Faixa de 3,7 GHz não é suficiente para redes privadas 5G, avalia a Ericsson
Faltando alguns dias para o leilão 5G, o vice-presidente de negócios da Ericsson para o Cone Sul da América Latina, Murilo Barbosa, afirma que a fabricante pretende aumentar o market share da empresa no Brasil na 5G. Hoje, a companhia detém cerca de 52% do mercado de rede 4G e tem a ambição de aumentar ainda mais esse número na quinta geração.
Mas a estratégia da empresa para crescer mais no segmento em que já é dominante passa por vender equipamentos para redes privativas. Segundo Barbosa, a Ericsson está interessadíssima neste mercado crescente. A sua abordagem será diferente das rivais: o plano é atuar por intermédio das operadoras, seus principais clientes no Brasil.
Ele opina que a faixa de 3,7 GHz proposta pela Anatel para uso exclusivo das verticais da indústrias não será suficiente para habilitar todos os casos de usos. A solução seria utilizar o espectro dinâmico, conforme as necessidades das aplicações, sugere. Veja, abaixo, a entrevista que fizemos com o executivo:
De acordo com o relatório da Ericsson, até 2025 haverá 2,8 bilhões de usuários 5G no mundo. Isso poderá gerar novas indústrias? Como a Ericsson irá se inserir nesse contexto?
Murilo Barbosa, vice-presidente de negócios da Ericsson para o Cone Sul da América Latina – A Ericsson tem uma participação ativa no desenvolvimento da 5G porque é a fornecedora das soluções, dos rádios e participa da elaboração para as aplicações da 5G.
Quando discute a 5G com clientes, a Ericsson traz uma série de parceiros lá de fora para tentar acelerar o desenvolvimento das aplicações. Temos mais de 50 casos de uso de indústria 4.0 mundo afora.
O agronegócio, por exemplo, este ano vai ser mais que 30% do PIB brasileiro. Então imagina esse setor, que é tão fundamental para nossa economia, com uma plataforma de novas aplicações. A Ericsson já testou com nossos parceiros um drone totalmente guiado por 5G. Esse drone sobrevoa uma área extensa cultivada, transmitindo vídeos e imagens em tempo real para uma unidade de controle. Todo o esforço que seria demandado para percorrer aquela área com tratores e caminhões vai ser simplificado e otimizado através de um drone.
A quinta geração é uma plataforma de negócios e inovação que vai possibilitar receitas adicionais para toda a indústria de diversos setores, diversas verticais e ela também vai promover dois pontos importantes: o aumento de produtividade e eficiência de diversas indústrias e a inclusão social.
Muitas pessoas vão ter acesso a serviços que hoje não são possíveis. Mesmo em uma área remota, distante de grandes centros, o atendimento médico vai ser possível em cima da tecnologia 5G.
Por outro lado, muitos defendem que o que irá levar a inclusão social não é a tecnologia em si, mas políticas públicas. O que o Senhor pensa a respeito?
Barbosa – Sem dúvida, o que vai de fato trazer a inclusão social é a aplicação lá na ponta, não é a tecnologia por si só. A tecnologia é só a base que permite essas aplicações. Esse ambiente colaborativo com diversos atores da economia – alguém que vai desenvolver a aplicação da telemedicina, a entidade pública regulatória que vai desenvolver as políticas públicas – todos esses participantes são fundamentais para que de fato a conectividade possa atuar.
Qual o tamanho do mercado 5G no Brasil que a Ericsson pretende ocupar? O Brasil é uma prioridade para a empresa?
Barbosa – Sim, o Brasil é uma prioridade.
No mundo, a Ericsson tem quatro fábricas, no Brasil está uma delas. Nossa fábrica fica em São José dos Campos. A gente tem uma linha de produção de rádio 5G já em operação, iniciou este ano. A gente produz localmente os rádios 5G para atender a demanda do Brasil e, também, as exportações da América Latina.
A Ericsson está pronta para entregar a 5G para nossos clientes, como operadoras, e para esses novos mercados, como redes privadas, cidades inteligentes, setor de mineração e agricultura.
Atualmente, a Ericsson tem uma participação extremamente relevante no market share brasileiro de rede 4G. A gente tem aproximadamente 52% de market share em redes 4G e tem a ambição de manter essa posição e, inclusive, aumentar a nossa participação no setor.
A Ericsson considera o atraso do leilão 5G no Brasil prejudicial para o país? O Brasil ficou para trás no desenvolvimento de aplicações em relação ao resto do mundo?
Barbosa – A gente acredita que o leilão poderia ter acontecido antes. O importante é que, agora, ele está agendado. Existem países na região, o Chile por exemplo, onde o leilão já aconteceu e os outros países da região estão na parte de pesquisa e discussão. Acho que, acontecendo agora em 2021, já é um bom passo.
Não é com o leilão que tudo se resolve. É o primeiro passo e toda a preparação das indústrias e a implementação das aplicações, deve acontecer nos próximos anos.
Os rádios fornecidos pela Ericsson já são preparados para a 5G. Mesmo os da 4G é só uma questão de habilitação via software da tecnologia 5G.
O padrão estabelecido pela Anatel foi de standalone. Há espaço para o desenvolvimento do non-standalone no Brasil?
Barbosa – A gente acha que vai ser uma transição suave para a rede standalone. Existem algumas partes da rede que demandam um investimento, como o core da rede. O core deve ser adotado e implementado para atender a uma rede standalone, mas a parte mais massiva que é a distribuição de rádios acontece de forma mais suave do non-standalone para o standalone.
A Ericsson já realizou diversos lançamentos de equipamentos voltados para as faixas milimétricas (mmWave). Qual a expectativa para a faixa e como vocês pretendem se inserir nela?
Barbosa – Ela [mmWave] é super importante porque habilita duas coisas fundamentais. Se você pensar no ponto de vista de consumo, habilita casos de altas taxas e resposta em tempo real e baixa latência. Então, vai permitir realidade aumentada em diversos setores do varejo. Alguém que queira fazer uma compra e esteja no interior do Brasil, por meio da realidade virtual, vai ter a sensação e experiência como se estivesse dentro da loja.
Do lado das verticais industriais, o 5G habilita uma série de automações e veículos autônomos guiados dentro da indústria que trazem redução de custo expressiva, ganhos de eficiência no tempo de produção. [Essas faixas] são extremamente importantes para alcançar uma taxa de produtividade muito mais alta e o Brasil passar a ser comparável com produtividade com outros países mundo afora.
E tem um ponto que é muito importante, o network slicing vai permitir que você dê utilização para sua rede para cada serviço específico. Ele vai ajudar muito a gente no direcionamento dos recursos da rede para aplicação correta.
Com o leilão começando agora no início de novembro, impulsionando todas as implementações da rede 5G, eu imagino que, em algum momento dos próximos três anos, as ondas milimétricas sem dúvida vão acontecer.
Vou te dar um exemplo no setor do agronegócio. Tem aquela fazenda enorme que precisa ser conectada. Sem dúvida, uma frequência baixa para conectar a maior área possível é importante, mas existem partes da fazenda que funcionam como uma indústria, captando os insumos cultivados e industrializando aquilo para um bem final. Nesse setor específico da fazenda, onde você vai ter processos muito mais complexos, a utilização de uma automação específica seria o cenário ideal para mmWave.
Por meio da resolução n° 720 de 2020, a Anatel desburocratiza o uso de redes privativas. A agência também disponibilizou a faixa de 3,7 GHz para essas aplicações. A Ericsson irá participar desse mercado?
Barbosa – Nós vamos participar, sim, desse mercado de redes privativas. Os nossos grandes clientes são as operadoras. A gente, preferencialmente, pretende endereçar esses mercados de redes privativas através das operadoras. Mas a Ericsson reconhece as redes privativas como um novo mercado extremamente importante.
Com a chegada do 5G, esses casos de uso específico para cada vertical vão se tornar realidade e, cada vez mais, setores da indústria vão exigir rede própria com as características e segurança que o negócio precisa. Muitas empresas não querem compartilhar a sua rede, ambiente de produção e produtos com a rede pública.
A faixa de 3,7 GHz reservada às redes privativas pela Anatel será suficiente?
Barbosa – Essa faixa em si pode ser que não seja totalmente suficiente, não tenha a potência necessária para as redes privativas da forma que demandam. Eu acho que precisa avançar alguns pontos característicos técnicos dessa discussão para a gente ter, de fato, uma faixa com amplitude para comportar todas as aplicações que esse mercado de rede privativa demanda.
Não adianta ter uma faixa dedicada para redes privativas sem a qualidade necessária de banda que vai habilitar os casos de uso nessa faixa. As discussões devem avançar, mas eu acredito que um senso comum deve ser alcançado.
Para a Ericsson qual seria o volume de rede necessário?
Barbosa – Depende muito da aplicação. Não tem um volume específico para alcançar uma qualidade. Hoje, a gente consegue ter serviços de monitoramento de sensores importantes em redes extremamente baixas.
O que a Ericsson acredita é que essa rede tem que evoluir para uma 5G e ter um comportamento de network slicing para usar os recursos dessa rede de forma inteligente. Uma função muito simples vira ineficiente se atendida com uma rede completa 5G, tem que usar apenas parte dessa rede. Aplicações complexas que demandam mais segurança e banda larga, aí sim, você utiliza os recursos dessa rede.
Através de software você pode alocar de forma dinâmica os recursos da rede para cada fim, e não separar uma rede exclusiva para algumas aplicações de forma ineficiente.
Uma pesquisa do Fórum Econômico Mundial diz que 43,2% das empresas pretendem reduzir suas equipes com a chegada de maior integração com tecnologia ou automação. O que a Ericsson pensa a respeito desses dados? A 5G pode aumentar o desemprego?
Barbosa – A Ericsson investe em pesquisa e desenvolvimento no Brasil, mais ou menos, R$ 100 milhões por ano para novas tecnologias, inclusive, 5G. Existem pesquisadores aqui no Brasil desenvolvendo patentes relacionadas ao 5G. Muitas novas atividades e funções vão aparecer, como essa da Ericsson, que tem um número grande de recursos trabalhando em P&D de novas tecnologias.
Existem startups aparecendo a cada dia relacionadas a aplicações que vão usar a plataforma da 5G, eu acredito nesse equilíbrio. Claro que algumas funções podem ter a quantidade de recursos reduzidos devido a alguma tecnologia ou aplicação. Mas por outro lado a demanda de novos postos de trabalho relacionados ao desenvolvimento de tecnologia, aplicações e pesquisa é muito grande.
Essa transição de funções é natural da evolução da indústria. A gente já viu isso em diversos setores durante o período da humanidade, e não vai ser diferente agora.
Como a 5G deve chegar primeiro a algumas indústrias que têm capital de giro para investir em novas tecnologias, isso pode aumentar a disparidade entre as empresas que têm capacidade de investimento com as que estão surgindo?
Barbosa – A 5G como plataforma de inovação e negócios vai ser utilizada nas grandes empresas, grandes setores da economia. Mas também, a gente enxerga que, por ser muito mais flexível na questão da programação, habilita uma série de novos empreendedores, startups e agronegócio. É impressionante o número de startups que existe no agronegócio relacionadas a tecnologia e que estão testando a 5G para desenvolver seu negócio.
Grandes empresas, grandes instituições, empresas multinacionais vão usufruir da tecnologia 5G, mas o volume de novos empreendedores usando 5G é muito maior que isso.
Vamos olhar o que já estamos vivendo hoje com o 4G existem muitos empregos e gente trabalhando com as plataformas de entrega de comida. E a 5G, atuando como plataforma de geração de negócios, vai gerar novos empregos e formas de atuação da população no mercado.
Também surgiram questões trabalhistas novas com a 4G. Muitos entregadores e motoristas de aplicativos estão demandando melhores condições de trabalho e reclamam que não são reconhecidos pelas empresas como funcionários. Corremos o mesmo risco com a 5G?
Barbosa – Sem dúvida, esses pontos devem ser tratados pelas entidades responsáveis. São pontos delicados. As aplicações geram novas formas de fazer negócios. Passar por um crivo regulatório, uma validação das condições de trabalho é fundamental para ter uma proposição saudável dessa aplicação. Isso deve ser analisado em paralelo a tecnologia para tornar as aplicações sustentáveis e sem nenhum impacto negativo nas relações trabalhistas.