Fellah: Brasil coloca 5G no centro da agricultura inteligente

Adlane Fellah, analista e investidor do setor de telecomunicações, fala sobre o esforço das operadoras de rede móvel para alavancar a agricultura inteligente
Fellah: Brasil coloca 5G no centro da agricultura inteligente
O especialista fala sobre o esforço das operadoras para alavancar a agricultura inteligente | Foto: Divulgação

Por: Adlane Fellah *

As operadoras de redes móveis têm trabalhado com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e com fabricantes de equipamentos como Nokia e Huawei para alavancar a agricultura inteligente, aumentando a produtividade e reduzindo custos. Esse esforço é fundamental para o país, não só porque agronegócio representa 26% do PIB, mas para melhorar a imagem do Brasil como produtor sustentável que parou de destruir a floresta amazônica.

No entanto, o setor agrícola vem sendo prejudicado pela falta de conectividade móvel. Apenas 19% das fazendas têm acesso a redes 4G ou 5G. Protocolos LPWAN com baixa taxa de bits não requerem 4G ou 5G, como NB-IoT celular e os protocolos LoRaWAN e Sigfox não celulares, que não são licenciados. Esses protocolos foram implementados no Brasil para aplicações que podem ser atendidas por taxas de bits muito baixas — geralmente abaixo de 50 Kbps — para medição inteligente e monitoramento de sensores, inclusive para agricultura.

Essas opções são bastante eficientes em termos de consumo de energia, podendo funcionar com baterias carregadas por energia solar, e têm alcance muito maior do que outras tecnologias móveis com baixo consumo de energia, chegando até 16 km em áreas rurais para LoRa. Porém, ainda exigem backhaul para conectividade com a internet em redes fixas ou móveis.

Há também o LTE-M celular (também conhecido como Cat-M1), que requer 4G e pode atender aplicações intermediárias de IoT que exigem até 1 Mbps (ou mais em alguns casos, mas normalmente 200-500 Kbps). Essa opção tem sido amplamente utilizada na América Latina, inclusive para algumas aplicações com baixa taxa de bits, apresentando eficiência energética razoável. Com o tempo, será suplantada pelo 5G RedCap ou pelo RedCap estendido introduzido com o 3GPP Release 18, que parece um substituto mais direto para o LTE-M. Isso oferece taxas de bits um pouco mais altas com maior eficiência energética.

A agricultura utiliza uma variedade de aplicações com requisitos muito variados de taxa de bits e latência, algumas delas atendidas por LPWAN. Outras exigem todos os recursos do Novo Rádio 4G ou 5G, ou mesmo IA, embora esta ainda seja uma área emergente. Muitas aplicações anteriores atendidas por LPWAN no Brasil estavam no limite inferior do espectro de desempenho.

Atualmente, fornecedores e operadoras de telecomunicações estão testando o 4G e o 5G, atraindo fornecedores especializados de infraestrutura e serviços de conectividade. A Nokia acaba de firmar uma parceria no Brasil com a operadora de redes móveis virtuais e provedora de infraestrutura de telecomunicações Solis, que até agora focava em conectividade NB-IoT LPWAN para a agricultura. Essa parceria estenderá a conectividade dos agricultores a redes LTE-M privativas, como uma extensão de NB-IoT, com o objetivo de atender a uma maior variedade de aplicações agrícolas voltadas para “máquinas, sensores e trabalhadores”.

A Nokia está contribuindo com seu arsenal AirScale, incluindo small cells, banda base, soluções remotas de cabeça de rádio e estações rádio base, além de software que suporta casos de uso de IoT. Além do suporte às aplicações em campo, a Nokia indicou que a tecnologia sem fio privativa ajudará os trabalhadores agrícolas — que atuam em lugares distantes e muitas vezes de forma itinerante — a manter contato com amigos e familiares e usar serviços como aplicativos de bancos, hoje inacessíveis em muitas partes do Brasil onde não há conectividade.

A Ericsson tem menor visibilidade do que a Nokia no setor agrícola, mas em julho de 2021 estabeleceu uma parceria no Brasil com a John Deere, fabricante americana de tratores e outras máquinas agrícolas. O objetivo era avaliar o uso dessas duas variantes de IoT celular — NB-IOT e LTE-M — para controlar e monitorar remotamente os equipamentos no campo. As variantes ofereciam largura de banda suficiente para funções básicas de controle remoto de equipamentos em solo que não exigem latência tão baixa — como, por exemplo, drones aéreos operando além da linha de visão. LPWAN foi preferida devido à cobertura eficiente em distâncias razoáveis.

A própria John Deere investiu em telefonia celular em todas as suas operações, incluindo 5G privado em suas fábricas de equipamentos. A empresa continuou avançando na implementação de comunicação sem fio no campo e recentemente adicionou o satélite LEO ao seu portfólio. Em janeiro, a companhia assinou acordo com a Space X Starlink para fornecer conectividade via satélite em áreas distantes que não são facilmente alcançadas por redes terrestres, mesmo por LPWAN por backhaul. Essa iniciativa está focada inicialmente nos EUA e no Brasil, que são dois grandes mercados para a companhia.

Após oito meses de testes, a Deere preferiu a Starlink à Intelsat, citando a baixa latência como fator de desempate, além da extensão da cobertura. A empresa informou que começará a implementar a cobertura Starlink no segundo semestre de 2024 nos dois países.

A Huawei também tem atuação de destaque no setor agrícola no Brasil, onde colabora com a Claro, da América Móvil. A Huawei também trabalhou com a Anatel e a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ADBI) na definição de bases para redes privativas com alocações adequadas de espectro.

A Huawei enfatizou a importância de assegurar energia sustentável para essas redes, bem como conectividade de backhaul, com foco na geração de energia solar para equipamentos remotos. A Huawei observou que o Brasil tem as maiores usinas fotovoltaicas da América Latina e que a energia solar agora responde por 7% do uso de energia dos consumidores, sendo muito mais do que isso em áreas rurais.

No Mobile World Congress 2024, a Huawei deu ênfase à agricultura conectada na América Latina, especialmente no Brasil. Seu principal argumento é que a próxima etapa da agricultura inteligente irá além da conectividade — seja com sensores, tratores, colheitadeiras ou drones — e chegará a sistemas integrados e análise de dados. É daí que virão as maiores receitas e economias de custos e, por isso, a Huawei vem formando uma rede de parceiros locais nos países-alvo, incluindo integradores de sistemas, universidades e startups.

Até então, os agricultores eram obrigados a fornecer quantidades excessivas de recursos caros ou escassos às lavouras, como fertilizantes, pesticidas e mesmo água. Graças à implementação de sensores combinados com análises, eles já estão reduzindo a utilização desses recursos para níveis mais próximos da real necessidade. Além de economizar dinheiro, isso pode melhorar a qualidade e o rendimento das lavouras porque a rega ou fertilização em excesso podem ser quase tão prejudiciais quanto a falta delas.

Grandes companhias industriais, como a John Deere, também estão construindo ecossistemas de parceiros e fomentando startups no setor, em antecipação ao crescimento do mercado de análises agrícolas a partir de tecnologias sem fio.

* Adlane Fellah é analista e investidor do setor de telecomunicações, com 25 anos de experiência na área, jurado das premiações Glomo Awards (GSMA), Fierce, Glotel e WBA Awards, sócio da consultoria e empresa de análises de mercado Maravedis

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