Souza Pinto: Qual é a lógica para um novo modelo de telecomunicações?

Uma simples pergunta, mas que deveria ser respondida antes de qualquer tomada de decisão.

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*Jose Roberto de Souza Pinto

Quando as telecomunicações no Brasil viviam em um modelo estatal, foi necessária uma emenda constitucional, a de número 8, que permitiu abrir o mercado de forma ampla para a iniciativa privada. Certamente inúmeros estudos e avaliações sobre o estágio de desenvolvimento do país neste setor, incluindo a necessidade de capital e novas tecnologias, foram consideradas para aprovação desta emenda constitucional.

A partir daquele momento o governo  desenvolveu e construiu um novo modelo para as telecomunicações, envolvendo projeto de Lei, que foi conhecido como  Lei Geral de Telecomunicações, a LGT, com a criação da Agência Nacional de Telecomunicações. Foi elaborado também o processo de privatização das empresas estatais de telecomunicações e lançadas licitações públicas de vendas de licenças para novas empresas entrantes no mercado.

Sem dúvida, apesar de qualquer questionamento que possa ser feito sobre o modelo adotado, cabe registro sobre a qualidade e organização do processo desenvolvido pelas autoridades do setor à época para se chegar a sua aprovação no Congresso Nacional.

Mas podemos dizer que tudo isso é passado e algumas críticas podem ser feitas em relação a seus objetivos e a forma de sua implementação.

Numa breve recordação, o modelo buscava uma situação de baixo nível de concentração do mercado, e, portanto, foi criada a figura da empresa espelho, que competiria de imediato com as existentes que teriam sido privatizadas, como se diz na literatura, as incumbentes que competiriam com as novas entrantes. Este modelo foi adotado para a telefonia fixa nas suas diversas modalidades, como local, longa distância nacional e internacional assim como na telefonia celular, serviço recém lançado no mercado e ainda de pouca representatividade, se comparado com a telefonia fixa.

Naquele momento em 1997, a comunicação de dados era utilizada basicamente pelas grandes e médias empresas e o acesso à Internet era um serviço ainda incipiente no Brasil.

Mas o ponto importante deste comentário é sobre o nível de concentração dos serviços prestados às demais corporações, fazendo com que grandes grupos econômicos dominassem o mercado. Podemos dizer que nenhuma das empresas-espelho sobreviveu, tendo sido absorvidas pelas então “incumbentes”, que dominavam o mercado com a sua rede de telecomunicações já instalada e com grande capacidade de investimentos.

Outro fator de concentração foi o crescimento do serviço de TV por assinatura que, de certa forma, facilitou a integração com a telefonia fixa e o acesso à Internet e, a partir de um certo momento com acessos e serviços em banda larga, e que foi também em grande parte absorvido por esses grandes grupos econômicos.

Certos ou errados a época, tínhamos um modelo a ser perseguido, que serviu para viabilizar a transição de um modelo estatal para um modelo onde a iniciativa privada passou a ser responsável pelos investimentos e a prestação dos serviços, e o Estado assumiu o papel de órgão regulador e fiscalizador, no caso a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, criada por força da mesma Lei, a LGT.

Vamos avaliar agora onde estamos, diante de alteração da LGT, e procurar identificar qual será a nova lógica e quiçá o modelo que se pretende implantar com esta modificação.

Duas premissas podemos observar: uma primeira que diz respeito à prioridade para os serviços de acesso à Internet em banda larga, e a outra é que os serviços de telefonia fixo (STFC), nas suas diversas modalidades, não são mais essencias, e, portanto, não cabe mais o regime público, nos termos da LGT, para a sua prestação de serviço.

Destaca-se também que o STFC, objeto de concessões, só se encerram em 2025.  Portanto, pelas regras atuais, teríamos que esperar mais 9 anos para o encerramento destes contratos, que por vários fatores, como a competição nos grandes centros e baixa atratividade comparada com a solução móvel celular, sofrem já há algum tempo problemas de viabilidade econômica. O STFC, sem sombra de dúvida, é sustentado pelos demais serviços de telecomunicações prestados pelas mesmas empresas,  o que é uma ilegalidade.

Não resta dúvida de que algo tem que ser alterado neste modelo atual, pois, de uma forma otimista, podemos dizer que já cumpriu o seu papel, apesar das inúmeras críticas sobre a sua gestão um tanto temerosa, motivada pela grande concentração existente e pela falta ou baixo nível de competição e por um grande número de regiões ainda não atendidas pelos serviços.

Em particular, a qualidade dos serviços prestados é um dos temas que tem preocupado principalmente os usuários de serviços de telecomunicações e podemos dizer que todos os serviços de telecomunicações que são prestados estão sem um nível razoável de qualidade, se comparados com os mesmos serviços em outros países. Esta afirmação pode ser comprovada ao avaliar o grande número de reclamações dos usuários, assim como nos recentes relatórios da União Internacional de Telecomunicações – UIT, sem falar no volumoso processo de multas aplicadas pela Anatel.

Um outro aspecto de suma importância é a questão que tem sido colocada por algumas das partes que hoje são contra a aprovação do PLC 79, sem nenhuma base quanto aos valores envolvidos, porque a alteração do regime de público para privado poderia provocar  perdas do erário público.

Sobre esta questão, temos na realidade uma incógnita, pois as mudanças nos artigos da LGT não indicam a fórmula de cálculo destes bens ou outra alternativa de captação de recursos para serem revertidos em investimentos na futura rede de comunicação de dados ou a sua ampliação, encaminhando esta questão para a Anatel apresentar os cálculos após a aprovação do projeto. Sem sombra de dúvida uma situação que será questionada, gerando para todas as partes envolvidas  uma insegurança em relação a estas novas bases e as condições para as empresas que optarem por encerrar os contratos de concessão.

Existe um grande número de questões que deveriam ser avaliadas antes de alterar alguns itens da LGT, para tratar um problema específico de mudança do regime de prestação dos serviços de telefonia do público para o privado e encerrando as respectivas concessões.

Sem risco de ser criticado, percebo que os comentários sobre o PLC 79 citam a proposta como a construção de um novo modelo para o setor de telecomunicações, o que atenta contra a qualidade técnica dos profissionais do setor. Arriscaria dizer que se trata de um arremedo, sem nenhuma indicação de onde queremos chegar, e não um novo modelo.

A falta de uma base de sustentação talvez indique uma estratégia que a partir deste momento as questões serão tratadas pontualmente em cada situação, transferindo para a Anatel, toda a responsabilidade de realizar as alterações que considerar necessárias para o pleno e melhor funcionamento das telecomunicações no país.

Este é um caminho e até pode ser a melhor solução em face da dinâmica existente nas tecnologias, serviços e aplicações, que são inúmeras e crescentes, suportadas pelos serviços de telecomunicações.

A questão final que se coloca e que particularmente tenho insistido é sobre as garantias de continuidade dos serviços e a competição que deve e deveria proporcionar os ganhos de qualidade e redução dos preços dos serviços para os usuários.

Uma das formas mais eficazes de obter essas garantias, é efetivamente regular o mercado no regime atacado, como um dos principais instrumentos para aumentar e diversificar o número de empresas prestadoras de serviços de telecomunicações, criando mais opções de escolha para o consumidor.

Vale ressaltar que o cenário atual e o futuro aponta para as demandas do cidadão e de toda e qualquer organização produtiva em direção de necessidades crescentes de capacidade de rede de telecomunicações, que suportam e suportarão novos aplicativos que fazem parte do dia a dia das pessoas e das organizações, portanto, toda uma sociedade cada vez mais dependente destes recursos.

Um alerta um tanto óbvio, mas não podemos esquecer sobre os riscos de maior concentração de mercado, que geram as ineficiências empresariais, já constatadas nas gigantes organizações, que não tem como competir com as empresas mais enxutas e ágeis.

A alternativa dos grandes grupos empresariais tem sido a compra do competidor, o que gera mais concentração e mais empresas não competitivas que não trazem inovação e ganhos para os usuários de serviços.

A ampliação da desregulação do setor de telecomunicações,  caminho que está sendo trilhado nessas recentes propostas em fase de aprovação, deve ser combinada com outros instrumentos que garantam a defesa da concorrência e a proteção do consumidor  contra atitudes de domínio de mercado, danosas ao consumidor final.

A permanecer essa estratégia sem um instrumento efetivo de controle previsto em lei, a tendência será que esses grupos irão se preparar para comprar novas empresas prestadoras de serviços do tipo  OTTs ( Over- the- top), que prestam serviços ou rodam aplicativos e que surgirão cada vez mais, em função de novas tecnologias e da insatisfação do consumidor com a atual qualidade e os elevados preços praticados pelas empresas autorizadas.

Certamente qualquer revisão consistente do atual modelo de telecomunicações passa por análises mais profundas sobre estes essas tendências, que estão colocando à prova os modelos tradicionais de telecomunicações.

Portanto, é necessário pensar um pouco mais sobre o que nós realmente queremos no curto prazo e, nesse caso específico, tratar com a máxima seriedade do regime de transição, nos mínimos detalhes, para evitar a proliferação de áreas não atendidas e, principalmente, não chamar o PL 3453 ou PLC 79, de novo modelo de telecomunicações.

Jose Roberto de Souza Pinto, engenheiro mestre em economia e consultor.

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