Blockchain popular ainda demora cinco anos, diz Gustavo Paro, da R3

Gustavo Paro, novo Country Manager no Brasil da  R3, reconhece que ainda vai de três a cinco anos para o blockchain se tornar convencional mas quando isso acontecer, os usuários e consumidores estarão experimentando produtos e aplicações sem nem saber que esta infraestrutura existe.
R3 que expandir uso blockchain para além da indústria financeira - Crédito: Divulgação
Gustavo Paro, Country Manager no Brasil da R3 – Crédito: Divulgação

Gustavo Paro, novo Country Manager no Brasil da  R3, empresa criada por nove instituições financeiras globais, sabe que os bancos, embora tenham restrições aos criptoativos, são entusiastas da tecnologia blockchain. Mas ele reconhece que ainda vai levar pelo menos de três a cinco anos para o blockchain se tornar convencional, mas quando isso acontecer, os usuários e consumidores estarão experimentando produtos e aplicações sem nem saber que esta infraestrutura existe, de forma totalmente transparente, acredita.

No Brasil, no entanto, não há consenso entre os bancos na escolha da plataforma. Santander, BB e Caixa têm desenvolvido testes conjuntos no Multichain e no Hyperledger Fabric. Já Itaú e Bradesco preferiram aderir ao Corda, da R3. Mas Paro confia na expertise da R3, que iniciou o modelo de negócios em 2017, tornando-se não mais um consórcio de bancos, mas uma provedora de software.

Nesta entrevista, Paro fala da evolução das aplicações do blockchain no mercado corporativo, sobre inovação, a relação com o Banco Central e o iminente lançamento da CDBC (Central Bank Digital Currency, ou moeda digital do banco central), o Real Digital, em desenvolvimento pela autoridade monetária para lançamento a partir do próximo ano.

DMI: A R3 é um spin off do Consórcio Corda? Como tem evoluído?

Gustavo Paro: A R3 é a empresa e o Corda é um dos seus produtos. A R3 foi idealizada em 2015 como um consórcio de nove bancos globais Barclays, JPMorgan Chase, Goldman Sachs, Commonwealth Bank of Australia, Credit Suisse, State Street, Royal Bank of Scotland, UBS e BBVA Digital – com interesse de estudar e realizar provas de conceito em blockchain.

A R3 nasceu como uma alternativa agnóstica e de compartilhamento dos custos dos testes. A R3 se posicionou como uma plataforma de testes, recebia as demandas, olhava quais as plataformas estavam mais maduras – usando códigos do bitcoin, do Ethereum, do Open Ledger, tecnologia da IBM que virou o Hyperledger, – de acordo com o caso de uso.

DMI: Mas os bancos acabaram optando por uma tecnologia proprietária.

Gustavo Paro: Em seis meses, o consórcio passou de nove para 50 bancos. Esses bancos já haviam contratado consultorias e chegado à conclusão de que o blockchain iria mudar o mercado. Mas havia demandas específicas as quais as plataformas existentes precisariam se adequar. A primeira era a privacidade. Numa rede distribuída blockchain, um nó submete uma transação, o algoritmo de consenso valida se a transação está sendo gasta pela primeira vez; o nó grava em seu livro-razão e distribui para todos os demais nós terem sempre a mesma cópia. Para esses 50 bancos, o fato de os outros participantes da rede verem as transações, não era algo que  gostariam de ter. Outro requisito era escalabilidade. Os bancos entenderam que se tivessem de ter a dinâmica de que cada transação nova teria de ser gravada pela rede, acabariam limitados a casos de uso de baixo volume.

DMI: Daí nasceu o padrão Corda?

Gustavo Paro: Sim a R3 criou o Corda, lançando em 2018, a versão do Open Source que estava pronta para ser utilizada em produção. Em Julho de 2018, quando o consórcio estava com aproximadamente 130 bancos, a pedido deles criamos a versão enterprise do Corda, com garantia de suporte, bases de dados relacionais, diversas camadas de firewall, requisitos de segurança. Hoje temos as duas versões.

DMI: Quem são os controladores e quantos bancos são clientes?

Gustavo Paro: A R3 é uma empresa de capital fechado e essa informação é confidencial. Mas posso dizer que a empresa fez uma capitação série A em 2017 de US$ 125 milhões e 40 membros do consórcio investiram na R3. Acredito que temos mais de 130 bancos clientes, embora um grupo pequeno mudou de tecnologia.

DMI: Qual o perfil das aplicações?

Gustavo Paro: Há desde soluções menos específicos para melhoria de processos internos a processos envolvendo clientes e fornecedores. O Wells Fargo criou o Wells Fargo Cash, moeda digital proprietária para remessas entre subsidiárias. A HQLAx fez para a Europa uma solução para produtos financeiros com garantias, eliminando a necessidade de movimentação de ativos em custódia, por meio da tokenização.

DMI: Não há aplicações para produtos financeiros como seguros?

Gustavo Paro: Sim. Há alguns modelos de negócio que só se tornaram viáveis com o blockchain, como microsseguros, pois o custo operacional no modelo convencional pode inviabilizar o produto. Pode ser usado também para seguro perimetral de transporte por navios, registrando no blockchain informações de GPS, clima, para correção do cálculo de forma automática caso haja mudanças de rota. É possível flutuar o prêmio do seguro, baseado em informações em tempo real.

DMI: O blockchain ainda é periférico ou já está se tornando mainstream?

Gustavo Paro: Ainda há um caminho para se tornar mainstream. Quando estamos diante de uma tecnologia tão disruptiva costumamos superestimar o curto prazo e subestimar o longo prazo. Ainda teremos mais um tempo de maturação para o blockchain eliminar algumas barreiras de entrada: conhecimento, entendimento da tecnologia, maturidade de projetos, testes e casos de uso. A evolução será natural e a adoção em massa demandará mais dois a cinco anos. Já temos cinco anos da criação do Corda. Precisaremos de dez anos de maturidade para virar mainstream.

DMI: Como funciona o projeto com a OTC?

Gustavo Paro:  A Bolsa OTC Brasil é um projeto que nasceu no LIFT (Laboratório de Inovações Financeiras e Tecnológicas), coordenado pela Fenasbac (Federação dos Servidores do Banco Central), com suporte do próprio BC, para promover inovação, concorrência e novas ofertas e novos entrantes no mercado financeiro, com seleção de 15 a 20 projetos.  Os participantes selecionados podem escolher quem querem como mentores. Normalmente para blockchain a R3 é o mentor.

A Bolsa OTC Brasil foi selecionada e submeteu seu projeto ao Sandbox Regulatório do BC, tendo sido aprovada para rodar em 2022. A empresa atuará, assim, como registradora e liquidante de transações de compra e venda de ativos tokenizados de empresas não listadas, garantindo que as informações são fidedignas. As pessoas e empresas podem analisar os dados e oferecer crédito. Funciona como uma plataforma de peer to peer landing. Para nós foi uma grande notícia, não apenas porque utilizar o Corda Enterprise da R3, mas porque é um projeto de ativos digitais rodando no Sandbox do Bacen.

DMI: Qual o modelo de negócios da R3 e quais as próximas estratégias?

Gustavo Paro: O tema CDBC é importante para a R3, que participa de 65% a 70% dos projetos do mundo. Na América Latina não é diferente e estamos tentando estar próximos dos bancos centrais para apoiá-los nessa iniciativa. Temos um foco grande também em tokenização de ativos digitais. Entendemos que o momento do blockchain nesse dois segmentos é sem volta, a adoção será crescente. A R3 está muito bem posicionada no mercado regulado. Nossa expectativa para 2022 é crescer cada vez mais nossa presença em ativos financeiros de bancos, mercado de capitais e reguladores.

DMI: O Brasil é maior mercado? Quantos clientes há o país?

Gustavo Paro: Na América Latina, o Brasil é o maior mercado. Temos dez clientes na região, fora os projetos em andamento e prospects. Entre eles,  Itaú, Bradesco, B3 como clientes e investidores. E projetos com as quatro maiores empresas de infraestrutura de mercado: B3Cerc (Central de Recebíveis), CIP (Câmara Interbancária de Pagamentos) e a CRDC (Central de Registros de Direitos Creditórios), para atender uma regulação do BC. Temos projetos de agrobusiness com a Gávea Markeplace, que criou uma bolsa de commodities em blockchain, e Corda tokenizando os contratos de compra e venda de commodities usados como garantia. TAmbém projetos em sete oito verticais diferentes, energia, telco, saúde, agro, supplay chaim.

DMI: Quando começou essa diversificação para além da área financeira?

Gustavo Paro: Durante dois anos, o Corda ficou restrito aos membros do consórcio. Em 2018, quando lançamos o Corda Open Source para produção, decidimos disponibilizar a solução ao mercado. Muitas empresas que desenvolviam tecnologia em blockchain começaram a migrar os casos de uso para o Corda e tivemos uma expansão. O maior consórcio de seguradoras do mundo roda em cima do Corda, migrando do Ethereum. E o B3i, maior consórcio de resseguradoras ,migrou do Hyperledger para o Corda.

DMI: Como criar cultura em blockchain em meio ao estigma dos criptoativos?

Gustavo Paro: O estigma vem diminuindo, era muito pior há quatro anos. Hoje já estamos vendo uma convergência cada vez maior entre o mercado financeiro tradicional e o mercado de cripto. No futuro, os grandes bancos vão entrar nessa criptoeconomia, oferecendo soluções de trade de criptomoedas e de custódia. A R3 não é contra a criptomoedas, mas escolheu investir tempo e recurso em soluções corporativas e com produtos regulados. Se amanhã sair uma regulação de criptomoedas estaremos prontos.

Por Carmen Nery

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Redação DMI

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