Marcelo Leite: Primeira multa por lixo espacial mostra que há limites para a corrida dos satélites
Por Marcelo Leite* – Quando se fala de leis relacionadas ao descarte correto de detritos espaciais, a impressão que se tinha até pouco tempo era a de que o mundo todo concordava com o Brasil acreditando na famosa máxima de que existem leis que “pegam” e outras que “não pegam”. Isso porque, mesmo havendo regras claras sobre o assunto, poucos se preocupavam em cumpri-las, pois, na prática, nada acontecia aos que assim agiam.
Ocorre que, no início de outubro, o cenário mudou completamente quando a Comissão de Comunicações do governo americano (FCC) aplicou uma multa de US$ 150 mil (ou R$ 750 mil) a uma empresa em função de a organização não ter deslocado um de seus satélites antigos para a distância estabelecida pela legislação.
Segundo informações publicadas pela imprensa, o artefato lançado em 2002 estava em órbita geoestacionária a uma altura de 36 mil km da superfície da Terra. Pelas normas, ele deveria ter sido movido para uma distância de 300 km mais afastado da Terra. No entanto, por ter ficado sem combustível, ele foi levado para um local distante a apenas 122 km.
Esta primeira multa espacial é recebida como um bom sinal pelos cientistas e especialistas no assunto, que há algum tempo vêm alertando para o risco do chamado lixo espacial, algo que só tem aumentado nos últimos anos com a expansão acelerada das constelações de satélites de baixa órbita.
Segundo o Relatório Ambiental Espacial 2023 da European Space Agency (ESA), 2.409 novas “cargas úteis” rastreadas (principalmente satélites) entraram em órbita ao redor da Terra somente em 2022, registrando o maior volume já ocorrido. O estudo afirma, ainda, que dos mais de 30 mil pedaços individuais de detritos espaciais com mais de 10 cm atualmente identificados, mais da metade estão espalhados na órbita baixa da Terra (abaixo de 2.000 km). Isso não inclui objetos que ainda não foram rastreados ou aqueles que são muito pequenos para serem detectados.
Uma colisão ou fragmentação nessas regiões orbitais seria catastrófica para os demais satélites em órbitas semelhantes, e para satélites ou veículos espaciais tripulados que passassem por esta região a caminho de destinos mais distantes.
Uma amostra do tamanho do problema foi vivenciada pela própria ESA no mês de abril, quando a agência foi obrigada a fazer uma manobra para evitar a colisão do satélite CryoSat com os destroços de um foguete com cerca de dois metros e mais de 200 kg.
Considerando as projeções de crescimento apresentadas continuamente pelas mais ruidosas operadoras de satélite, é certo contar com um aumento acelerado de lançamentos de novos equipamentos de baixa órbita em proporções nunca imaginadas até o momento.
Desta forma, caso continuassem agindo com a falsa certeza de que as leis criadas na Terra não pegam simplesmente porque as transgressões ocorrem no espaço, as empresas do setor estariam contribuindo significativamente para a ocorrência de tragédias de proporções inéditas em um período não tão distante deste que vivemos.
Por essas e outras, a multa aplicada pelo FCC funciona como um alerta de que nem no espaço o ser humano está desobrigado de respeitar limites e se responsabilizar por suas atitudes.
Assim como outros ecossistemas, o espaço oferece, sim, enormes e diversas oportunidades de benefícios para melhorar a vida do homem. Apesar disso, explorar esse potencial sem organização e respeito sempre será sinal de perigo. Desta forma, por mais moderna que seja a tecnologia, não resta outra atitude aos que possuem responsabilidade senão manutenção da antiga tradição de colocar ordem na casa por meio de fiscalização e punição.
*Marcelo Leite é diretor de Estratégia e Portfólio da Sencinet