Moeda digital da China pode ameaçar poderio do dólar, apontam especialistas.

CBDC (Central Bank Digital Currencies) é o espelho digital da moeda fiduciária em papel. Mas ela também dará uma extraordinária ferramenta de controle aos governos. O Banco Central (BC) brasileiro acompanha os debates desde 2017 e montou um grupo interno para também estudar o tema e analisar eventual emissão de moeda digital, seus riscos e benefícios.

Reportagem da Dow Jones Newswire, publicada pelo Valor, chama atenção para algumas das preocupações de setores do mercado e do governo americano em relação à moeda digital da China, a primeira CBDC (Central Bank Digital Currencies) já lançada pelo banco central de um grande país. Há temores quanto ao fortalecimento do Yuan em relação ao dólar, pois embora a digitalização, por si só, não tornaria o yuan um rival do dólar em transferências eletrônicas de banco para banco, em sua nova faceta digital, a moeda chinesa poderia ganhar força nas beiradas do sistema financeiro internacional.

Rodrigo Monteiro, diretor-executivo da Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABCripto), diz que nem todas moedas digitais emitidas por bancos centrais usam blockchain. A CBDC da Suécia roda em blockchain assim como os testes que estão sendo feitos na Dinamarca e na Noruega. A China, por questões de geopolítica e controle estatal, preferiu adotar um sistema próprio que não roda em blockchain. Ele destaca que a China já é a segunda maior potência econômica e há quem considere que deve passar os EUA por volta de 2025. E todavia o dólar ainda é a moeda padrão nas transações internacionais.

“A China é grande exportadora e importadora e nas transações precisa converter sua moeda para dólar, enviar para os países compradores e converter para a moeda local. Tudo isso tem um custo, requer intermediários e leva tempo. Com a moeda digital, tudo isso fica mais fácil. Naturalmente, há resistências do governo norte- americano devido ao poder que isso representa. Os EUA são o único país que podem emitir livremente papel moeda sem gerar inflação porque distribui o dólar no mundo todo”, explica Monteiro.

Especialistas explicam que uma CBDC é o espelho digital da moeda fiduciária em papel. Mas ela também dará uma extraordinária ferramenta de controle aos governos. Marcelo Zuccas gerente geral da NCR, fabricante de PDVs para o varejo e ATMs para os bancos, costuma dizer que enquanto os governos não controlarem as atividades informais, que chegam a 60% na América Latina, o dinheiro físico terá papel importante.

“Emitir dinheiro em papel é muito caro e emitir dinheiro digital é uma forma de controle social. É uma tendência irrefreável. Isso não quer dizer que CBDC necessariamente seja criptomoeda. Há estudos do BIS – Banco de Compensações Internacionais, o banco central dos bancos centrais – querendo saber se faz sentido utilizar característica do blockchain nas CBDCs”, diz uma fonte do mercado.

Já houve lançamentos em Bahamas, onde a Mastercard lançou um cartão pré-pago que aceita transações com a moeda digital do banco central local. A China já chegou a dar yuan digital para a população e está conversando com países árabes para fazer algum tipo de evolução em pagamento regional. Canada e Suécia também estão se movimentando.

No Brasil, o Banco Central informa que no momento não há qualquer decisão tomada sobre a eventual emissão de moeda digital pelo país. Mas destaca que há em curso um debate internacional sobre o tema “moeda digital emitida por banco central” em organismos como o Fórum Econômico Mundial e o BIS.

Brasil

“O Banco Central (BC) brasileiro acompanha os debates desde 2017 e, no ano passado, decidiu montar um grupo interno para também estudar o tema. O grupo analisa uma eventual emissão de moeda digital pelo BC brasileiro, seus riscos e benefícios. Os estudos estão em andamento e levarão em consideração a experiência internacional e as especificidades do contexto brasileiro. Oportunamente, o grupo apresentará suas conclusões à Diretoria do BC, que poderá direcionar os próximos passos”, informa a nota do BC.

O Brasil já tem uma criptomoeda lastreada em Real, a BRZ, a stablecoin mais negociada no país, lançada pela Transfero Swiss. Carlos Russo, CFO da empresa, diz que a BRZ difere da CBDC em desenvolvimento pelos bancos centrais porque estas que não usam blockchain – a exemplo das CBDCs da China e das Bahamas.

“O conceito de CBDC não conversa com o de stablecoin, que é baseada em blockchain e em um padrão que a permite ser listada em qualquer bolsa no mundo. Já a CBDC é um ambiente fechado e dificilmente uma bolsa vai listá-la. A stablecoin tem como objetivo levar, de forma descentralizada, as representações das moedas fiduciárias para todos os lugares e bolsas do mundo”, distingue Russo.

Ele considera as iniciativas de CBDC como arranjos de pagamentos fechados que, não necessariamente, vão usar blockchain e é muito mais o desejo do governo de acabar com o dinheiro em papel. “O governo não tem um controle sobre o dinheiro em papel, nem um olhar fiscalizador sobre a movimentação do dinheiro físico”, diz Russo.

Guto Antunes, diretor da mesa de operações OTC do Mercado Bitcoin, destaca que já em 2012 a China foi o primeiro país que olhou os criptoativos como uma forma de  evitar perder o controle sobre a economia da população. O governo percebeu que o Bitcoin poderia fazer com que as remessas e os outros instrumentos de mercado de capitais poderiam ter um impacto com criptoativos descentralizados, sem usar o banco central para liquidar essas operações.

Guto Antunes, Diretor da Mesa de Operações OTC do Mercado Bitcoin

“Isso acendeu um sinal vermelho para a China, que foi o primeiro país a ter um grupo de estudos mais dedicado, a partir de 2014. O objetivo não era estudar como outros países, mas já era para desenvolver uma moeda digital para continuar tendo controle sobre o fluxo de capital de sua população, dentro e fora da China”, diz Antunes. O bitcoin, que nasceu como uma alternativa ao controle estatal, agora é posto em cheque pelas CBDCs das autoridades monetárias das nações.

“É uma dicotomia muito grande, a gente tende a olhar os criptoativos como uma substituição do dinheiro fiduciário. Mas eu não vejo dessa forma e sim como algo complementar ao sistema financeiro atual”, diz Antunes.
Ele não acredita que, num futuro próximo, o papel moeda seja totalmente abandonado  e nem que o mercado migre para criptoativos e moedas digitais. Para Antunes, o dinheiro físico ainda é importante, mas desde o advento dos cartões o dinheiro se digitaliza.

“É um processo e os BCs não querem perder o controle. O governo  norte-americano está preocupado. E a história mostra o papel que os bancos centrais têm para equilibrar o mercado, porque temos volatilidades que podem gerar perdas para outros”, defende Antunes.

Para Monteiro, da ABCripto, é natural a evolução das criptomoedas para as moedas amparadas por um banco central. “Estamos vivendo uma desmaterialização da moeda que está virando um valor digitalmente transferível, a exemplo da Suécia, onde apenas 12% das transações são em papel moeda. O país já programa a extinção do papel moeda. É uma tendência natural”, conclui Monteiro.

 

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Carmen Nery

Jornalista especializada na cobertura dos setores de tecnologia, inovação, varejo, infraestrutura e finanças, formada pela UFRJ com MBA em Gestão pelo IBMEC especialização em comunicação corporativa pela Cândido Mendes.

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