Mais de 20 milhões de famílias de baixa renda ficarão sem o conversor gratuito de TV digital

Até 2018 serão distribuídos set top box para 16,1 milhões de famílias do Bolsa Família e do Cadastro Único. Mas outras 20,4 milhões de famílias de baixa renda que não moram nas cidades onde vai haver o desligamento da TV não têm qualquer política de compensação planejada.

Depois de concluído o primeiro projeto piloto de implantação da TV digital no país, o que ocorreu no dia 1º de março na cidade goiana de Rio Verde, as atenções dos operadores, governo e radiodifusores  se voltam para Brasília, a primeira e única grande cidade a passar este ano pela prova de fogo do desligamento de todos os seus canais analógicos este (exatamente no dia 30 de outubro, se tudo der certo).

Enquanto os preparativos estão sendo feitos, vale a pena parar para refletir um pouco sobre as últimas e importantes mudanças que ocorreram nesse segmento nos últimos meses. A mudança mais importante foi, sem dúvida, a alteração do cronograma do desligamento, que ainda não foi confirmada oficialmente pela presidente Dilma Rousseff, mas que já são favas contadas no setor. A alteração desse calendário, com a redefinição das cidades que terão que ter os canais analógicos desligados, permitiu que se ampliasse  nas grandes cidades com problemas de congestionamento de frequências a distribuição gratuita dos conversores da TV digital.

Se antes os conversores seriam distribuídos apenas para as famílias contempladas do Bolsa Família daquela cidade, a sua distribuição praticamente triplicou porque decidiu-se  incluir também as famílias inscritas no Cadastro Único. Se triplicou a demanda, a oferta do dinheiro continuou sendo a mesma: os recursos oferecidos previamente pelas operadoras – e calculados pela Anatel, com o referendo do TCU – quando compraram a frequência de 700 MHz. Esta é mesma frequência ocupada pelas emissoras de TV analógica, que precisarão desocupar o lugar.

E não é pouco dinheiro: R$ 3 bilhões. Essa montanha de bilhão deve poder pagar os conversores a serem distribuídos às famílias de baixa renda e pagar também aos radiodifusores para desocuparem a faixa. É muito bilhão, mas pouco para o total de famílias que integram os programas sociais dos governos.

Conforme os números detalhados agora pelo Gired (o grupo com representantes da Anatel, das operadoras e dos radiodifusores) que decide sobre o processo de transição da TV digital até 2018, quando haverá o desligamento obrigatório dos canais de TV e para onde estão canalizados esses R$ 3 bilhões das operadoras, serão contempladas 16,1 milhões de famílias com o conversor digital de TV.

Mudança no cronograma da TV digital e distribuição de conversor (fonte: Gired)
Mudança no cronograma da TV digital e distribuição de conversor (fonte: Gired)

Mas não há qualquer previsão de como serão atendidas ou qualquer política definida para as mais de 20,4 milhões de famílias que estarão no restante das cidades que ficarão fora desse cronograma. Ora, vão argumentar os especialistas do setor, “ nessas cidades não haverá problema, pois os sinais serão paulatinamento desligados até 2023”. Ainda assim, entre 2018 a 2023 há um vácuo de política pública, pois o dinheiro das teles terá se esgotado, e o combalido cofre do Governo Federal não parece que vá lá se interessar por esse tema.

E o que poder ser o pior cenário é não desligar o sinal da TV analógica e condenar quase todo o território brasileiro a conviver com ela. Não custa lembrar que, no novo cronograma definido, apenas 54 municípios, entre os 5.570 que existem,  terão os canais analógicos desligados nos próximos três anos. Fazer com que o restante do país continue a assistir a uma TV com chuvisco, sem interatividade, ainda analógica, seria abrir um grande fosso entre os “com TV digital” e os “sem TV digital”. E esse fosso não pode ser cavado.

Cidades e datas de desligamento da TV analógica com número de famílias contempladas a receber o conversor. (fonte: gired)
Cidades e datas de desligamento da TV analógica com número de famílias contempladas a receber o conversor. (fonte: gired)
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Miriam Aquino

Jornalista há mais de 30 anos, é diretora da Momento Editorial e responsável pela sucursal de Brasília. Especializou-se nas áreas de telecomunicações e de Tecnologia da Informação, e tem ampla experiência no acompanhamento de políticas públicas e dos assuntos regulatórios.
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