“Sistemas críticos do governo não podem ficar dispersos”, diz presidente da Dataprev
A Dataprev deu início à migração de seus sistemas para a nuvem, que ficará toda hospedada em seu data center. E a intenção da estatal, conforme seu presidente Rodrigo Assumpção, é a de centralizar cada vez mais os sistemas críticos do governo sob guarda-chuva da empresa, formando assim a nuvem soberana. O executivo admite, porém, que essa soberania é limitada, já que o país não detém o controle da tecnologia, e até por isso, explicou, tomou a decisão de, na seleção dos fornecedores, escolher duas empresas estadunidense e uma chinesa.
Para ele, a unificação dos dados críticos é o único caminho para lidar com o enorme volume de dados gerados pela sociedade brasileira, que precisa ter o retorno com melhor oferta de serviços do Estado. Entre os novos serviços, Assunção aponta que já começa a trabalhar para oferecer a personalização do atendimento. A seguir os principais trechos da entrevista:
Pode explicar no que consiste a rede soberana do governo e o papel da Dataprev?
Rodrigo Assumpção, Presidente da Dataprev – Tomamos a decisão de contratar nuvem, porque ela traz uma série de vantagens em termos de escalabilidade, disponibilidade de preço e constatamos que precisávamos fazer essa transição de forma a garantir controle operacional e controle sobre os dados do governo e da sociedade. E precisávamos fazer isso dentro dos nossos datacenters.
Nasceu então a nuvem soberana?
Não gosto muito do termo “ nuvem soberana”, porque acho que reduz a complexidade de um debate cheio de camadas. Mas estamos avançando com alguns graus de controle sobre o processo. Agora, a soberania sempre será relativa e sempre limitada, à medida em que não somos detentores de toda a capacidade tecnológica enquanto país. A tecnologia não é inventada aqui. A tecnologia não é produzida aqui. Então, a gente se relaciona com essa indústria, com essa tecnologia para conseguir controle operacional, controle sobre os nossos dados. Atuamos para diminuir e mitigar os riscos de estar lidando com uma tecnologia com funções absolutamente fundamentais para o Estado em nível de controle menor que o desejado para você.
Qual é então o limite da soberania? Já que não detém a tecnologia?
Analisando quais são as concessões que aceita fazer. O equipamento deve garantir a entrega de resultados sem a possibilidade de interferência ao longo do tempo, seja por app, por código de bloqueios ou por backdoors ocultos. Com isso, se atinge num nível de controle e soberania a partir daí e, obviamente, com muita camada de segurança em cima. Com isso, a gente consegue assegurar que os dados vão continuar fidedignos, vão continuar disponíveis para o seu uso, vão continuar à disposição da sua operação. E a nuvem está em nosso datacenter, o que dá um grau de controle substantivamente maior do que ter isso em um nuvem externa, seja no exterior, seja no Brasil.
Vocês optaram pela contratação de três nuvens. Quais foram os critérios para a seleção?
Contratamos nuvem da Oracle, porque, além de ser uma oferta tecnológica muito completa, muito ambiciosa, temos um histórico muito forte de uso da empresa. E, à medida em que a gente está fazendo também uma transição da infraestrutura atual para a infraestrutura de nuvem, não seria possível não ter Oracle.
A outra nuvem escolhida, da Huawei, é interessantíssima porque, além de ser provavelmente o melhor preço, é a primeira vez que nós temos uma oferta comercial disponível de uma tecnologia não americana. Ou seja, se estamos fazendo um trade off, é muito interessante não botar todos os ovos numa única cesta. Se você tiver um problema com a tecnologia americana, possivelmente não vai ter ao mesmo tempo um problema com a tecnologia chinesa. Ou se tiver um problema com a tecnologia chinesa, você não vai ter com a americana.
E o terceiro fornecedor é a AWS, que é a líder do mercado, ocupa a maior parcela de oferta de nuvem e tem o maior catálogo. Nos pareceu que seria interessante seguir nessa direção. Assim, ficamos com uma nuvem comercial clássica e líder do mercado, uma nuvem mais específica, que tem uma relação com o histórico de uso da empresa, uma terceira, que é um uma oferta nova de um agente que não é da indústria americana, mas que pode nos assegurar algum grau de resiliência se houver uma crise do outro lado.
E o que farão com essas nuvens?
Primeiro, faremos a migração tecnológica também de nossos clientes. Outra ação é a oferta de capacidade de nuvem para a Esplanada (governo).
Mas o cliente da Dataprev é o INSS, não?
Além do INSS, temos muitos outros clientes como o MDS, o MGI, a Receita Federal, a PGFN, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério das Mulheres. Temos um portfólio bem grande de clientes. Além da transição tecnológica, temos uma série de novos projetos, envolvendo principalmente a estrutura nacional de dados.
A expansão da prestação de serviço da estatal Dataprev para outros órgãos do governo já estaria pacificada no mercado?
Seria ilusório dizer que está pacificado, mas há uma compreensão cada vez maior. Porque estamos em um momento onde há necessidade de grande escala. E estamos contratando cada vez mais do mercado privado. Mas não vamos substituir seis por meia dúzia, pois a Dataprev se relaciona com empresas maiores, mais sólidas, com maior capacidade técnica. Pode perturbar um pouco o processo, à medida em que não podemos ter sistemas críticos, com dados de sistemas do tamanho do Brasil, com uma empresa pequena. A ideia de que essas informações vão estar dispersas nos mais de 290 órgãos do governo, não funciona. Acredito que, em pouco mais de dois anos, vai haver um aumento muito significativo no número do sistemas críticos do governo que estarão dentro da Dataprev.
Quais são os investimentos para essa migração?
Estamos falando em R$ 500 milhões. Muito já foi contratado, não sei se gastaremos tudo. Mas é bom lembrar que a Dataprev não recebe qualquer aporte do governo, nós batemos recorde de lucratividade todos os anos.
Mas e as filas do INSS? Não continuam?
Já zeramos a fila, estamos fazendo mais de um milhão de atendimento por mês. A lei prevê 45 dias e o ministro pediu para reduzirmos esse prazo para a análise do benefício para menos de 30 dias. Estamos trabalhando para isso. O tempo de espera acima do que prevê a lei acabou, mas não quer dizer que 100% dos problemas tenham sido resolvidos. Há processos deficientes, que precisam melhorar.
Melhorar em que direção?
Estamos mirando oferecer um grau muito maior de personalização. Queremos avisar as pessoas quanto elas vão se aposentar. Automatizar os benefícios, como o da maternidade, por exemplo. Há uma série de serviços que devem ser melhorados. A partir da infraestrutura tecnológica, muitos serviços passam a ser possíveis. Queremos ampliar a interação das pessoas com o Estado.