Paulo Kapp: IoT – Até quando vamos ficar fora do pódio?
Ainda sob as muitas lembranças destes tempos olímpicos, uma delas me ficou muito presente, a de um locutor famoso torcendo efusivamente por um nadador norte americano mesmo quando ainda tínhamos um nadador brasileiro concorrendo. Nas entrelinhas eu vi que não temos vergonha de assumir os méritos dos outros como nossos e ainda achar isso certo.
Lembro-me de um professor dos tempos do Colégio Militar, o qual sempre nos falava uma frase quando entregava as notas – “Existem dois tipos de pessoas: as que dão desculpas e as que dão resultados, qual delas vocês querem ser?”.
Agora, mudando totalmente de assunto, mas nem tanto, imaginem que o desenvolvimento da IoT (Internet of Things – Internet das Coisas) fosse incluído nas olimpíadas de Tóquio, em que lugar o Brasil estaria no final no final da prova?
Vamos demorar tanto tempo para chegarmos ao pódio quanto demoramos nos demais esportes? Já temos conhecimento? Regulação? Apetite industrial e Tecnológico? Ou vamos dar a mesma desculpa a qual usamos para o Badminton? “Afinal, esse não é o esporte do Brasil”.
Primeiro vamos entender o que é a “coisa”. Ela, vulgarmente designada pelo conceito de Internet das coisas, é qualquer item que possa conter um dispositivo de computação conectado. A “coisa” na Internet das coisas pode ser uma ferramenta com uma etiqueta RFID ou ajudar um atleta enviando dados de fitness ou mensagens de texto, através de Wi-Fi para um servidor em algum lugar da Internet. À ela se somam uma infinidade de elementos que possibilitem esta comunicação ou que dela tire proveito, seja pelo uso de metadados, pela venda dos Mbits usados na conversa ou qualquer tecnologia que alimente este novo motor econômico.
A IoT (Internet of Things – Internet das Coisas) é o que se pode chamar de “tecnologia consequente”, ou seja, ela é o que se podia esperar da evolução da conectividade. Ela já existia na década de 70, no Brasil, quando se introduziu os sistemas de irrigação por controle remoto das válvulas em grandes tubulações, mas a diferença é que estes dispositivos apenas enviavam dados e recebiam ordens de atuação. O que acontece agora é totalmente diferente, pois existe, em algum nível, uma “inteligência embarcada” na Coisa, e que permite que ela processe informações por conta própria, passando os dados para quem deles necessite, seja para conhecimento, para ações ou para armazenagem. Simplificando: ela é consequente porque foi consequência das “informações conectadas”, das “pessoas conectadas” para finalmente se transformar nas “coisas conectadas”.
A IoT lembra aquela casa antiga totalmente reformada. Dispositivos conectados existem a mais de trinta anos, mas a diferença agora e a existência das quase onipresentes redes de dados móveis combinadas com dispositivos de capacidade de processamento altíssimo e de relativo baixo custo. Uma década atrás, dispositivos como o Arduino teriam sido inimagináveis. Hoje, eles são comuns e custam menos que jantar mais sofisticado.
Outro fator consequente é o ambiente propício para isso. Quem forneceria seus dados pessoais para uma nuvem há uma década? Depois das redes sociais, as pessoas aceitam compartilhar sua relativa intimidade. Por que você não aceitaria informar as calorias consumidas durante uma corrida se você posta uma foto do seu almoço?
Então, o que se pode dizer, sobre IoT hoje pensando em Tóquio?
1. Vamos começar pela tecnologia.
Desculpo-me para aqueles que serão vítimas de um artigo escrito por um engenheiro, mas serei técnico, prometo que será somente este item.
O “ecossistema” IoT é um conjunto de padrões, regras, tecnologias de transmissão e, principalmente, estruturas (Frameworks) e sistemas operacionais de alguns fabricantes ou consórcio de fabricantes. Tentei resumir na Figura 1 todo este ecossistema.
Quanto mais para baixo, mais próximos ao hardware estamos, seria o “coisa” propriamente dita, mas entenda-se por sensor, atuador, etc. É claro que este “objeto” vai precisar de protocolos de comunicação e aplicações para transmitir os dados para as camadas superiores e delas receber ordens de atuação. Estas aplicações devem entender algum protocolo que as torne parte de outro universo. Aí entram os consórcios e fabricantes, os quais desenvolvem seus sistemas operacionais e suas bibliotecas para que os pequenos desenvolvedores tenham seus produtos já dentro de um padrão de comunicação e funcionamento. Google, Apple, Intel, Huawei, Qualcomm, etc. procuram propagandear as vantagens de cada framework e o que se percebe que alguns focam em nichos de mercado. A Apple tem o foco no mercado de massa doméstico. Já a Huawei e a Qualcomm no mercado de smartphones e seus periféricos, fazendo uso das redes móveis.
Continuando para cima, a próxima camada nada mais é do que a infraestrutura de centros de dados, onde se coleta metadados e não informações. Explico: um metadado pode ser a quantidade de chamadas de voz ou a quantidade de vezes que um sensor se comunicou com a aplicação. O que foi falado e o que o sensor comunicou seria a informação.
Na penúltima camada, a dos sistemas e/ou aplicações de integração, é camada onde um determinado desenvolvedor agrega seus dispositivos. A Bosch, por exemplo, tem um sistema IoT totalmente verticalizado, mas depende dos sistemas de transmissão de dados de outros fornecedores para funcionar. A Figura 2 mostra o mesmo ecossistema, agora apenas para a Bosch e seus fornecedores, parceiros, elementos ativos e passivos.
Na última camada inserem-se as aplicações e sistemas que agregam os demais sistemas de vários fornecedores. Uma cidade inteligente agregaria vários subsistemas: câmeras, sensores de bueiros, lixo, sinais de trânsito, mobilidade urbana, etc. Com toda a certeza todos eles não seriam de um único fornecedor e a customização seria levada ao seu limite, dependendo da necessidade e do orçamento.
2. O que precisa ser regulado?
A regulação é outro ponto importante. O excesso de regras inibe a competição e o investimento, por outro lado, a falta delas também pode inibir a competição ou deixar o consumidor desprotegido. A BEREC (Body of European Regulators of Electronic Communications) da União Européia, vem lançando consultas públicas desde 2013 sobre IoT e, apesar de ainda não totalmente regulada e padronizada, produziu um relatório em fevereiro de 2016, onde analisa os seguintes temas:
- Gestão da escassez de recursos técnicos necessários para a Internet das Coisas (frequências, números, endereços IP);
- Mudanças que precisam ser feitas nas normas europeias para alavancar a IoT definição de serviços de comunicações eletrônicas, obrigações de roaming, interferência nos serviços de voz e concessões, segurança de rede, etc.;
- Outras considerações importantes que não fazem parte dos objetivos da regulação europeia de comunicações eletrônicas, mas que interferem diretamente nos direitos de uso de seus habitantes: privacidade, proteção de dados, etc. assim como a padronização.
Neste último item já fica clara a necessidade da participação de instituições parceiras e ajustes entre outros países e blocos econômicos.
Já nos Estados Unidos e Canadá (com o México a reboque), o foco é totalmente diferente. A regulação se direciona à privacidade e à segurança dos dados e acesso aos dispositivos de IoT. Somente no início de 2015 o FTC alertava sobre a necessidade de uma regulação nesta indústria voltada totalmente para a segurança e privacidade e a permissão expressa do usuário na partilha de seus dados. A padronização, ao que parece nos relatórios seguintes, fica a cargo da competição entre os fabricantes.
O Japão e Coreia seguem uma linha intermediária em relação a União Europeia e EEUU. A regulação segue a linha de das regras de 2013 para M2M, mais preocupada na segurança dos dados e uso do espectro.
3. Em que estado estão os outros competidores?
Ao que parece, a Europa, Estados Unidos e Canadá correm na frente no que e refere à regulação quanto a privacidade; já os chineses e coreanos na padronização. Uma típica situação de quem tem medo de ser espionado e de quem pretende tomar o mercado assalto. Mas onde está o mercado? Voltamos a analisar a Figura 1. Considerando as camadas, onde o mercado parece mais consolidado? Obviamente, um desenvolvimento de um aparato IoT deve estar alinhado a um dos Frameworks existentes e utilizar um dos padrões de transmissão. Existem comunidades e associações na China, na Coreia, no Vietnam, na Europa e America do Norte e uma boa maneira de se descobrir onde está o melhor mercado é pesquisar para onde está indo o dinheiro do tipo “venture capital”. São os investidores que buscam o melhor mercado. A Venture Scanner já fez este trabalho para nós e a Figura 3 mostra algumas destas empresas separadas por segmento de mercado.
4. Qualquer um pode entrar no jogo e isso é bom para o Brasil.
Como o uso da IoT está diretamente ligado ao uso intensivo da computação e de dispositivos de massa, é um mercado totalmente novo e reinventável. As informações de localização e status de um dispositivo mudam totalmente as possibilidades de seu uso. As barreiras de entrada são mais baixas onde temos nossos próprios nichos, onde os “gringos” não conhecem o nosso “Marketing de necessidade”. Temos de pensar o que realmente seria útil para um cliente. Nossas casas, comida, jeito de falar, língua, nosso governo, por exemplo, são diferentes do resto do mundo.
Ou seja, os vencedores serão aqueles que, com base em mais informações, não apenas relacionadas aos seus produtos, serão capazes de identificar as necessidades de seus clientes, sejam para seus produtos ou não.
O sucesso de qualquer novo dispositivo IoT vai ser diretamente proporcional a sua capacidade de exigir menos do usuário. A facilidade de uso não necessariamente indica a facilidade de instalação e configuração. Portanto, um aparato que seja de fácil instalação, autoconfigurável e autorreparável será, com grande probabilidade, autovendável.
5. A competição
Você deve estar se perguntando o porquê de começar este artigo pelas Olimpíadas, mas agora vai ficar claro.
Tenho visto vários atletas militares e cabe aqui dizer a excelente forma encontrada de dar estabilidade e certa constância para os atletas. Ponto para as Forças Armadas e o Ministério do Esporte. Um programa de governo que pouco divulgado fora do ambiente esportivo sobre ao pódio nas últimas duas olimpíadas. Caso o programa continue, ainda vamos dar muitas “desculpas” pelas derrotas por algumas olimpíadas, mas, acredito que elas vão se transformar em “resultados”.
O governo teve a coragem de “bancar” o esporte “não midiático” e pouco rentável. Tenho certeza que depois de algumas olimpíadas pessoas vão pagar para ver uma partida de handebol feminino, coisa que atualmente só fariam por uma de voleibol.
A tecnologia e a IoT precisam embarcar em um programa semelhante, mas os “atletas industriais” precisam saber que estão competindo, não por medalhas, mas pelo mercado, pela capacidade de subir ao pódio mercadológico antes dos outros e não para continuar recebendo a bolsa tecnológica eternamente..
Vamos precisar padronizar o que necessita ser padronizado e não esperar pelos outros competidores padronizarem para só depois nos inscrevermos na prova. Vamos precisar regular o que necessita ser regulado e daí a importância do conhecimento técnico governamental. Precisamos de tecnologia própria interoperável com a de outros competidores.
Estas “coisas” vieram para ficar e se você ainda tem alguma dúvida de quanto a IoT estará presente, eu conto um fato:
Na semana passada comprei um relógio fitness e o conectei com o meu smartphone. Eu já tinha uma balança conectada do mesmo fabricante. Ontem uma vistosa professora de uma grande rede de academias apareceu em minha porta com um convite promocional para aulas de natação. Ela parecia saber mais sobre mim do que eu mesmo… Não sei você, mas eu ficaria preocupado em alguém ter desenvolvido alguma coisa muito antes de mim, para saber de mim, para facilitar a minha vida quase de graça, tirar o meu dinheiro, me deixar assistindo outros países subirem ao lugar mais alto e ainda com um locutor intragável elogiando tudo isso.