A UIT vai tratar de OTT. Essa decisão evita a fragmentação da internet?

Depois de anos de resistências, os diferentes blocos de países aprovaram uma resolução que reconhece esse órgão da ONU como apto a também estudar o mercado das empresas de internet.

A Conferência de Plenipotenciários da União Internacional de Telecomunicações (UIT), órgão máximo de deliberação dessa entidade vinculada à ONU, concluiu seus trabalhos em 19 de novembro com importantes conquistas, mas também diversas questões não resolvidas, que apontam para os futuros embates geopolíticos do mundo digital.

A conquista mais importante foi a aprovação da resolução sobre OTTs (Over The Top), tentativa que se arrastava há mais de oito anos. E a atuação do Brasil foi primordial por esse tento. Não só porque ele liderou a comissão da redação final, mas também porque, defendendo uma posição intermediária entre os dois extremos, conseguiu ser ouvido e fazer prevalecer a defesa da necessidade de a UIT estudar esse mercado.

Na avaliação de Jefferson Nassif, chefe do departamento internacional da Anatel, o fato de a UIT – que é formada só por representantes governamentais – passar a também estudar esse assunto, aliando-se às entidades que lidam com a internet, pode ser uma saída para evitar o risco da fragmentação da internet.

” Se a UIT não conseguir direcionar o caminho do rio, haverá o risco da fragmentação da internet, porque a indústria chinesa é mais aderente aos princípios políticos árabes, africanos e do leste europeu”, avalia ele.

Talvez por isso, os Estados Unidos, que antes barravam qualquer iniciativa de a UIT estudar questões vinculadas a empresas de internet, ter, no final, aprovado a resolução.

Nessa conferência, quatro propostas para OTTs foram apresentadas – a do Brasil (que defendia participação dos representantes da sociedade civil); a dos EUA e Europa; a dos países árabes e a dos países africanos.

Os árabes e africanos apresentaram propostas mais duras, de que a UIT deveria regulamentar esse mercado porque, de fato, são completamente esquecidos nessa seara. Se aqui no Brasil as maiores empresas de OTTs (como Google ou Facebook) dão muito trabalho à justiça local para cumprir as determinações judiciais, pelo menos elas têm uma representação em nosso território. Nos países árabes ou africanos, essas empresas não têm qualquer canal de comunicação institucional.

“O documento aprovado acabou desagradando a todos, o que foi bom”, afirmou Abrão Balbino e Silva, superintendente de Competição da Anatel e quem liderou a discussão conclusiva, que durou mais de 45 horas. No final, acabou prevalecendo a posição de que esse tema não é só de governo, mas também dos outros diferentes agentes.  Mas, por outro lado, não desmereceu a UIT, como queriam Estados Unidos e Europa. Ficou acordado que a  UIT irá promover estudos econômicos, sociais e de políticas públicas, sem contudo, vincular qualquer decisão.

Mas, se a UIT não decide nada vinculante, poderá, por outro lado, auxiliar com políticas públicas sobre OTTs aos países que assim o quiserem. Ou seja, um documento cheio de contradições. Como é o próprio século XXI.

 

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Miriam Aquino

Jornalista há mais de 30 anos, é diretora da Momento Editorial e responsável pela sucursal de Brasília. Especializou-se nas áreas de telecomunicações e de Tecnologia da Informação, e tem ampla experiência no acompanhamento de políticas públicas e dos assuntos regulatórios.
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