O voto de Zerbone e os grilhões das concessões

O voto traz mudanças muito profundas em todos os serviços de telecom, e o mercado acha que muitas alterações precisam de estudos regulatórios mais aprofundados e análises de impactos ainda não feitas.

Depois da enorme confusão e grandes desentendimentos que ocorreram nas duas últimas semanas, antes da divulgação definitiva do voto do conselheiro da Anatel Rodrigo Zerbone para a criação do novo Serviço Convergente de Telecom (SCT), o mercado resolveu ser recolher e entender melhor o documento. Aliás, a proposta foi sendo construída diariamente, à medida em que caiam raios sobre o que se comentava da pretendida proposta em elaboração, que ainda vai sofrer muitas mudanças até que a Anatel tenha um texto definitivo

Enquanto os empresários ainda tentam digerir o documento de 239 páginas de Zerbone, algumas ponderações merecem ser lançadas para serem corrigidas, se erradas, ou refletidas , se certas. A primeira preocupação com o modelo apresentado pelo conselheiro vem com a pergunta: de onde vai sair o dinheiro para a construção da vasta rede de banda larga proposta por ele?

É genial a ideia que teve de direcionar os investimentos das concessionárias – leia-se grupos Oi, Telefônica, América Móvil, Algar Telecom e Sercomtel – que quiserem migrar para o novo serviço convergente para a implantação de redes de transporte de fibra nos municípios pouco competitivos e não competitivos e de rede de acesso ou móvel em municípios não competitivos ou localidades ainda não atendidas. Ou seja, será feita a universalização com outras palavras.

Mas a proposta de Zerbone parece se fragilizar porque quer que os investimentos sejam feitos enquanto ainda as empresas são concessionárias. Ora, a pergunta que não quer calar é de onde vai vir o dinheiro novo para esse vultoso investimento pretendido? Ora, se o mercado não foi até lá, e o governo não tem dinheiro para ir, porque as combalidas concessões iriam “expontaneamente” fazer esse trabalho?

O conselheiro aponta que o dinheiro viria do saldo das atuais metas da concessão que não precisarão mais ser cumpridas e dos 2% do faturamento que não serão mais pagos, e sim reinvestidos nesse projeto. Para isso, primeiro, as empresas precisam fazer os investimentos e depois se liberem para o serviço convergente. Essa ideia parece inviável, porque, se ele diz concordar com o diagnóstico do conselheiro Igor de Freitas, de que a concessão de telefonia fixa não tem mais viabilidade econômica, de onde acha que vai sair dinheiro para tamanho investimento? do orelhão arrancado?

Ainda mais frágil é o argumento de que, dessa vez, as empresas vão poder investir em banda larga o dinheiro da concessão de telefonia fixa, sem problema legal algum. Se eu fosse dirigente de concessionária saía correndo dessa cascata,  depois de a  Anatel ter “entubado” nada menos de R$ 1,5 bilhão a mais nas operadoras no cálculo do saldo do backhaul somente  porque elas ofereceram a internet de graça para as escolas públicas urbanas brasileiras. Por (quase) unanimidade a agência entendeu que, apesar de ter sido ofertado um serviço público e gratuito, a banda larga, que é um serviço privado, tinha mesmo que remunerar a rede da concessionária, e lá se foram bilhões de reais de volta para um serviço que se deve acabar.

Para justificar que agora a concessão vai poder aplicar dinheiro em banda larga sem riscos, Zerbone alega que o STFC vai acabar, e por isso, não haveria chance desses investimentos terem outra finalidade. Mas as concessionárias, por sua proposta, só conseguem a carta de alforria para o serviço privado pelo  menos  quatro anos depois de publicado o novo Plano de Outorgas (dois anos após a sua edição e pelo menos depois de ter sido cumprido 50% do cronograma de investimentos). Nesse período, quem garante que não pode haver uma ação, uma medida, um novo entendimento que mantenha novamente as concessões?

Os bens reversíveis, independentemente de como sejam calculados (Zerbone propõe a fórmula do modelo de custos), continuarão inalterados, sendo um peso morto para as concessionárias, que não poderão transformá-los em investimentos, até que se desobriguem de todos os penduricalhos regulatórios. E esta não parece ser a melhor fórmula para o estímulo ao capital.

Novos estudos

Algumas mudanças sugeridas por Zerbone precisam ainda se confirmar com mais estudos. Entre elas, as que unificam as áreas locais. Essa proposta pega em cheio a Embratel, mas afeta também os pequenos entrantes. É preciso saber a lógica dessa mexida.

Há também a retomada do fim da outorga para os pequenos provedores de internet, que provoca uma forte reação dos que estão estabelecidos e legalizados, o que também merece mais debate.

Se o diagnóstico é parecido, os modelos apresentados pelos dois conselheiros são bastante diferentes e ainda vão dar muito pano para manga.

 

 

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Miriam Aquino

Jornalista há mais de 30 anos, é diretora da Momento Editorial e responsável pela sucursal de Brasília. Especializou-se nas áreas de telecomunicações e de Tecnologia da Informação, e tem ampla experiência no acompanhamento de políticas públicas e dos assuntos regulatórios.
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