes bancos, dos médios, pequenos e também das fintechs. Porque é um novo sistema. Em termos de tecnologia, ela está disponível, que são as APIs [Application Programming Interface], mas tem toda uma padronização. Vai demandar recursos, investimentos e de se debruçar em cima desse projeto.

A gente está trabalhando desde 2016. Começamos a trabalhar mais profundamente em meados de 2018 e em 2019 começamos a entrar mesmo no ecossistema para entender quais eram os negócios, os modelos e o que a TecBan poderia ofertar para os seus clientes. A gente tem mais de 100 instituições financeiras, bancos, carteiras, fintechs, que estão conectadas diretamente com a empresa. Fomos nos aprofundar na Inglaterra, que é o berço do Open Banking, para entender o que a gente poderia disponibilizar e a gente está trabalhando em nossa plataforma em parceria com os ingleses e nosso time de TI.

O resultado disso tudo é que vai mudar como a gente usa produto financeiro. Eu sempre falo que o Pix muda a jornada de compra, a experiência do usuário, individualmente. Mas o Open Banking vai mudar a sociedade como um todo.

Tele.Síntese: O que vocês podem oferecer com essa plataforma?

Tiago Aguiar – No Open Banking, os dados dos clientes estão dentro dos bancos onde eles têm conta e eles precisam ser expostos dentro de um certo padrão. Esse padrão vai ser regulamentado, indicando os parâmetros e padronizados e tudo isso vai ser exposto nas APIs.

Tele.Síntese: Todos os dados vão ser expostos?

Tiago Aguiar – Todo mundo vai ter que expor esses dados da mesma forma. O que a gente faz com a plataforma (Open Finance TecBan), a gente ajuda as instituições que vão participar do Open Banking a exporem de uma forma que todo mundo consiga conversar, que faça isso da forma mais segura possível, que faça tudo isso com autenticação, com consentimento válido, que o programador lá do outro banco consiga achar onde está o manual das APIs.

Tudo isso a gente faz, tem o portal de desenvolvedor, tem um gateway de API, faz gestão dos consentimentos, a autenticação do cliente, emite relatórios sobre funcionamento das APIs. Se tiver algum problema, a gente trabalha em cima desse problema. Uma série de coisas que precisam ser feitas só para estar em conformidade com o que o Banco Central pediu.

Isso é um trabalho que no final das contas acaba não agregando valor para a instituição financeira. É só um trabalho de estar em conformidade. É um trabalho que todos vão ter que fazer, mas que não é a cereja do bolo. A gente ajuda, facilita, enquanto a instituição financeira foca em desenvolver e oferecer produtos bacanas para seus clientes.

Só o módulo de gestão de consentimento, por exemplo, vê que uma cliente permitiu que o banco A acesse a conta no banco B. Mas ele permitiu que seu saldo ou extrato fosse acessado, ou seu cartão de crédito, que o saldo de hoje ou de mais dias, por quanto tempo. Tudo isso precisa ser gerenciado e é o que faz o módulo de gestão do consentimento.

Tudo isso é trabalho e o importante é que tudo isso muda. Esses padrões são hoje de uma forma, você sabe como a tecnologia é, como as coisas são. Amanhã, percebem que esqueceram de colocar mais uma informação. Então sai nova versão dos padrões.

Só para se ter uma noção, na Inglaterra eles já estão na oitava versão dos padrões em um ano. Aí muda formato, muda tecnologia, e um monte de coisinha. E isso é o que a TecBan se propõe a fazer.

Tele.Síntese: Isso custa muito?

Tiago Aguiar – Esse é um trabalho que precisa de ter gente olhando e nossa plataforma, que chamamos de Open Banking as a Service, ou seja, não é um software, mas um serviço, que precisa de gente 24X7 olhando, fazendo as atualizações e esse é um serviço que acaba sendo invisível para o cliente. Nossa proposta é fazer esse trabalho invisível, enquanto o cliente fica livre para criar novas coisas interessantes.

Tele.Síntese: E como o Open Banking vai facilitar a inclusão financeira de tantos brasileiros que não têm conta em banco?

Tiago Aguiar – Eu acho que esse é o grande objetivo do Open Banking, que permite que um banco possa fazer uma parceria com uma fintech, que atua no carnaval de Salvador, por exemplo, e ajuda os ambulantes na hora que forem fazer uma compra, tenham um serviço de crédito.

Tem fintechs atuando em nichos, que trabalham em comunidades de periferias. São lugares que muitas vezes os bancos não conseguem chegar com uma proposta. E esse pessoal conhece o que essa comunidade precisa, qual que é a dor dela. E muitas fintechs estão trabalhando com essas comunidades, mas não têm uma linha de crédito, não tem dinheiro para emprestar. Na medida que ela faça uma parceria com um banco e possa ofertar os produtos do banco, ela pode incluir pessoas no sistema. Eu acho que o problema não é bancarizar, mas incluir os desfinanciados. Porque no final, as pessoas precisam de crédito, de dinheiro para comprar casa, carro, sua geladeira, seu fogão.

Existem fintechs no Reino Unido que, na hora de fazer uma análise de crédito para uma pessoa que não tem histórico porque não tem conta bancária, ela usa outros dados, como da conta telefônica do celular, dados de conta de luz, informações de redes sociais, enfim todo um universo de consumo que a pessoa tem para dar um escore, uma nota, usando seus algoritmos. Com isso, você potencializa as chances de produtos financeiros chegarem nas comunidades.

Nós fizemos um hackaton e o aplicativo que ganhou foi o Bicos, de um pessoal do Pará. Ele oferece garantia de crédito para pessoas que prestam serviços por meio de uma plataforma que conectam as pessoas que fazem bicos com as que contratam. Daí fazem um meeting e começam a criar um histórico, indicando que é um bom prestador de serviço e faz toda a semana e ganha tantos reais toda a semana. E aí conectam esse cara com um banco para facilitar a concessão de microcréditos, por exemplo, para comprar ferramentas e outros materiais para seu trabalho.

Essas fintechs e startups que vão surgir vão oferecer muitas coisas e vão ser distribuidores de produtos bancários. O Open Banking  dá acesso aos dados, que está no cerne do sistema, e amplia a distribuição de serviços bancários.

Tele.Síntese: Os pequenos provedores de internet podem se beneficiar desse sistema?

Tiago Aguiar– Independentemente do negócio, pequenos e médios empresários serão superimpactados. Hoje, pequenas e médias empresas não têm nenhuma obrigação de ter um balanço auditado, de publicar balanço. Com o Open Banking, muitas plataformas de contabilidade vão passar a ter acesso às transações desses pequenos empresários e conseguir gerenciar a parte contábil desse cliente de uma forma muito mais fácil e transparente. Quer dizer que a esses números podem ser agregados a dados sobre estoque, clientes, recebíveis. Todos esses dados se tornarão mais transparentes e, com isso, o mercado de crédito para PME vai aumentar bastante.

Um ISP com 10 mil clientes pode provar que tem faturamento compatível com o volume de crédito que quer tomar e essas informações vão estar acessíveis, sem necessidade de comprovação por contador. Os bancos vão poder fazer melhores análises de crédito com esses dados.

Mito

Tele.Síntese: Com essas inovações – Pix e Open Banking – há a tendência de o dinheiro em espécie ficar mais escasso?

Tiago Aguiar – Existe um senso comum de que o dinheiro em espécie vai acabar e esse senso comum repetido várias vezes parece ser verdade. Mas não é assim, em 2020, inclusive, a gente teve um aumento do dinheiro em circulação. E isso aconteceu em quase todos os países do mundo. O Banco Central disponibilizou, em dois meses, R$ 52 bilhões em cédulas. Com a pandemia, as pessoas foram procurar dinheiro físico e isso não aconteceu só no Brasil. No Reino Unido, por exemplo, teve 64% de aumento nos saques de abril para julho. Nos EUA entraram em circulação 20% a mais de cédula em 2020.

Não acho que esse movimento está acontecendo. 96% da população do país usa dinheiro em cédula. 30% das compras nos supermercados são pagas em dinheiro e isso se repete no mundo.

No Brasil tem quase 50 milhões de pessoas sem contas bancárias. E nós trabalhamos nessa convergência do digital com o mundo físico. Este ano, fechamos contratos com 55 fintechs, cujos clientes passaram a ter acessos pelas máquinas 24 horas, que pertencem à TecBan. São mais de 23 mil ATMs em funcionamento em todo o Brasil e 145 milhões de pessoas atendidas em mais de 860 localidades.

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Lúcia Berbert

Lúcia Berbert, com mais de 30 anos de experiência no jornalismo, é repórter do TeleSíntese. Ama cachorros.

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