“Não acredito em tele digital, sem conectividade excelente”, diz Navarro.
Habituado a desafios profissionais desde jovem, o brasileiro Eduardo Navarro, 53 anos, anunciado ontem presidente da Telefônica Brasil a partir de janeiro de 2017, sabe que vai ter que superar algumas barreiras para dar conta de sua nova missão dentro do grupo onde trabalha há 17 anos e de um setor que se transformou em sua paixão desde meados de 1990.
Mas mostra-se absolutamente tranquilo e otimista. Por dois motivos, explica. Primeiro, porque considera que o atual presidente da empresa, Amos Genish, que assumiu o cargo em março do ano passado com o objetivo de conduzir a fusão da GVT, adquirida pelo grupo Telefônica, com a Vivo, fez um excelente trabalho de gestão, eficiência administrativa, controle de custos e definição de metas.
Em segundo, porque conhece profundamente a cultura da companhia. Ocupou vários cargos no Brasil nas áreas de estratégia regulatória e planejamento e, depois de transferir-se para a Espanha, onde foi galgando postos cada vez mais altos, nunca se desligou do Brasil. Foi do conselho da Vivo, desde junho presidia o Conselho de Administração e sempre foi um “consultor” informal de política regulatória. Afinal, o Brasil é a sua casa.
Nesta entrevista ao Tele.Síntese, Navarro, que atualmente é diretor geral de Comércio Digital da Telefónica S.A., conta um pouco do que pretende fazer e de como vê o cenário do país e do mercado de telecom. Fala de fim de concessão, de concentração de mercado, de destino da Oi.
Tele.Síntese – O mercado precificou negativamente a saída de Amos Genish e sua indicação. As ações da companhia registraram hoje (10) queda de quase 7%. Isso era esperado? Ficou surpreendido?
Eduardo Navarro – Acho que é normal na medida em que Amos Genish é um executivo muito bem avaliado, fez um excelente trabalho à frente da empresa, um trabalho difícil de comandar uma fusão, que exigiu medidas duras, e entregou excelentes resultados acima das metas previstas. Por outro lado, embora eu conheça muito bem o mercado de telecom, o mercado de capitais não me conhece, a não ser por entrevistas. As dúvidas vão se dissipar com o trabalho, com o conhecimento.
Tele.Síntese – E como vai ser a transição? E é normal uma transição de dois meses e meio, com comando duplo?
Navarro – Ficou claro tanto no comunicado do Conselho de Administração da empresa como na conferência de hoje (10) que a decisão de deixar a empresa foi uma decisão do Amos, de cunho pessoal. Achamos que em nome da transparência ao mercado e ao conjunto da companhia era importante trabalharmos esse tempo juntos, pois meu mandato vai ser de continuidade. Meu marco zero será manter todas as práticas de gestão adotadas por Amos que estão sendo bem sucedidas no que se refere a controle de custos, metas, eficiência de processos, seleção de investimentos. A equipe será a mesma. A Telefônica Brasil é a segunda maior empresa do grupo e uma transição desse tipo, de uma gestão bem sucedida, tem que ser cuidadosa. Vamos começar a gestão compartilhada no dia 13 e, a partir daí até o final do ano, vou ficar mais tempo no Brasil do que na Espanha.
Tele.Síntese – E depois do marco zero? Qual a prioridade?
Navarro – Passado o momento de concentração na continuidade da gestão e melhoria na eficiência da margem de retorno, é preciso acelerar o processo, que já foi iniciado, de digitalização da empresa, de crescimento da oferta de serviços digitais, da internet, da nuvem. Eu tenho a convicção, desde que assumi a direção de comércio digital da Telefónica S.A., que as telcos, que perderam a primeira onda dos serviços de informação e de entretenimento na internet para as empresas de internet, podem ser muito bem sucedidas na segunda onda, a de ofertas de serviços mais presentes no dia a dia das pessoas, como educação, saúde, segurança.
A gente vem investindo nisso na Europa, e também na América Latina. A própria Vivo já vem investindo nisso com sucesso. Esse é o caminho, porque temos ativos para sermos vencedores. Temos relação com o cliente, se ele for reclamar, sabe onde nos encontrar. Não somos uma empresa, por assim dizer, etérea, como as empresas globais de internet, que às vezes nem têm um escritório. Isso faz muito diferença para o cliente nesse tipo de prestação de serviço.
Não acredito em empresa digital sem conectividade de excelente qualidade. Portanto, priorizar o investimento na conectividade tem que ser uma constante, como já vem sendo feito. 90% dos recursos vão para a rede móvel e a fixa. E quanto mais oferta de serviços digitais, maior a demanda por conectividade.
Tele.Síntese – Mas o que falta para avançar?
Navarro – Pode parecer simples, mas é muito complexo. De um lado, digitalização da empresa. A Vivo já vem investindo fortemente na modernização de seus sistemas, na unificação dos sistemas legados, em Big Data, em grandes equipes de cientistas de dados. Mas mesmo que tivéssemos um caminhão de dinheiro para resolver o problema em um ano não seria possível. Uma coisa não fala com a outra, um serviço aceita a cobrança em um banco e o outro não aceita, é uma loucura. Vão ser mais dois ou três anos para termos um CRM perfeito, um ambiente unificado onde todos falem a mesma língua. Mas já se avançou muito, o que permite o tratamento adequado de parte dos dados para oferecer planos sob medida para clientes. É um processo. A lição de casa está sendo feita, e bem feita.
Tele.Síntese – Qual o seu mundo perfeito de atendimento ao cliente?
Navarro – Onde ninguém tivesse mais que ligar para um call center e pudesse resolver toda sua interação com a operadora pelo celular ou pelo micro. Onde o cliente que pediu um reparo pudesse acompanhar no celular, como acompanha no Uber, onde está o carro da assistência técnica, se está chegando, e depois que ele deixasse a residência, desse nota online de qualidade do atendimento. Há tecnologia para isso. Falta a integração de sistemas. Temos que chegar lá.
Não faz sentido as pessoas perderem tempo no telefone. Não quero uma empresa com mais atendentes. Quero uma empresa com mais serviços digitais eficientes.
Tele.Síntese – Um pouco sobre a conjuntura política do setor que se cruza com uma conjuntura política geral pós-impeachment ainda conturbada. Tudo indica que será muito difícil votar o PL que trata da alteração da LGT, com o final da concessão e troca de obrigações das concessionárias ainda este ano. Como fica?
Navarro – Não estou acompanhando muito de perto a negociação do PL. Portanto, só posso fazer comentários genéricos. Claro que não faz mais nenhum sentido, é já perdemos muito tempo, de acabar a concessão do telefone fixo, em declínio. É como se quiséssemos manter a concessão do bonde. Sobre isso há consenso. Tenho certeza que as autoridades estão conscientes disso. É importante votar logo. Quando? Há o tempo político. Vamos ver.
Tele.Síntese – E como vê a troca do final da concessão por investimento em banda larga. Acha viável investimentos em áreas não rentáveis?
Navarro – Acho que tudo tem que ser pesado. É claro que ao abrir mão de obrigações, temos que dar contrapartidas. Um investimento improdutivo é sempre pior que um produtivo. As coisas precisam é ser balanceadas. E temos que estar abertos para conversar.
Tele.Síntese – E a Oi?
Navarro – A Oi é um player importante do mercado de telecom e é preciso que encontre um caminho. Que uma solução seja equacionada. Estamos atentos aos movimentos. Pela sua complexidade, é um ativo que não nos interessa. Mas tenho certeza de que os órgãos de defesa da concorrência não vão permitir que ela seja comprada por nenhum dos concorrentes sem desinvestimentos. Nem mesmo pela TIM, que tem o menor conjunto de serviços. E se houver desinvestimento, fracionamento dos ativos da Oi, estaremos acompanhando.