“Leilão do 5G deve destinar no mínimo 50% dos recursos para investimentos”, diz Soares
O Brasil tem de seguir o exemplo do Chile, que lança em maio a licitação da 5G, priorizando investimentos em leilões de frequências para telefonia móvel. Pelo menos 50%, metade dos recursos a serem aplicados pelas operadoras de telecomunicações, deveriam ser destinados a aplicações no próprio setor, gerando benefícios à população, em vez de ir aos cofres do Tesouro Nacional para equilibrar as contas públicas.
A sugestão será feita em contribuição à consulta pública ao edital pela multinacional Qualcomm, a maior detentora de patentes essenciais da nova tecnologia. Foi o que antecipou ao Tele.Síntese o vice-presidente de Relações Governamentais da empresa, Francisco Soares.
“O recurso fica dentro do setor, é investido para o desenvolvimento das redes, para a compra de equipamentos, para ampliação da cobertura, para a melhoria da conectividade, em vez de ir para o Tesouro para administrar as contas públicas”, argumentou o executivo. Ele defende a ampliação para todas as bandas do modelo que já está previsto em relação à faixa de 60 MHz, em que 90% vão para investimentos, e o restante para o Tesouro.
Segundo Soares, a contribuição da Qualcomm irá apoiar a distribuição do espectro prevista no edital elaborado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), e novas rodadas para vender espectro não comprado se houver desistência da Oi ou de outros agentes. Embora defenda a completa limpeza da faixa de 3,5 GHz, com a migração de todos os serviços para a banda KU satelital, entende que a proposta consensual, que irá retirar espectro da banda C satelital, para garantir 400 MHz ao leilão atende ao momento atual.
A Qualcomm é uma maiores desenvolvedoras de tecnologia móvel e de 5G no mundo e já participa da implantação da 5G nos Estados Unidos, na Coreia do Sul e no Japão.
Tele.Síntese: Quais as contribuições da Qualcomm para a consulta pública do edital de leilão da 5G?
Francisco Soares: Uma das contribuições é sobre esse impacto da venda da Oi. A gente vai bater bastante nisso aí: não vejo motivo de qualquer reformulação nesse sentido.
Tele.Síntese: A contribuição é sobre a possibilidade de venda da Oi móvel?
Soares: Não, não. É apoiando a distribuição de espectro, apoiar o processo de migração do satélite. E falando assim, de uma forma geral, sobre a eventualidade de sobrar espectro, por alguma razão, seja pela Oi ou se alguém não se interessar. A Anatel tem vários instrumentos, ela pode replanejar uma licitação em um segundo momento, realocar esse espectro.
Tele.Síntese: Uma segunda rodada do leilão?
Soares: Pode fazer uma segunda, terceira rodada ou até em outra época. A Anatel pode inclusive dar esse espectro para 5G e não ser licitado. Ela dá em licença em locais para uso de redes privadas locais, por exemplo. Vai ter muito interesse da 5G na questão das redes privadas. São redes 5G implantadas e às vezes até operadas pela indústria 4.0. Há uma infinidade de aplicações e alternativas. E seguramente, não irá ficar ocioso.
Tele.Síntese: Há possibilidade de haver restrição a fornecedores no leilão?
Soares: Não estou atuando nessa área, mas, pelo que a gente escuta das posições do governo, isso está um pouco distante de acontecer.
Tele.Síntese: Em evento na Anatel, o senhor defendeu a migração da TVRO para a Banda KU dos satélites, liberando a faixa de 3,5 GHz para a 5G. O que o senhor acha de o governo ter decidido pela adoção de filtros para superar a interferência da 5G nas TVs atendidas por antenas parabólicas?
Soares: O governo está optando por outra solução mais ou menos. Mas muitas dessas empresas de satélite já estão optando por fazer essa migração para a Banda KU, porque entenderam que vão ter problemas se continuarem nessa banda. Continuo achando que a melhor solução é a migração para a Banda KU. O que está se fazendo é estender um pouquinho o prazo para que isso venha a acontecer. Algumas dessas empresas ainda têm uma necessidade de continuar nessa banda. Mas eu acho que fatalmente, no futuro, elas também vão migrar para a Banda KU.
O meu objetivo com isso sempre foi ter os 400 MHz que a gente poderia ter, agora, no mínimo, para esse leilão da 5G. Como isso foi resolvido de comum acordo com essa solução dada, o objetivo foi alcançado, de uma forma ou de outra. A gente parou de empurrar isso, visto que essa solução se apresentou com mais consenso, neste momento. Mas eu não tenho dúvida de que isso vai voltar à carga. Isso será necessário, não só aqui, mas no mundo todo, e em algum momento será feita a limpeza.
Tele.Síntese: Quando 5G deverá entrar em operação no Brasil?
Soares: A gente está contando que o leilão saia este ano, pelo menos, para que no início do ano que vem comecem a surgir as primeiras iniciativas com a 5G. Não é só uma questão de vender equipamento. O país perde muito, se não tivermos o 5G com mais rapidez. Nós poderíamos ter sido o primeiro país a implantar a 5G na América Latina, mas o Chile está saindo na frente. Já está fazendo um concurso em maio para vender o espectro da 5G. Mas isso não importa, desde que a gente entre o mais rápido possível. É por causa de tudo que vem atrás da 5G, que tem uma tecnologia que vai suportar uma série de novas aplicações, benefícios, sociais e econômicos, e quanto mais cedo o país entrar no 5G, mais cedo a população vai poder usufruir desses benefícios.
Não faz sentido protelar isso. Tem um monte de gente querendo desenvolver soluções, aplicativos, que precisam da baixa latência, por exemplo, que não existe na tecnologia 4G. Então, tudo isso vai começar a acontecer lá fora, e a gente aqui sem esse benefício, esperando o pessoal decidir. Ficaremos vendo vendo a banda passar. Nós já experimentamos isso aí no 3G. Eu era da Anatel. Briguei muito para sair logo o 3G. E nós demoramos seis anos depois que foi lançado no mundo.
Tele.Síntese: No leilão da 5G, há como impedir o furor arrecadatório do governo?
Soares: Isso é outro ponto que também nós vamos comentar [na consulta pública]. Sinceramente, já tivemos um pequeno progresso na proposta, porque em uma das bandas, a de 60 MHz, está prevista a possibilidade de pagar só 10%, que vão para o Tesouro Nacional, e os outros 90% vão ser transformados em investimento de cobertura na própria rede. Já é uma vantagem em relação ao processo anterior.
Tele.Síntese: Essa experiência tem em outros países?
Soares: O Chile já faz isso muito há muitos anos. E é uma experiência bem sucedida. Aqui, o governo quer ingresso, quer receitas, enfim, vê isso como uma oportunidade de melhoria nas contas. Mas nós já deveríamos ter partido para leilão não arrecadatório, que é muito mais benéfico para a população. O recurso fica dentro do setor, é investido para o desenvolvimento das redes, para a compra de equipamentos, para ampliação da cobertura, para a melhoria da conectividade em vez de ir para o Tesouro para administrar as contas públicas.
Tele.Síntese: Essa será uma das contribuições da Qualcomm à consulta pública da 5G?
Soares: Sim. A gente gostaria de ver esse modelo de 10% e 90%, que está sendo aplicado em 60 MHz, para que seja aplicado para outras bandas também. Talvez não nessa mesma proporção. E eu não tenho dúvidas nem a ilusão de que o governo não vai querer levar parte desse recurso. Mas talvez nas outras bandas comerciais poderia ter 50%, para investimento na própria rede, e 50% vai para o Tesouro.
Tele.Síntese: Deve haver preferência de empresas nacionais para a contratação de fornecedores no leilão da 5G, como houve por parte da Anatel em leilões anteriores?
Soares: Acho que não. Sempre existiu ou existe, dentro da política brasileira, alguns benefícios para empresas que estão instaladas no país. Mas nunca se fechou as portas para outras empresas. Hoje em dia essa questão já está um pouco superada. As empresas são mundiais, e isso nem atrapalha nem facilita nada. E os benefícios para as nacionais acontecerão, depois, na construção das redes, indiretamente.