Nokia vive “mudança cultural” e busca crescer em redes privativas e data centers

Em sua primeira entrevista como country manager da Nokia Brasil, Rafael Mezzasalma afirma que, após reestruturação, fornecedora quer diversificar base de clientes e ampliar capilaridade no País por meio de parceiros
Nokia busca crescer com ISPs, redes privativas e data centers, diz Rafael Mezzasalma
Rafael Mezzasalma, country manager da Nokia Brasil (crédito: Nokia Brasil)

Um ano após o anúncio de uma grande reestruturação em seu negócio global, a Nokia definiu que, no Brasil, as suas prioridades envolvem ampliar a rede de vendas, mirando abocanhar uma fatia maior do mercado de provedores de banda larga, e explorar serviços em crescimento, como os de redes móveis privativas e data centers – este último, simbolizado em uma parceria recém-ampliada com a Furukawa.

Em sua primeira entrevista na posição de country manager da Nokia Brasil, Rafael Mezzasalma conta que a companhia, ao diversificar os clientes finais, está passando por “uma mudança cultural”. Na prática, a Nokia busca, por meio de parceiros, atuar de forma indireta no processo de sofisticação das redes de conectividade.

“Estamos nos adaptando para aumentar a nossa cobertura e atendimento a clientes que antes eram inacessíveis”, afirma o executivo, em entrevista ao Tele.Síntese.

Com 12 anos de Nokia, incluindo dois anos de trabalhos no México, Mezzasalma assumiu a liderança das operações no Brasil em julho deste ano. A missão do executivo é promover a autonomia das unidades de negócio e tornar a empresa mais ágil no atendimento a clientes, além de expandir a capilaridade da rede de vendas.

O novo country manager ressalta que a corporação tem, cada vez mais, direcionado esforços para as suas atividades principais, o que inclui a compra da Infinera, a venda da Alcatel Submarine e, especificamente no Brasil, a retomada de um contrato com a TIM para expansão da infraestrutura de telefonia móvel 5G.

Mezzasalma ainda salienta que, para a matriz finlandesa, “o Brasil é estratégico”.

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista.

Tele.Síntese: Você está há 12 anos na Nokia e, há cerca de três meses, assumiu o cargo de country manager no Brasil. Como está sendo o início nesta posição de liderança?

Rafael Mezzasalma, country manager da Nokia Brasil: Como você disse, estou há 12 anos na Nokia. Fiquei dois anos no México, onde tinha a responsabilidade de atendimento à América Móvil [dona da Claro] na América Latina. Acontece que, em outubro de 2023, o nosso head mundial, o Pekka [Lundmark], comentou sobre a reorganização que iríamos fazer. A principal ideia era dar autonomia e agilidade às unidades de negócio. A Nokia tem muitas unidades e o principal objetivo dessa reestruturação era entregar mais autonomia, para que cada unidade de negócio tivesse maior agilidade para o go to market. Estamos falando em clientes atuais e novos, fazer novas parcerias e novos modelos de negócios que são necessários. Com isso, cada unidade de negócios teria a possibilidade de definir as prioridades em suas estruturas de pesquisa e desenvolvimento. Então, a inovação continua sendo uma prioridade para a Nokia. Foi aí que me propuseram voltar ao Brasil para organizar essa estrutura por aqui.

Tele.Síntese: Então, como a reestruturação atingiu o Brasil especificamente?

Mezzasalma: No Brasil, estamos buscando expandir a nossa rede de vendas. Como vamos fazer isso? Estamos buscando aumentar a quantidade de parceiros que possam fazer as vendas indiretas aos nossos clientes. Isso está impulsionando uma verdadeira mudança cultural. A Nokia tem uma característica do passado, inclusive de todas as empresas que adquiriu, de ter uma relação muito forte com operadoras grandes. Agora, estamos promovendo uma diversificação dos clientes finais e, com isso, uma mudança cultural. Dessa forma, estamos nos adaptando para aumentar a nossa cobertura e atendimento a clientes que antes eram inacessíveis.

No Brasil especificamente, continuamos dando foco aos nossos clientes [tradicionais], que são a maior parte da nossa receita no País. Temos uma presença robusta com todas as grandes CSPs [Communication Service Providers, ou grandes operadoras], também nas redes ópticas, IPs e plataformas. Na parte móvel, voltamos para o contrato da TIM e estamos fazendo a implementação do 5G. E também temos uma parte da rede da Claro. Também temos uma presença muito forte em redes privadas – a nível mundial, somos líderes nesse segmento. E, na questão dos ISPs [provedores de serviços de internet], já estamos um pouco mais avançados no atendimento de clientes feitos pela via indireta, ajudando eles a atenderem a demanda de conectividade de banda larga no Brasil. Agora, estamos seguindo para soluções que têm um grau de sofisticação maior, como as de segurança cibernética.

Tele.Síntese: Nesse processo de ampliação de mercado, como tem sido a relação entre Nokia e ISPs?

Mezzasalma: Temos tido um sucesso muito grande no atendimento a esses clientes através de parceiros. Hoje, temos parceiros como a DPR Telecomunicações e a WDC Networks. Juntamente com eles, estamos conseguindo levar as nossas soluções para os clientes finais. E temos visto que os ISPs estão confiando na Nokia, pois as nossas soluções têm sido muito bem aceitas em relação à confiabilidade e atendimento. Estamos tentando levar toda a nossa expertise que temos com os CSPs, de redes abertas, confiabilidade e disponibilidade, para esses clientes.

Tele.Síntese: Nos últimos dois anos, a Nokia fez movimentos significativos. Anunciou o direcionamento total dos negócios para o B2B, a compra da Infinera e a venda da unidade de cabos submarinos. Como todas essas mudanças estão afetando a empresa, principalmente no Brasil?

Mezzasalma: Nós vamos sempre tentar buscar a liderança tecnológica no core business. Por exemplo, [houve] a venda da parte da Alcatel Submarine, que era um negócio mais para a parte de infraestrutura, com navios e lançamento de cabos submarinos. Acontece que esse negócio estava se afastando um pouco do nosso core business. Então, a decisão de fazer a venda dessa unidade foi para ter o funding para o investimento no core business de redes fixas. Já a compra da Infinera busca ter sinergia e volume, tanto de desenvolvimento quanto de negócios, que permitam que a Nokia siga como líder tecnológica na parte óptica. As nossas soluções têm provido cada vez mais capacidade com menos consumo de energia. Acreditamos que a Infinera tem uma filosofia muito parecida com a nossa e, juntos, somos mais fortes.

Tele.Síntese: O mercado de redes móveis continua no core business da Nokia, não?

Mezzasalma: Sim. Na unidade de redes móveis, temos o 5G da TIM e da Claro no Brasil – e acabamos de fechar um contrato na Argentina com a Claro. Então, é uma unidade extremamente importante. Além de reposicionar o nosso portfólio, temos tido aumento de market share nesse segmento.

Tele.Síntese: Dados de fornecedores e relatórios internacionais apontam que a implantação do 5G no mundo está desacelerando ou até um pouco mais devagar do que inicialmente projetado. Qual é a sua percepção sobre o segmento de RAN [rede de acesso via rádio] no Brasil?

Mezzasalma: No caso do 5G, o Brasil tomou um protagonismo na América Latina. A implementação tem acontecido de uma forma até melhor do que se esperava. Do que eu posso acompanhar das operadoras, existe um compromisso de promover a rede e estamos vendo que os usuários 5G começam a tomar protagonismo. Acho que o Brasil está em um ritmo muito bom. Tanto as operadoras quanto os órgãos do governo estão cumprindo o que se propuseram a fazer.

Tele.Síntese: Um dos grandes produtos do 5G é a rede móvel privativa. Você comentou que a Nokia tem liderado esse segmento. Como estão os negócios no Brasil?

Mezzasalma: No setor de redes privadas, continuamos trabalhando para manter a liderança. O nosso portfólio integra a automação industrial e a conectividade de alta confiabilidade, além de oferecer uma ampla gama de casos de uso industriais. Esses casos são focados em aumentar a produtividade, a segurança dos trabalhadores e a sustentabilidade. Acreditamos que esse ecossistema é fundamental para mantermos a liderança. Hoje, temos uma presença forte, sabemos o valor da nossa solução, mas não estamos acomodados.

Tele.Síntese: A perspectiva é de alta para o mercado de redes privativas aqui?

Mezzasalma: Acredito que sim, até porque vai se popularizar cada vez mais. Todo mundo precisa ser mais eficiente e trazer benefícios para a sua operação. Cada vez mais, vamos poder mostrar isso e temos a convicção de que, assim, daremos continuidade às vendas dessas redes.

Tele.Síntese: Voltando um pouco a um ponto que você comentou, sobre a proximidade da Nokia com os ISPs por meio de parceiros. Qual a dimensão e as expectativas desse mercado para os negócios da Nokia?

Mezzasalma: É um mercado que teve um boom de crescimento, mas agora está em processo de normalização. Vemos que existe uma preocupação de se ter uma rede um pouco mais sofisticada. Isso permite que o ISP melhore a eficiência operacional da sua rede para se manter como uma empresa isolada, mas também permite que a empresa entre em um processo de consolidação. Então, esse mercado não vai ter um boom de crescimento, vai normalizar nos próximos anos. Mas vejo que há uma preocupação muito maior dos ISPs de terem redes mais confiáveis e sofisticadas.

Tele.Síntese: A Nokia também tem soluções para segurança cibernética, um dos temas mais discutidos na indústria de conectividade na atualidade. No Brasil, como tem sido a demanda por aplicações desse tipo?

Mezzasalma: É uma preocupação constante das operadoras e temos sido muito demandados para explicar as nossas soluções. No entanto, achamos que os investimentos ainda são menores do que o nível de preocupação que se tem com o tema. Então, vemos que está havendo um alinhamento de expectativas sobre isso.

Tele.Síntese: Globalmente, a Nokia participa de discussões, associações e iniciativas de Open RAN e Open Gateway. Como a Nokia Brasil se insere nesses projetos? Esses modelos de negócios vão prosperar?

Mezzasalma: O Open RAN é uma iniciativa de vários fabricantes para se ter um equipamento padrão – e o Gateway vai nessa mesma direção. A Nokia está trabalhando nesses dois caminhos, mas talvez demore um pouquinho para chegar aqui ainda isso, na minha visão.

Tele.Síntese: Você se refere ao Open RAN? No caso do Gateway, já temos soluções no Brasil, mas ainda são poucas.

Mezzasalma: Sim, existem as iniciativas, mas, particularmente, não estou muito inteirado sobre todas. Não tenho visto uma força muito grande nisso. Ainda são temas novos. A Nokia trabalha em ambos, mas ainda precisamos entender como vão se desenvolver no mercado brasileiro.

Tele.Síntese: Qual é a importância do Brasil para a matriz da Nokia?

Mezzasalma: O Brasil é estratégico. O País sempre toma protagonismo para disseminar as nossas soluções. E muito do que é produzido no Brasil, inclusive, é trabalhado e referência para outras operações da Nokia. Temos um ambiente competitivo e o pessoal sempre me pergunta como lidamos com isso.

Tele.Síntese: Quais setores ou serviços devem se destacar por aqui nos próximos anos?

Mezzasalma: Dentro deste contexto de futuro, temos uma crescente demanda por data centers. Isso está acontecendo porque tivemos um impulso muito grande de computação em nuvem e, agora, estamos tendo um uso crescente de Inteligência Artificial (IA). Então, vemos que vai ser necessário o crescimento do setor de data centers. A Nokia se preparou para essa tendência e vai trazer produtos para isso. Acabamos de lançar a plataforma Nokia EDA [Event-Driven Automation], por meio da qual trazemos toda a confiabilidade dos nossos roteadores IPs para um nível de automação, confiabilidade e ambientes multi-vendors para data centers. Estamos vendo que esse é um mercado crescente, ainda está começando no Brasil e vai ter uma franca expansão.

Tele.Síntese: Aproveitando esse reorganização da Nokia, qual posicionamento a empresa busca ter no mercado de telecomunicações brasileiro?

Mezzasalma: Em relação ao futuro do [setor de telecom no] Brasil, vejo que é um mercado extremamente promissor, está em crescimento e tem potencial para se tornar exemplo para muitos outros países. Avançamos muito nas conexões móveis e de banda larga fixa. Mas ainda temos como aumentar a eficiência para chegar a um grau em que seja possível oferecer esses serviços para todos os brasileiros. O projeto em que fomos selecionado pelo Nic.br é um caso clássico de que se está precisando aumentar as capacidades e facilitar as conexões de rede de uma forma nunca antes vista. Além disso, com as redes privadas, também podemos começar a trabalhar para aumentar a eficiência dos clientes. Isso tem um efeito de produtividade que telecom pode aportar a outros mercados.

Toda essa reestruturação que estamos fazendo, as decisões de mudar a nossa cultura para fazer mais negócios via parceiros, ter uma capilaridade e atender clientes que antes eram inacessíveis só mostram o nosso completo compromisso e otimismo com o Brasil.

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Eduardo Vasconcelos

Jornalista e Economista

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