A infame cultura de startups do seja ágil e quebre as coisas

Crescer uma startup é como ter um carro elétrico. É preciso recarregar a bateria. Sem descanso, ninguém rende. Devagar e sempre.
A infame cultura de startups do seja ágil e quebre as coisas - Crédito: Divulgação
Fábio Póvoa – Crédito: Divulgação

*Fábio Póvoa 

As frases são quase um sinônimo de vida startupeira: “Done is better than perfect” (Feito é melhor que perfeito), “Every day feels like a week” (Cada dia parece uma semana), “What would you do if you weren’t afraid?”(O que você faria se não tivesse medo?) e a hoje infame (pelo menos no mundo da tecnologia), “Move fast and break things” (Seja ágil e quebre as coisas, ou, como prefiro traduzir, saia fazendo e depois consertamos as m…).

Esta última propunha que é melhor entregar produtos digitais de forma mais rápida, aprendendo iterativamente à medida que o tempo passa, do que postergar o lançamento para garantir qualidade e estabilidade. À medida que a companhia crescia, cresciam também as expectativas dos quase 1 bilhão de usuários (quando 1 bilhão era muita gente então) e negócios que dependiam do então Facebook produto (hoje Meta). Mas, principalmente, cresciam a complexidade das funcionalidades sendo lançadas e o tamanho dos times responsáveis por produzi-las.

Durante meu MBA no Vale do Silício, estive várias vezes com colegas de classe e alunos em eventos na sede do Facebook, em Palo Alto, Califórnia. Embora já uma grande empresa, ela guardava – e fazia questão de cultivar e ressaltar – alguns traços culturais típicos da sua origem como muitas startups. Um dos mais evidentes eram os posters impressos espalhados pelos corredores. Eles traziam frases de impacto, numa alusão à mentalidade hacker do fundador, Mark Zuckerberg, dos seus tempos de muito trampo e pouco sono no dormitório de Harvard.

Com o tempo, Mark e o time do Facebook entenderam que esta cultura de “Move fast and break things” estava quebrando as funcionalidades e, mais perniciosamente, os funcionários que as produziam. A mesma cultura que ajudou a empresa a escalar agora era parcialmente responsável pela crescente lentidão nos negócios e pelos danos à moral do time que operava a empresa.

Esta cultura gerava um ritmo insano, correria para todo lado, projetos sem documentação, produtos lançados sem um mínimo de testes, funcionalidades antigas quebradas por novas features e, em particular, uma expectativa cultural de que todos na empresa estivessem plugados, trabalhando e entregando o tempo todo. Algo como o estagiário que só sai depois do chefe sair… E, no online, ninguém “sai do escritório”, porque a bem da verdade ninguém “entrou fisicamente”. Está todo mundo sempre conectado.

Parem de endeusar o ‘hustler’  

A cultura de startups costuma endeusar a atitude “hustler” – de pessoa despachada, pronta para tudo, pega e faz, vira a noite se for preciso. Há o mantra de que “se você tirar o pé do acelerador, o modo padrão é dar ré, e não ponto morto”. Esse é o tipo de pensamento pobre, singular e míope que se tornou e tem sido cada vez mais popular e convencional.

Só que tem um detalhe: está errado! Sim, há nuances e casos bem particulares em que ela possa fazer sentido. Um projeto específico, um deadline crítico, um incêndio que precisa ser apagado, uma oportunidade única. A cultura de “hustler é tudo” é na verdade um complemento opcional do mundo de startups e espanta ótimos talentos. Gente que não quer dormir na cadeira, estar sempre ligado, trabalhar 100 horas por semana, ou sacrificar tudo – incluindo amizade, filhos, cônjuges, pais, lazer – simplesmente por uma aposta que possa render lucros.

Crescer uma startup é como ter um carro elétrico. Claro, ele pode ir super-rápido, mas ele também precisa recarregar a bateria na tomada. Se você não carregar, uma hora ele para e não sai do lugar mais. Ambas as coisas são úteis: acelerar é emocionante, mas recarregar é obrigatório.

Parece que muitas startups – e particularmente a mídia de blogs, portais e notícias que se formou em volta – acham que elas são máquinas de propulsão perpétuas. Não são, até porque a propulsão perpétua é teoricamente impossível por violar as leis da termodinâmica. A recarga ao se liderar uma startup não deveria ser opcional. Ela não faz mal ou emperra seu trabalho, ela te ajuda a mover pra frente com aprendizado.

Obviamente, há o aspecto de saúde mental de se tentar imprimir uma velocidade tresloucada e ainda assim manter intactos os níveis de sanidade e energia, o que resulta em burnout e possivelmente está ligado ao fato de que mais de metade dos empreendedores lida com depressão.

Mas meu ponto é de ordem mais prática e operacional: ao se mover com ritmo e constância, incorporando melhorias, ajustando processos, o empreendedor pode ter a pausa necessária para sopesar o que se está fazendo de fato, especialmente quando novos dados aparecem (e tem nova informação fluindo o tempo todo). Você está fazendo suposições incorretas?

A direção tomada está em linha com a estratégia, realidade de mercado e entrega valor aos nossos consumidores? Estamos perdendo valor – clientes, receita, membros do time – por causa de um ritmo insano? Sem a pausa e recarga, muitas vezes se urge adiante sem reflexão. Isso por vezes é louvado como “o jeito startup” de trabalhar. Movemos rápido, quebramos, coisas, e rezamos para que estas coisas possam ser consertadas mais tarde.

Muito de tocar um negócio e construir startups é aprendizado. Sobre os consumidores, concorrentes, mercado, sobre si mesmo. E aprendizado leva tempo. Se, no início, se assume suposições sobre quase tudo, porque se precisa – não se está no mercado ainda. Mas, à medida que se tem clientes, receitas, feedbacks, bons empreendedores devem aprender a usar o tempo para digerir e se adaptar baseado no aprendizado validado.

Se não se pausa para ver como melhor aplicar este aprendizado, podemos terminar incorrendo em erros dolorosos e caros. Isso sim é um movimento de marcha à ré. Se não tirarmos o pé do acelerador algumas vezes, não poderemos recarregar. E então arriscamos ficar sem força e energia para nos mover para frente. Dedicação não é sinônimo de exaustão. Sua carreira é uma maratona e não uma corrida de 100 metros rasos.

Sem descanso ninguém rende todo seu potencial. Descansado, carregado e aprendendo. Devagar e sempre.

*Sócio e investidor líder à frente de Smart Money Ventures e professor visitante de Lean Startup & Empreendedorismo na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). 

Digital Money Meeting

Fábio Póvoa participa do Digital Money Meeting, no próximo dia 26, no painel ‘Os investidores e o ecossistema de startups’, onde debaterá com João Kepler, CEO da Bossanova Investimentos, Pedro Bramont, Diretor de Negócios Digitais do Banco do Brasil, e Vinícius Fontes, Líder de Inovação e Ventures na Accenture para a América Latina. Para conhecer o programa completo do evento, que acontece de 25 a 27 de maio, acesse o link: https://www.eventos.momentoeditorial.com.br/#Programacao-DMM

 

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Redação DMI

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