A concessão deve migrar para uma licença única. Só o SeAC fica de fora
Se tudo ocorrer como planejado, o conselho diretor da Anatel vota no dia 31 de março o novo PGMU da telefonia fixa. Mas é preciso levar em conta o imponderável da crise política, que poderá afetar o cronograma. Antes, porém, de definir as novas metas de universalização, o conselho deverá resolver como fica a concessão. E tudo indica que as atuais concessionárias, que quiserem ter maior liberdade de ação e menos ônus que os hoje impostos pela concessão, poderão migrar para novo serviço, uma autorização, que vai reunir todos aqueles hoje existentes à exceção do SeAC.
Para migrar para o novo serviço, as concessionárias terão que aceitar uma série de condições. A primeira delas é concordar com um acerto de contas, que vai avaliar quais de seus bens pertencem à concessão dentro do conceito funcional de bem reversível – que é aquele hoje necessário para o funcionamento do serviço de telefonia fixa e não aqueles necessários à época da privatização. O acerto de contas também vai avaliar se os investimentos feitos no STFC foram amortizados ou não, como prevê a legislação. O saldo, que pelos cálculos da Anatel é favorável à União, terá que ser investido em infraestrutura de banda larga.
Na conta das contrapartidas para a migração da concessão para a licença de autorização do novo serviço, cujo nome não foi tornado público, as concessionárias também vão se obrigar a investir o que deixarão de gastar com metas de universalização que serão alteradas, como o número de orelhões. Certamente ele será superior ao que foi proposto pelo conselheiro Igor de Freitas, em seu voto sobre o tema e que está sendo revisto pelo conselheiro Rodrigo Zerbone, mas será bastante inferior ao parque atual de 865 mil TUPs. Segundo fontes da Anatel deverá cair para metade ou 40%.
O novo serviço, para o qual poderão migrar também outras empresas que prestam os demais serviços, à exceção do SeAC (ele não foi incluído porque tem regras próprias de contrapartidas vinculadas ao audiovisual e, por isso, nessa etapa não se chegará à licença única), vai incluir o recurso de numeração para as empresas de SCM. Com isso, as pequenas empresas de telecomunicações que fazem provimento de internet vão poder fazer VoIP com número próprio, uma antiga reivindicação do segmento.
Pelo que está em discussão a migração não será obrigatória. A concessionária que quiser ficar no regime de concessão e sujeita às regras atuais, poderá ficar. Esse é o caso da Embratel, do grupo América Móvil. Como tem poucas obrigações – conexão de escolas distantes das sedes de municípios e alguns postos de fronteira – já anunciou que prefere ficar onde está se as contrapartidas da migração forem mais onerosas.
Consensos e dissensos
É consenso entre formuladores de políticas públicas, reguladores, operadores, representantes de consumidores e da sociedade civil que a telefonia fixa não é mais um serviço essencial. Menos da metade dos domicílios brasileiros conta com telefonia fixa, embora ela esteja disponível em todas as sedes de municípios e mesmo distritos. A receita bruta da telefonia fixa caiu, entre 2006 e 2014, de R$ 58 bilhões para R$ 40 bilhões (-31%). O parque de telefones fixos em operação, que chegou a 46 milhões, baixou para 44 milhões no último ano e só não teve redução maior graças à venda dos combos – a telefonia fixa é embutida no pacote de serviços junto com banda larga, telefonia móvel e TV por assinatura.
Os concessionários que migrarem também terão que oferecer garantias à continuidade do serviço e garantias ao investimento com o qual estão se comprometendo. Os tipos e formas de garantias estavam em debate durante esta semana.
Também é consenso que o serviço hoje vital para a população, e para a economia como um todo, é a banda larga. Embora a reforma regulatória em formulação pela Anatel tenha como foco a telefonia fixa, já que tem de definir o PGMU 2016/2020 (e está atrasada no processo), as trocas de obrigações a serem feitas terão como insumo fundamental a infraestrutura para a banda larga. Ela também é o centro da revisão do marco regulatório que está sendo desenvolvida pela equipe do Ministério das Comunicações. Segundo Maximilano Martinhão, secretário de Telecomunicações, seu conceito não ficará restrito a uma visão tecnológica limitada, ao contrário do que ocorreu com o STFC.
O novo marco regulatório, que será encaminhado ao Congresso por meio de um projeto de lei, disse Martinhão durante o Encontro Tele.Síntese, que se realizou em Brasília no dia 22 de março, deverá trazer o conceito de licença única. A ideia, quase fechada, é acabar com todo o tipo de concessão, seja de telefonia, ou de qualquer outro serviço de telecomunicações.
Mas, alertou Martinhão, essa nova licença não pode ser tratada como as atuais autorizações, onde o Estado tem muito pouca garantia. Segundo ele, essa nova licença deverá assegurar ao Estado intervir em qualquer serviço de telecomunicações para assegurar, por exemplo, que as redes de importância estratégica e os serviços essenciais de telecomunicações não sofram problemas de continuidade. Também o presidente da Anatel, João Rezende, defende a necessidade de garantia de continuidade dos serviços. Em sua visão, é preciso estruturar o setor para que a Anatel possa atuar nos moldes do Banco Central, de maneira a agir sobre qualquer tipo de empresa, se por algum motivo a operadora quiser abandonar o serviço. Hoje o Estado só pode agir sobre a concessão.
As duas fases do processo de alteração do marco regulatório estão pactuadas entre governo e Anatel. As mudanças com foco na telefonia fixa serão feitas pela Anatel por meio de legislação infralegal. As alterações mais de fundo, pelo governo por meio de projeto de lei. Para a Oi, como reconheceu Carlos Eduardo Monteiro, vice-presidente de Regulação, o processo definido pelo governo acelera a mudança na concessão. E ela tem pressa para usar os imóveis que serão liberados no acerto de contas para melhorar sua situação econômico-financeira. Também vai deixar de gastar com seu parque monumental de orelhões, que será encolhido.
Mas nem todos concordam com o caminho escolhido, como ficou claro nos debates do Encontro Tele.Síntese que teve como foco o novo marco regulatório e as mudanças na concessão. O representante da Telefônica Vivo, José Gonçalves Neto, diretor de Relacionamento Regulatório, disse que a empresa prefere que as mudanças mais gerais no marco regulatório sejam tratadas com mais calma e ratificadas pelo Congresso. Essa também é a visão do grupo América Móvil, que acha que a Anatel não deveria entrar em questões relativas ao modelo. “O debate não está maduro sobre migração para nova licença. Há muitas visões, faltam estudos mais aprofundados”, afirmou Gilberto Souto Mayor, diretor de Regulação do grupo. Já o advogado Gabriel Laender, do Escritório Parezin, Porto & Amorim, é totalmente contra a solução. Ele considera que há riscos para a estabilidade jurídica da mudança, pelo fato de ela envolver os bens reversíveis. “Há muita gente envolvida como regulador, operadoras, entidades do consumidor, órgãos de controle”, observou.
As divergências em torno dos bens reversíveis que marcaram os debates do Encontro Tele.Síntese dão bem a medida de como será complexo fazer o chamado encontro de contas. Enquanto o conselheiro Igor de Freitas, representantes de operadoras e consultores têm absoluta convicção de que os bens são privados, e só é reversível o que for imprescindível para a prestação do serviço, representantes da sociedade civil vão na mão contrária. Para o professor Marcos Dantas, da Escola de Comunicação da UFRJ, o que foi vendido na privatização foi a posse dos bens que, no seu entendimento, são da União. O entendimento de Flávia Lefreve, diretora da ProTeste, é parecido.
Para ela, é fundamental que a sociedade, a Anatel e o governo tomem conhecimento da lista de bens que foram repassados para as empresas à época da privatização do Sistema Telebras, pois é essa lista, no seu entender, que dará o subsídio necessário para a acompanhar a evolução da concessão. Flavia frisou que, mesmo se for adotado o conceito funcional dos bens reversíveis, os imóveis não podem ser descartados dessa conta. No entanto, disse que a Proteste e as entidades que encabeçam o Movimento Banda Larga Para Todos não querem que esses bens sejam devolvidos à União, mas que sejam contabilizados na hora de se fazer as contas. “Se houver saldo, queremos que seja aplicado em políticas públicas de banda larga e de fibra óptica”, afirmou.
Minicom e Anatel também querem que o dinheiro vá para a banda larga. As empresas autorizatárias, como a TIM, e a sociedade civil, defendem que as redes onde esse dinheiro for investido não sejam objeto de “feriado regulatório” e sejam imediatamente abertas ao compartilhamento.
Como a proposta de novo PGMU e mudanças na concessão vai ser submetida à nova consulta pública, em função das mudanças profundas introduzidas pelo conselho diretor em relação à consulta anterior, ainda haverá espaço para debate. Mas que fechar as contas não será um trabalho fácil, não será.